Resistência, liberdade e morte

Resistência, liberdade e morte

Na onda impetuosa de filmes e séries produzidas no Brasil e lá fora, com temas que remetem a memórias sombrias e resgate de acontecimentos políticos em tempos passados, mas recentes, alguns sobressaem pela qualidade cinematográfica ou por exporem brutal violência. São episódios que se passam nas telas com a Segunda Guerra Mundial, atravessam o período do pós-conflito e se estendem durante ditaduras militares ou civis; militares como a de 1964, no Brasil, e nos lances de golpes de estado.

Recontam acontecimentos muitas vezes esquecidos pelos espectadores mais velhos, os baby boomers. Ou são desconhecidos dos jovens da geração X. O filme Ainda Estou Aqui é um exemplo, de formidável sucesso nesse pacote cinematográfico, assim como Redenção, Encontro com o Ditador e outros. Esses revivals pretendem passar a limpo a história da geopolítica, procurando, talvez, fazer com que os infaustos eventos revisitados, e que novamente se encontram na borda do nosso tempo, não se repitam.

Pinçamos um filme e uma série expressivos, situados nos anos em que a Alemanha parecia sair vencedora do conflito. Ambos estão no streaming*.

O primeiro, Número 24, recorda a história de Gunnar Sønsteby, o pouco conhecido herói mais condecorado da resistência norueguesa no país ocupado durante a Segunda Grande Guerra com especial violência. E a série de quatro episódios Churchill em Guerra, iluminando alguns pequenos grandes detalhes da liderança do Primeiro Ministro britânico durante o dramático período em que praticamente se viu sozinho, com seu povo, durante a blitzkrieg, e lutando corajosamente contra os alemães nazistas de Hitler.

Número 24 se inicia com o agente Gunnar Sønsteby já em idade avançada, dando uma palestra a uma turma de universitários, em Oslo, e relatando lances da sua atuação como resistente. Ele era conhecido como ‘mestre do disfarce’, usava mais de 30 identidades falsas, e conseguiu ludibriar a Gestapo durante anos. Era um mestre da sabotagem, da manipulação de explosivos e falsificava assinaturas e documentos como ninguém. Nunca foi preso; mas chegou a constar da lista dos “mais procurados” da Gestapo.

Nos estertores da guerra, a polícia secreta nazista descobriu sua verdadeira identidade como líder do grupo Gangue de Oslo que assassinou vários comandantes e colaboradores importantes da Wehrmacht e altos funcionários de estado, traidores noruegueses. Segundo vários historiadores, o grupo foi o mais eficiente sabotador europeu durante a Segunda Guerra Mundial.

Mas quando idoso, durante uma palestra, um episódio violento do passado do então jovem Sønsteby deixou-o consternado com as observações de uma estudante que o escutava.

A Noruega era estratégica e caiu sob o controle dos nazistas porque nos seus portos eram embarcadas toneladas de minério de ferro para a Alemanha. Mas Sønsteby conseguiu explodir várias embarcações nesses portos, dezenas de aviões alemães e algumas fábricas de produtos químicos. Quando o país foi libertado, em 1945, tanto os serviços de inteligência britânicos quanto os noruegueses tentaram recrutá-lo. Gunnar recusou e partiu para completar seus estudos em Harvard. “Eu já estava farto. Tinha perdido cinco anos da minha vida”, comentou.

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Churchill em Guerra, série dirigida pelo fotógrafo inglês Malcolm Venville, de 62 anos, pretende apresentar o legado deixado pelo Primeiro Ministro britânico durante a guerra. Sua energia, a formidável autoconfiança, a inteligência, intuição e a percepção afiada foram postas à prova durante a tempestade desferida pelo ataque de Hitler à Europa continental.

Duas grandes e conhecidas habilidades de Churchill são reforçadas nessa série. A sua descontração e naturalidade no contato com o povo e o seu talento notável como negociador político. Nessa série, a blitzkrieg é um dos principais temas, assim como a liderança do Primeiro Ministro britânico acompanhando e encorajando a resistência do seu povo.

Mas o trabalho da série se vale da inteligência artificial, de restaurações digitais, e de colorizações de imagens históricas e de época, originalmente em preto-branco, para atualizar e atrair em particular os espectadores da geração X. Para se apresentar ‘moderninha’ desvitaliza a dramaticidade das imagens originais.

Mas há registros curiosos comentando a notável ação de Winston Churchill a partir da entrada da Grã-Bretanha na guerra de defesa. Por exemplo: a sua convivência, necessária, mas cerimoniosa e reservada, com Franklin Delano Roosevelt e com Joseph Stalin. Três egos gigantescos em aliança, Harry Truman aí incluído, após a morte de Roosevelt. O norte-americano preocupado com os altos custos que custariam ao seu país o ingresso no conflito, e Stálin analisando atentamente o que o futuro reservaria para a União Soviética quando a vitória chegasse (E chegou, pelas suas mãos, com seus exércitos entrando em Berlim).

“Política”, dizia o Primeiro Ministro britânico, “é quase tão excitante quanto a guerra, e quase tão perigosa quanto ela. Na guerra você é morto uma vez; em política, várias vezes.”

Vale ouvir, mais uma vez, o apelo de Churchill aos seus conterrâneos para resistirem aos nazistas, embora, como ele dizia, só pudesse oferecer-lhes naquele momento, “sangue, suor e lágrimas”.

Outro discurso, o We Shall Fight on the Beaches, proferido durante a Batalha da Grã-Bretanha, em 1940. Uma tentativa de alertar o mundo sobre a possibilidade de uma invasão da Alemanha nazista e preparando a audiência (no rádio) para a possível saída da França da guerra. “Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos.”

*Disponíveis na Netflix

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