Minicurso Fatoflix: Eleições nos EUA influenciam todo o mundo
Filme 1: PROJETO ESCRAVOS UNIDOS – IELA – UFSC, 2024. Saúde, trabalho e pobreza na (ainda) maior economia do mundo
Filme 2: Sal da Terra – Salt of the Earth. E quando os imigrantes cruzam os braços?
Filme 3: O Menino da Internet – A História de Aaron Swartz. Conhecimento para poucos: o sequestro da cultura pública
por TATIANA CARLOTTI, enviada especial do Fórum 21 e da Fatoflix aos EUA
Kamala Harris ou Donald Trump? Faltam poucos dias para as eleições presidenciais nos Estados Unidos e ninguém ousa cravar uma resposta a esta questão. O apanhado das pesquisas aponta empate técnico nos estados considerados definidores para a escolha presidencial em 5 de novembro.
Enquanto isso, Donald Trump bate na tecla do “inimigo interno”, afirmando que usará as forças de segurança para combatê-lo, se for o próximo presidente. Ele também acusa o governo Biden de afrouxar a sua segurança pessoal para prejudicá-lo na campanha.
Kamala Harris, por sua vez, rebate o bombardeio de fake news da extrema-direita e tenta angariar a confiança dos eleitores norte-americanos que vivem sob crescentes dívidas, em particular, frente ao sistema de saúde e universitário do país, majoritariamente privados.
Para entendermos as principais demandas da população norte-americana, às vésperas de uma eleição decisiva não só para os Estados Unidos, mas para todo o globo, o minicurso Fatoflix desta semana indica três produções que podem ser usadas no bom debate do campo democrático-progressista e em suas ações de formação.
Os vídeos abaixo nos permitem conhecer:
– A real situação da classe trabalhadora nos Estados Unidos e suas principais demandas nestas eleições;
– A desigualdade entre imigrantes e norte-americanos e a eterna luta dos movimentos contra a exploração desumana do capital;
– A apropriação do conhecimento científico pelos interesses corporativos versus a batalha dos que defendem o compartilhamento deste conhecimento na internet.
Minicurso Fatoflix: Eleições nos EUA influenciam todo o mundo
SAÚDE, TRABALHO E POBREZA NA MAIOR ECONOMIA DO MUNDO
PROJETO ESCRAVOS UNIDOS
IELA – UFSC, 2024
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Esta série de curtas-metragens sobre a realidade doméstica dos Estados Unidos confronta o chamado “American Dream”. Produzida pelos pesquisadores do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob coordenação da professora Camila Vidal, o projeto é resultado das discussões realizadas em 2023 do livro “Esclavos Unidos: La otra cara del American Dream (Ediciones Akal, 2021)”, da jornalista Helena Villar.
Neste livro, Villar traz dados alarmantes sobre a realidade da grande maioria da população que vive nos Estados Unidos. O primeiro episódio aborda o drama do acesso à saúde, totalmente privada na principal potência econômica mundial. O segundo aborda a questão do trabalho e a dramática situação dos trabalhadores estadunidenses. Já o terceiro programa mostra o aumento da pobreza no país que mais prende gente no mundo e que disputa os primeiros lugares nos rankings de desigualdade social.
Uma verdadeira aula sobre a realidade nos Estados Unidos que nos permite entender as demandas dos eleitores e o que estará em jogo nas urnas do próximo dia 5 de novembro. A série é produzida sob a coordenação da professora Camila Vidal (UFSC) pelos pesquisadores Maicon Cláudio da Silva, Erick Antunes Buss, Elaine Tavares e Maria Helena Alves de Lima.
E QUANDO OS IMIGRANTES CRUZAM OS BRAÇOS?
Sal da Terra – Salt of the Earth
Herbert J. Biberman, 1954
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Sal da Terra é um dos primeiros filmes independentes dos Estados Unidos e um pioneiro ao trazer uma perspectiva político-social e, também, feminista, para as telas do cinema.
Produzido em pleno macartismo, seu diretor Herbert J. Biberman, seu roteirista Michael Wilson e seu produtor Paulo Jarrico constavam na lista dos “desafetos comunistas” de Hollywood, em meio à Guerra Fria promovida pelo governo Eisenhower.
Com forte influência do neorrealismo italiano, o filme conta a história da greve dos trabalhadores da Empire Zinc Company, ocorrida em 1951 no condado de Grant, no Novo México.
Os próprios grevistas imigrantes mexicanos atuaram neste filme – apenas 5 atores foram escalados –, expondo as injustiças e suas legítimas reivindicações por direitos e condições de trabalho equivalentes a dos trabalhadores estadunidenses.
O filme também foca na luta das mulheres desses grevistas, lideradas pela personagem Esperanza Quintero.
Foi considerado subversivo assim que veio a público e seu alerta perdura, remetendo-nos às violações recentes – como esquecer as crianças separadas de seus país e colocadas em jaulas durante os anos Trump? – de uma sociedade estruturada na exploração da mão de obra imigrante.
