Em busca da Justiça e da Verdade

Enquanto o discurso de posse de Donald Trump era aguardado com expectativa, e Ainda Estamos Aqui, de Walter Salles, já considerado um clássico cinematográfico, continua arrastando multidões aos cinemas e é criticado e resenhado até por quem escreve mais do mesmo sobre ele; enquanto isso, a sugestão é assistir ao que pode vir a ser o último filme de Clint Eastwood, Jurado Número 02. Um bom filme de tribunal e de suspense, thriller jurídico de qualidade que traz a pergunta: Justiça é sinônimo de verdade?
Aos 94 anos, dos quais mais de 60 dedicados ao cinema, o ator, produtor (em alguns casos, até compositor de trilhas musicais) dos clássicos O Homem sem Nome, Os Imperdoáveis e As Pontes de Madison é um ícone do cinema e fez papéis inesquecíveis de caubói, policial, herói e também anti-herói modelo – século 20.
Eastwood é um homem inteligente dirigindo o roteiro igualmente inteligente de Jonathan Abrams, que costuma falar de Meninos e Lobos como uma das principais referências que norteiam o seu trabalho. “É obra-prima”, diz Abrams.
Agora, Eastwood parece estar acenando com uma despedida e manda uma mensagem que, para o entendedor atento, é clara: as situações difíceis, na vida, são frequentes e estão lá, esperando você, na próxima esquina. Já as decisões fáceis são raras.
Especula-se em Hollywood que Jurado Nº 2 foi boicotado pelos executivos da Warner, limitando sua exibição a apenas 50 cinemas estadunidenses, não fazendo força para indicá-lo para os prêmios mais importantes que estão chegando e lançando-o apenas no streaming. O motivo seria a irritação dos executivos do estúdio que não compartilham os posicionamentos políticos conservadores do diretor. Aliás, Eastwood, ou por inveja ou por competição, ou ainda pela sua personalidade mais introvertida, não é lá muito querido entre as estrelas narcísicas de Hollywood.
Com um elenco preciso e altamente eficiente – Nicholas Hoult (jovem ator britânico, um dos grandes da nova geração), Toni Collette, J. K. Simmons, Kiefer Sutherland -, Jurado Nº 2 narra o drama do jovem Justin Kemp, um jurado convocado para o julgamento de um caso criminal. Segundo a lei norte-americana, os jurados são convocados pelo serviço público.
Mas no momento em que Kemp é chamado, sua vida está passando por dificuldades financeiras, a mulher está no fim de uma gravidez de risco, e ele acaba envolvido em um dilema moral relacionado ao crime que deve ajudar a julgar. Ou seja: uma jovem aparece morta ao lado de uma ponte, em uma estrada, logo depois de ter saído de um bar, meio bêbada, e ter discutido com o namorado. Este, metido a valentão, conta com um histórico de violência.
Kemp, por sua vez, alcoólatra em recuperação, se encontrava no mesmo bar do casal, naquela noite de chuva e tempestade. Não bebera álcool, mas acaba pensando que foi ele quem atropelou, inadvertidamente, voltando para casa, a moça vitimada.
Por outro lado, uma promotora (a excelente atriz Toni Collette é quem faz o papel) vê o caso como uma oportunidade para alavancar a carreira; é uma oportunista, uma carreirista. “Ela entrou no tribunal”, diz outro jurado (J.K. Simmons), “convencida de que o réu é culpado”. E acha que haveria ‘buracos’ na investigação policial que não estão sendo considerados nesse crime. Esses ‘buracos’ seriam em favor do acusado, é a sua opinião.
Eastwood e o roteirista Abrams não revelam o que realmente aconteceu – aí está a grande jogada do filme. É como se, ao não ter a resposta, eles não possam nos trazer a verdade. Como teria morrido aquela moça? Atropelada ou sendo jogada da ponte? E uma das grandes perguntas é esta: faz diferença o réu ser ou não ser culpado, especificamente, desse crime? Ou desse acidente?
“Às vezes, a verdade não é justiça”, diz o amigo de Kemp, conversando com o número 02, que hesita em anunciar que estava dirigindo na mesma estrada, na mesma noite e no mesmo horário em que ocorreu o crime – ou o atropelamento – e não parou para socorrer a vítima. Mas se ela já estava morta…
O certo e o errado praticamente se esfumaçam naquela ponte e sob a tempestade. Há que haver uma conclusão, e será o espectador quem vai construí-la. Jurado Número 02, com o final em aberto, é um dos poucos filmes que a desgastada Hollywood nos oferece nas suas recentes temporadas de filmes medíocres, castigada pelos incêndios e pela concorrência dos bons filmes que chegam de vários países do mundo do cinema, também ele multilateral. Clint Eastwood é quem sai ileso, embora ambíguo como o seu filme.
*Em cartaz na plataforma Max.

Jornalista.