Decreto da fome: quando a solidariedade vira questão de endereço

Decreto da fome: quando a solidariedade vira questão de endereço

Por Luiza Soeiro*

Na última quinta-feira (2), o prefeito Topázio Neto assinou um decreto que impõe novas regras para a doação de alimentos à população em situação de rua em Florianópolis. O documento cria o programa Marmita Legal, que entra em vigor a partir de 1º de outubro.

Segundo o decreto, a distribuição de marmitas deverá ocorrer em PDOs, os chamados “Pontos de Distribuição Organizados”, que podem ser instalados na sede da ONG responsável pela ação, em um espaço alugado pela própria instituição, em centros comunitários ou ainda na chamada Passarela da Cidadania, localizada na Passarela Nego Quirido. Em outras palavras: a solidariedade será restringida a locais privados ou pagos, arcados pelos próprios grupos e organizações que realizam as doações.

A prefeitura justifica a medida com o argumento de garantir a segurança sanitária da cidade. Mas, na prática, o decreto funciona como mais uma cortina de fumaça para encobrir a ausência de políticas públicas eficazes. Sob o discurso de “manter a cidade limpa e organizada”, o que se constrói é um verdadeiro plano de higienização social, que busca esconder a população em situação de rua em vez de oferecer dignidade e condições reais de sobrevivência.

Segundo grupos voluntários, obrigar a redistribuição dos pontos de entrega conhecidos pela população em situação de rua dificulta tanto o trabalho de quem doa quanto o acesso de quem precisa. Muitas pessoas não conseguem caminhar até a passarela, enfrentam problemas de locomoção ou de saúde mental, e acabam excluídas desse modelo. Para os coletivos, em vez de criar barreiras, a prefeitura deveria fortalecer as cozinhas comunitárias já existentes, que possuem estrutura e capacidade de atender à demanda com mais dignidade.

Além disso, a querida “Passarela da Cidadania” (espaço dentro da Nego Quirido destinado à população em situação de rua) é constantemente utilizada para outros eventos ao longo do ano, como desfiles de carnaval, abrigamento temporário, distribuição de refeições e até mesmo festas privadas. Um exemplo é o Folianópolis, que ocupa três dias de novembro com uma prévia do carnaval. Ou seja, mesmo o espaço apresentado como solução pela prefeitura não oferece a estabilidade e a exclusividade necessárias para atender de forma contínua quem precisa.

Com o fechamento do Restaurante Popular, em fevereiro deste ano, o prefeitinho mais uma vez opta por ignorar a realidade da sociedade metropolitana, enquanto prefere postar vídeos nas redes sociais degustando ostras, mesmo quando falta o arroz e feijão no prato da população. Tudo isso em uma cidade que registrou um crescimento alarmante de 109,23% no número de pessoas em situação de rua, em um levantamento publicado pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Foto: TikTok do Topázio
Enquanto isso, quem garante a alimentação diária de centenas de pessoas em situação de vulnerabilidade não é o poder público, mas sim a sociedade civil que se organiza em coletivos, ONGs e voluntários que, com recursos próprios e esforço comunitário, assumem o serviço que deveria ser responsabilidade do Estado.

*Luiza Soeiro é formanda em Jornalismo e integrante do Portal Desacato

Na imagem, o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto / Reprodução Tik Tok

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