As Guerreiras
Marias é o documentário de uma viagem através do Brasil, no passado e também em momentos mais recentes, alguns deles decisivos, e se estende por traços das cidades de Moscou e de São Petersburgo, na Rússia. A protagonista do filme em cartaz nos cinemas, esta semana, originou a seleção de algumas das mulheres brasileiras emblemáticas e relembradas. Ela é a pernambucana Maria Prestes, nascida em Recife e moradora no interior de Pernambuco durante certa fase da sua vida e até então era a menos conhecida do grande público até agora.
Poucos são os que ouviram falar da segunda companheira do líder do Partido Comunista Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, cujo nome de nascimento era Altamira Rodrigues Sobral Prestes. Maria o acompanhou até a morte dele, foi mãe de seus sete filhos e viveu clandestina boa parte da sua existência.
Para se proteger da perseguição da polícia de Getúlio Vargas e por causa da clandestinidade em que viveu por longos períodos, o seu pseudônimo político era justamente esse: Maria. Maria do Carmo Ribeiro. Essa e outras histórias sobre sua denominação se encontram no livro de memórias que deixou, Meu companheiro Luiz Carlos Prestes, lançado em 2012.
Na contramão da legendária Maria Bonita, a homenageada no começo do filme como patrona da linhagem de guerreiras ilustres, Olga Benário, Dilma Rousseff e Marielle Franco foram rebatizadas como Marias pela diretora Ludmila Curi com a alcunha de Maria, o prenome mais popular da língua portuguesa.
Ludmila conheceu Maria Prestes há doze anos, quando trabalhou como repórter em um jornal carioca. “Fiquei fascinada pela história da viúva do Prestes sobre quem eu nunca tinha ouvido falar. Ela carrega o legado político da sua família, e ficamos sabendo que ela costumava andar pela rua falando com o povo, como o povo, e sobre o povo”.
Na sua convivência de cinco anos com a viúva, Ludmila diz que aprendeu muitas coisas com essa Maria, “mas a mais importante foi essa: desistir não é uma opção. A luta continua, companheira”, diz a diretora.
A luta de Maria Prestes pela reforma agrária, por exemplo, é lembrada no documentário, incluindo suas visitas a acampamentos do MST no Nordeste.
O filme acompanha momentos-chave das trajetórias de Maria Bonita, de Olga Benário, primeira companheira de Prestes e mãe da cientista política Ana Prestes, de Dilma e de Marielle através de uma preciosa seleção de excelentes vídeos com elas em situações-limite de suas vidas. Esses filmes foram garimpados durante anos pela equipe produtora e reforçam a importância das lutas cotidianas dessas mulheres conciliando papéis e escolhas tradicionais criadas pelo patriarcado com uma intensa atividade na atividade política.
Em suas participações públicas, por exemplo, quando chamada a falar, a companheira de Prestes durante 40 anos, casada com ele em 1950, viveu no exílio, na Rússia, e sempre fazia questão de citar mulheres fortes e resistentes que, assim como ela, foram perseguidas pelo autoritarismo das ditaduras.
A linhagem de filhas do casal está presente no filme de Ludmila, assim como a de suas netas. Maria do Carmo é astróloga e interpreta o personagem da avó em Marias. Andreia é escritora e uma das autoras do livro infantil Minha Valente Avó (Ed. Quase Oito), junto com a cientista política Ana Prestes e com o neto Edu. Trata-se de uma homenagem à história de resistência da avó combatente, falecida em 2022, aos 92 anos, no Rio de Janeiro, e de outras guerreiras políticas.
Marias chega ao cinema de um país com permanente dificuldade de vasculhar e digerir o próprio passado, para poder entender o que se passou na História do país. O filme nos traz personagens femininas prontas, mais do que nunca, para agir no presente em qualquer diapasão da luta política. Uma prática essencial para ampliar e autenticar “narrativas ditas oficiais que muitas vezes ainda as mantêm invisíveis”, dizem as valentes produtoras do documentário.
O filme é uma celebração da Mãe Pátria, cuja bela estátua (a maior do mundo) se encontra em São Petersburgo, comemorando, pelos tempos adentro, a extraordinária vitória soviética na impiedosa batalha de Stalingrado, a mesma que colocou um ponto final na sanha nazista e salvou o ocidente. Uma lembrança bem lembrada do crítico de filmes Carlos Alberto Mattos no seu blog.
Jornalista.