CONHECIMENTO PARA POUCOS: O SEQUESTRO DA CULTURA PÚBLICA
O Menino da Internet – A História de Aaron Swartz
Brian Knappenberger, EUA, 2014
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Pouca gente conhece a história de Aaron Swartz, um jovem programador e criador de importantes ferramentas digitais, como o RSS e a plataforma Reddit, que participou da organização do Creative Commons e de tantas outras ferramentas voltadas à democratização do acesso ao conhecimento na internet.
Ativista da cultura livre, Swartz foi perseguido pelo Ministério Público dos Estados Unidos e condenado, após realizar o download de inúmeros artigos acadêmicos através de uma rede do Massachussetts Institute of Techology (MIT). Neste documentário, dirigido por Brian Knappenberger, nós acompanhamos a sua trajetória e o processo judicial que o levaria ao suicídio, em 2013.
Sua luta contra o cerceamento do conhecimento científico pelas empresas privadas em plena revolução digital está sintetizada no famoso “Manifesto da Guerrilha do Livre Acesso”, publicado por ele em seu blogue, em 2008.
Confira a íntegra do texto:
Manifesto da Guerrilha Open Acces
“Informação é poder. Mas, como todo o poder, há aqueles que querem mantê-lo para si mesmos. A herança inteira do mundo científico e cultural, publicada ao longo dos séculos em livros e revistas, é cada vez mais digitalizada e trancada por um punhado de corporações privadas. Quer ler os jornais apresentando os resultados mais famosos das ciências? Você vai precisar enviar enormes quantias para editoras como a Reed Elsevier.
Há aqueles que lutam para mudar esta situação. O Movimento Open Access tem lutado bravamente para garantir que os cientistas não assinem seus direitos autorais por aí, mas, em vez disso, assegura que o seu trabalho seja publicado na internet, sob termos que permitem o acesso a qualquer um. Mas mesmo nos melhores cenários, o trabalho deles só será aplicado a coisas publicadas no futuro. Tudo até agora terá sido perdido.
Esse é um preço muito alto a se pagar. Obrigar pesquisadores a pagar para ler o trabalho dos seus colegas? Digitalizar bibliotecas inteiras, mas apenas permitindo que somente o pessoal da Google possa lê-las? Fornecer artigos científicos para aqueles que estão em universidades de elite do Primeiro Mundo, mas não para as crianças no Sul Global? Isso é escandaloso e inaceitável.
“Eu concordo”, muitos dizem, “mas o que podemos fazer? As empresas que detêm direitos autorais ganham uma enorme quantidade de dinheiro com a cobrança pelo acesso, e isso é perfeitamente legal – não há nada que possamos fazer para detê-los. Mas há algo que podemos, algo que já está sendo feito: podemos contra-atacar.
Aqueles com acesso a esses recursos – estudantes, bibliotecários, cientistas – a vocês foi dado um privilégio. Vocês se alimentam nesse banquete de conhecimento, enquanto o resto do mundo está bloqueado. Mas vocês não precisam – na verdade, moralmente, não podem – manter este privilégio apenas para vocês. Vocês têm um dever de compartilhar isso com o mundo. Precisam negociar suas senhas com os colegas, preencher pedidos de download para seus amigos.
Enquanto isso, os que se encontram bloqueados não estão de braços cruzados. Vocês vêm se esgueirando através das brechas e escalado as cercas, libertando informações trancadas pelos editores e as compartilhando com seus amigos.
Mas toda essa ação se passa no escuro, num escondido subsolo. É chamada de roubo ou pirataria, como se compartilhar uma riqueza de conhecimentos fosse o equivalente moral a saquear um navio e assassinar sua tripulação. Mas compartilhar não é imoral – é um imperativo moral. Apenas aqueles cegos pela ganância iriam negar cópias a um amigo.
Grandes corporações, é claro, estão cegas pela ganância. As leis sob as quais elas operam exigem isso – seus acionistas iriam se revoltar por qualquer pequena coisa. E os políticos que eles têm comprado por trás aprovam leis dando-lhes o poder exclusivo de decidir quem pode fazer essas cópias.
Não há justiça em obedecer a leis injustas. É hora de vir para a luz e, na grande tradição da desobediência civil, declarar nossa oposição a este roubo privado da cultura pública.
Precisamos levar informação, onde quer que ela esteja armazenada, fazer nossas cópias e compartilhá-la com o mundo. Precisamos levar esse material que está protegido por direitos autorais e adicioná-lo ao arquivo. Precisamos comprar bancos de dados secretos e colocá-los na Web. Precisamos baixar revistas científicas e subi-las para redes de compartilhamento de arquivos. Precisamos lutar pela Guerrilha Open Access.
Se somarmos muitos de nós, não vamos apenas enviar uma forte mensagem de oposição à privatização do conhecimento – vamos transformar essa privatização em algo do passado. Você vai se juntar a nós?
Aaron Swartz
Julho de 2008, Eremo, Itália.”
Repórter do Fórum 21, com passagem por Carta Maior (2014-2021) e Blog Zé Dirceu (2006-2013). Tem doutorado em Semiótica (USP) e mestrado em Crítica Literária (PUC-SP).