40 anos do MST: de invasores a produtores
Está chegando às telas dos cinemas, esta semana, um documentário estimulante – De Quanta Terra Precisa o Homem? Trata– se do filme que pode ser visto como uma introdução à série de outros filmes sobre o mesmo tema que, eventualmente, o cinema nacional se proponha realizar. Ou seja: o início, a implantação e como se encontra atualmente, quarenta anos depois de criado, um dos empreendimentos políticos e econômicos mais importantes do país, nas últimas décadas.
As primeiras ocupações se deram em vários pontos de áreas rurais do território, organizadas nas terras ociosas de grandes proprietários e por parte de populações pobres. A criação, durante o 1º Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, ocorreu em janeiro de 1984, no Paraná. Um movimento social em luta pela Reforma Agrária, pela democratização do acesso à terra e, como consequência, pela melhoria das condições de vida no campo. É o principal movimento social de Reforma Agrária da América Latina.
De Quanta Terra Precisa o Homem? foi realizado em 2022, e traz novas perspectivas para além do livro clássico de Liev Tolstoi com o mesmo título do filme, nesse momento em que se discute a expansão da financeirização da gestão do capital das empresas e os astronômicos gastos militares, de defesa, por parte dos estados.
Na abertura do documentário, o recado é este: “Na história do liberalismo e da pseudo democracia do Brasil, os grandes fazendeiros, industriais, comerciantes e banqueiros já falaram muito. A classe média e o operariado disseram algumas palavras. Os trabalhadores da terra são a grande voz muda da História do Brasil”.
O filme convida o espectador a ouvir a voz dos trabalhadores da terra e fica claro que “as soluções (NR.: para trabalhar contra as desigualdades) não estão na Avenida Paulista, na Faria Lima nem no Leblon”, segundo observações dos entrevistados.
A duração De Quanta Terra Precisa o Homem? é de cerca de uma hora. Apresenta inusitados encontros do ex – banqueiro carioca, Eduardo Moreira, com algumas das cerca de dez famílias que chegaram à área e que foram filmadas vinte anos atrás. A chamada ‘geração debaixo das lonas’ que dormia em barracas de lona, sem casa nem dinheiro.
Grupos familiares que ocuparam terras inóspitas e desertas, onde não havia uma única árvore, e que lá estão radicados até hoje. Trabalham com bons resultados comerciais na sua forma de fazer agro– agricultura em grupo e vivem dignamente em meio às matas verdes que plantaram no passado.Hoje, são 130 famílias assentadas.
No elenco dos entrevistados do presente filme, dirigido pelo historiador Adilson Inácio Mendes, e debatendo as novas formas de economia solidária como modelo para organizações populares estão Luiz Gonzaga Belluzzo, Leda Paulani, Eduardo Moreira – um dos fundadores do Instituto Conhecimento Liberta, associação produtora do filme – , João Pedro Stedile, Luiz Inácio Lula da Silva, Mirian Manfron, Tainara Aschi, entre outros especialistas e pesquisadores de economia política.
“Hoje, essas famílias passaram de invasores para produtores”, diz o ex– presidente Lula, na época em que foi entrevistado para o documentário, quando ainda estava preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. “As ocupações, no início do seu processo, eram vistas pelo estado como obra de criminosos”.
Em outro momento, um casal de agricultores assentados explica: “Não adianta ter um lote pessoal, só seu, negando a Reforma Agrária. Ter um lote e achar que esse lote é um patrimônio privado. Pensando assim estaremos negando aquilo que construímos juntos, ou seja, a Reforma Agrária. Temos um compromisso social com os companheiros”.
O economista gaúcho João Pedro Stédile, um dos fundadores do MST e liderança, desde 1984, da causa da Reforma Agrária e da Agroecologia,. depõe: “Procuramos organizar um movimento em busca de uma sociedade mais democrática, pretendendo mudar o país mesmo que lutando contra o estado, contestando a sociedade e o fluxo de capitais dos que têm e que não vem para os que não têm; e proporcionando terra para todo mundo, o que significa Reforma Agrária”.
Mas, observa Stedile, de modo didático: “Não basta comprar terra, possuir terra. Nossa visão é a de que somos zeladores da natureza; e o latifúndio não faz isso. Derruba as árvores do terreno, não preserva suas águas, derruba tudo. E não adianta plantar e fazer agricultura com veneno porque estaríamos dando veneno para a população. Nossa missão como agricultores é produzir, mas produzir alimentos saudáveis”.
Em resumo, a indagação que propõe De Quanta Terra Precisa o Homem? se superpõe a esta: Poderia – ou poderá? – o capitalismo ser reformado por dentro?
Jornalista.