Documentário denuncia impacto da mineração em Minas Gerais

“Lavra”, longa-metragem de Lucas Bambozzi, discute as tragédias causadas pela lavra desenfreada, desregulada e sem a fiscalização adequada em Minas Gerais

   Sobre “Lavra”, documentário híbrido que mostra os impactos da mineração na paisagem, na alma de Minas Gerais, e no qual uma personagem de ficção dialoga com personagens e situações mais do que reais, o diretor do filme, o vídeo artista paulista Lucas Bambozzi registra que ”não dá para dizer que é um filme apenas sobre a mineração. Ele também é sobre alguns traumas, sobre problemas que existem na condição de ser mineiro e na condição de ser brasileiro.”

   E Christiane Tassis, a excelente roteirista do filme, em uma entrevista à Mostra Ecofalante deste ano acrescenta: “Eu nasci em Governador Valadares, vivi em Belo Horizonte por muitos anos e estava afastada quando teve o rompimento da barragem do Fundão, em 2015. Aquelas imagens me emocionaram muito – parecia que eu estava perdendo um parente. Esse tema é presente na vida dos mineiros. Você vai num lugar um dia, passa um tempo sem ir e já não tem montanha; já virou uma cratera.”

   Filme melancólico, delicado na sua tristeza, transcorre na outrora bela Bacia do Rio Doce, no centro do estado de Minas e mais um dos territórios devastados do país nos últimos quatro anos de caos e desgoverno.

   Aplaudido no maior festival de documentários de Amsterdã, foi selecionado e apresentado nos certames de Toronto, República Tcheca e em Lima, no Festival de Tiradentes, e na Mostra Ecofalante deste ano recebeu do público o prêmio de melhor longa-metragem, o que mostra a força o seu impacto.

   Lavra, filme poético, mas sobretudo político, entra em cartaz nos cinemas num momento em que se discute, com expectativa e tensão, os resultados da votação para o novo presidente da república em  um dos três colégios eleitorais estratégicos na disputa.

   E faz pensar na permeabilidade das divisas mineiras com estados vizinhos, Goiás, São Paulo e Mato Grosso que parecem propiciar e estimular ações anti ambientais de poderosos grupos nacionais e transnacionais, invasões e apropriações de terras, desmatamento de matas e florestas e extrativismo desordenado.

   O filme mostra a jornada da geógrafa Camila, emigrante de Governador Valadares interpretada por Camila Mota, do Teatro Oficina. Ela retorna dos Estados Unidos para sua terra quando o rio Doce acaba de ser  contaminado pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana. Camila segue o caminho da lama tóxica que varreu povoados do mapa e matou 19 pessoas e esbarra com paisagens, comunidades e pessoas devastadas em Valadares, Baguari, Território Krenak, Ouro Preto, Itabira, Paracatu de Baixo, Bento Rodrigues, Serro, Conceição do Mato Dentro entre outras. Até que outra barragem se rompe, seis anos depois, em Brumadinho, matando – lembram? – cerca de 300 pessoas.

   Ao ver a tragédia de perto, na área antes conhecida como Floresta do Rio Doce e hoje chamada de Vale do Aço, a geógrafa se sente pela primeira vez atingida e se envolve com movimentos de resistência. Esses movimentos populares estão no recado final de “Lavra”. Uma janela de esperança; as tragédias anunciadas estão por terminar?

   Uma das mais expressivas conversas com Camila, no filme, é a do líder indígena Ailton Krenak, ambientalista, filósofo, poeta e escritor da etnia crenaque diante da paisagem machucada e ferida.

   “A terra fala para a gente. É uma hipocrisia dizer que somos humanos. ‘O sonho acabou’, dizem as pessoas. Nós dizemos que não. O sonho está vivo. Sonhar é a mesma coisa que viver para nós, indígenas. Eu me alimento muito dos meus sonhos”.

   Por sua vez, Caetano Veloso se desmanchou em elogios a “Lavra”: “Já nasceu como um filme de imensa força. E justo no instante em que o governo federal autorizou, por ato assinado por ministro militar, o garimpo em área amazônica, na região de São Gabriel da Cachoeira, onde vivem diversas etnias indígenas”. 

   “O que se vê em Minas Gerais, estado que carrega sua sina já no nome, serve como espelho do que poderá acontecer nas estranhas da Floresta Amazônica e de sua bacia hídrica se a sanha de mineradores e garimpeiros não for contida”, sublinha Caetano.

   Nos cartazes das telas finais de Lavra, há informações para refrescar a memória do espectador desse filme que deve ser visto.

   ”2019. Depois de seis anos da tragédia de Mariana, entre as 244 casas da cidade de Bento Rodrigues destruídas apenas dez foram reconstruídas. Não há prazo para a recuperação das demais; mas a cobrança continua”.

   ”2021. A Vale fez acordo com o governo e diminuiu em 20 bilhões o valor da sua dívida com o estado de Minas Gerais. Nesse dia as ações da empresa subiram 4,3%. A remoção dos rejeitos das áreas da Bacia do Rio Doce não foi executada”.

   * O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI) autorizou, em 6 de dezembro do ano passado, sete projetos para o garimpo de ouro na Amazônia. A decisão foi tomada em nome do Conselho de Defesa Nacional. ‘Medida inédita’, diziam as notícias da mídia.

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