Mujica: ‘A vida é uma longa guerrilha’

Mujica: ‘A vida é uma longa guerrilha’

Semana cinematográfica estimulante com dois filmes sobre ícones da geração dos setenta/oitenta anos de idade na América Latina: Chico Mendes continua inspirando, com a liderança corajosa que exerceu entre seringueiros e seringueiras na floresta amazônica, e o ex-presidente José ‘Pepe’ Mujica, em Montevidéu e nas suas andanças pelo mundo, divide seus sonhos e expõe suas convicções.

Ambos os documentários, Empate e Os Sonhos de Pepe, estreiam hoje, 05/12, nos cinemas. São oportunos e necessários para que novas gerações de espectadores e de militantes sejam apresentadas ao pensamento de duas vidas chanceladas com princípios políticos coerentes com a sua vida prática.

A lição de Chico Mendes e de Pepe Mujica é centralizada na relevância das lutas coletivas de resistência sob as mais diversas formas, contra a mediocridade e a maldade que infelizmente transpassam a espécie humana.

Sobre Chico Mendes e Empate já escrevemos (clique aqui para ler).

Faltava relembrar os ‘sonhos’ políticos e existenciais do ex-presidente do Uruguai não só relacionados ao seu país, mas a toda a América Latina. Princípios de vida e de política expostos por ele em diversas ocasiões, em viagens a Nova Iorque, onde discursou na Assembleia Geral da ONU, na Alemanha e em Londres, onde foi intensamente aplaudido na palestra, em Oxford, na vinda ao Brasil e na estadia no Japão. Ao seu lado, esteve sempre acompanhado da mulher, a ex-senadora Lucia Topolansky.

“Presidentes fazem o que podem, e os Estados Unidos são o lugar onde eles podem menos”, registra Mujica no filme, depois de encontrar Barack Obama. E sobre a tradição dos cerimoniais de recepção a chefes de estado em visita a países estrangeiros: “Parece que são reis, recebidos com tapetes vermelhos, um número enorme de funcionários ao seu redor, as cornetas tocando, a bajulação…”

Mas, além das bajulações, em Los Sueños de Pepe veem-se também multidões de jovens aguardando sua passagem para aplaudi-lo e cumprimentá-lo, até mesmo nas ruas de Tóquio. Há muito pouco no filme sobre o célebre automóvel Fusca 1987 de propriedade do casal e sobre a chácara em Rincón Del Cerro, na zona rural de Montevidéu. Sem demagogia, Paulo Trobo, o diretor do documentário e amigo de Mujica, registra na medida exata e discreta a casa simples em que o casal vive até hoje, rodeado de bichos, plantas e cachorros, e onde cultivam e comercializam as flores plantadas na pequena propriedade. Foi com os japoneses que vivem em uma colônia próxima da chácara que Mujica aprendeu a cultivar flores.

Trobo está mais interessado em mostrar o que o ex-guerrilheiro do Movimento de Libertação Nacional dos Tupamaros e estudioso marxista representa como um símbolo, nesse fim de sua vida, como representação de personagem global. O diretor atualiza o filme contextualizando o pensamento político de Mujica sobre as drásticas mudanças climáticas de hoje. O subtítulo original de Los Sueños de PepeMovimento 2052 – se refere ao ano previsto pelos especialistas como ponto de não retorno do planeta no caso de não diminuirmos drasticamente o consumo de recursos naturais a partir de agora. Trobo diz que acompanha Pepe priorizar esse debate, que vem em um crescendo há mais de 15 anos.

Veja Também:  Em busca da Justiça e da Verdade

O documentário também reproduz ideias da filosofia e algumas originadas na experiência do ex-presidente uruguaio durante os 14 anos em que esteve preso sob a ditadura de Juan Bordaberry. Durante sete anos desse período, Mujica esteve encarcerado em solitária e foi proibido de ler sequer um livro. Conversava consigo mesmo, como um misantropo, e observava as idas e vindas das formigas pela cela, o choro delas e seus sentimentos.

Em um planeta a caminho do colapso climático, e onde a humanidade persegue um modelo predatório de desenvolvimento e consumo, a filosofia do ex-presidente uruguaio (entre 2010 e 2015) acende um alerta. O sonho de Pepe é deixar um planeta melhor para as gerações futuras. “Mas o tempo está se esgotando e não pode ser recuperado”, ele comenta.

Reconhecido como uma figura política singular no continente, durante seu governo Mujica avançou com políticas progressistas. A legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização do aborto e da maconha foram duas marcas históricas. Ele também regulamentou o cultivo, a venda e o consumo dessa planta no Uruguai, primeiro país do mundo a regulamentar cultivo, venda e consumo da cannabis. Foi assim que enfrentou o domínio do crime organizado no país e colocou o estado no controle desse mercado.

Ao relatar alguns dos seus ‘sonhos’, e, depois, ao terminar a filmagem, dando uma piscadela de amigo para a câmera–espectador, algumas das máximas de ‘Pepe’:

*“Nós estamos governando com a globalização, atualmente, ou é a globalização que está nos governando?”

*“A maconha é uma praga. Mas usá-la como medicamento para pessoas que se identificam no ato de comprá-la é positivo.”

*“Sempre ouvi dizer que o Uruguai era uma espécie de Suíça. Nós, uruguaios, fomos bastardos do império britânico.”

*“As organizações políticas são governadas pelo mercado.”

*“A militância pela vida é minha razão de viver.”

Durante encontro com a ex-presidente Dilma Rousseff, declarando prioridades semelhantes: desenvolvimento sustentável e metas de erradicação da pobreza.

*Em Nova Iorque, a provocação: “A humanidade será a sua própria coveira?”

Resumindo, Mujica lembra que “a vida é uma longa guerrilha.”

Tagged: , , , , , , ,