O mundo paralelo de Trump: bravatas, tarifas — e um tiro no pé da hegemonia estadunidense

O mundo paralelo de Trump: bravatas, tarifas — e um tiro no pé da hegemonia estadunidense

Donald Trump reaparece como um personagem “inclassificável”, numa versão 2.0 que governa por manchetes e recuos, alternando bravata e medo. O método, descrito no programa “No divã do Trump”, é simples: anunciar choques — sobretudo tarifas — e retroceder quando convém, criando volatilidade permanente. Até sua própria equipe, segundo o relato, só leva a sério o que ele repete “duas vezes”. É a fábrica de títulos em ritmo de metralhadora: dez pautas por dia, muitas vezes contraditórias, que pautam imprensa e adversários. O resultado é um ambiente em que Trump trata quase todos com rudeza — de Brasil a Índia e União Europeia — e se choca, cada vez mais, com um mundo que já não reage como antes.

Na comparação com Javier Milei, há semelhanças de estilo outsider e alinhamento automático a Israel, mas diferenças estratégicas: Milei verbaliza a destruição do Estado argentino; Trump, não do estadunidense. Na prática externa, ambos testam limites — e encontram novas respostas na região. México (com Claudia Sheinbaum) e Brasil (com Lula) adotam uma combinação de firmeza e ironia, desmontando imposturas sem romper pontes comerciais. A Europa, vista como “monarquia/república bananeira”, hesita; já países mais próximos do BRICS e multipolaridade respondem com menos temor e mais cálculo. Esse “mundo paralelo” trumpista, paradoxalmente, estimula governos latino-americanos a sofisticar a negociação e a perder o receio reverencial diante de Washington.

O efeito colateral mais profundo não é imediato, mas estrutural: ao tentar salvar a primazia estadunidense com choques tarifários e ameaças, Trump acelera o desgaste da própria hegemonia. O discurso franco — de que os EUA “não podem” perder o privilégio do dólar — escancara as cartas e empurra rivais e neutros a coordenar defesas, do debate sobre moeda do BRICS ao comércio em moedas locais. Ao mesmo tempo, o “exército” das big techs amplifica o ruído e projeta poder, mas expõe dependências materiais (água, energia, data centers) e o risco de uma tecnofeudalidade que atravessa fronteiras e soberanias. Entre bravatas e recuos, Trump entrega curto prazo de espetáculo — e um longo prazo de rearranjos que ele próprio pretendia impedir.

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Assista à entrevista com o jornalista Mirko Casale no vídeo abaixo:

(+) Imagem em destaque: Frame do vídeo de Donald Trump sobre tarifas recíprocas, publicado em suas redes sociais. Crédito: @realDonaldTrump/X

(++) Publicado originalmente em Desacato

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