Armadilha da renda média

Armadilha da renda média

A “armadilha da renda média” está associada à transição de uma economia baseada em indústrias nascentes e urbanização para um foco em estabilidade inflacionária e em preservar os interesses dos rentistas e acionistas estrangeiros em grandes corporações. Vou explorar essa questão em três partes: a armadilha da renda média, a prioridade dada à estabilidade inflacionária e a conexão com o baixo crescimento dos países ocidentais.

Essa “armadilha” refere-se ao fenômeno no qual países em desenvolvimento atingem um nível de renda per capita médio, mas depois encontram dificuldades para continuar crescendo e alcançar o status de país desenvolvido. Nessa fase, as fontes de crescimento com funcionamento adequado nas etapas iniciais, como a industrialização baseada em mão de obra barata e a urbanização acelerada com construção imobiliária nas cidades, começam a perder força.

Quando os salários aumentam, seja por escassez de força de trabalho, seja por aumento do poder de barganha sindical, esses países perdem a competitividade inclusive em setores de baixa tecnologia e alto uso de mão de obra. Eles não costumam desenvolver indústrias de alta tecnologia ou serviços de conhecimentos avançados de modo a sustentar o crescimento.

A transição para uma economia de alta renda exige avanços em inovação, educação, infraestrutura e aumento da produtividade. Essas áreas em muitos países de renda média falham em progredir.

Após essa transição inicial, países em desenvolvimento começam a focar na busca de estabilidade inflacionária. Há várias razões para isso. Algumas estão ligadas ao “rentismo” e à preservação da riqueza acumulada.

Com o desenvolvimento econômico, gradualmente, há maior acumulação de capital financeiro e patrimônio imobiliário. Isso gera uma classe rentista, cujos interesses estão fortemente alinhados com a preservação do valor real de seus ativos e seus rendimentos em juros e aluguéis ou arrendamentos de terras.

Estabilidade inflacionária se torna crucial para proteger esses interesses. O risco de “eutanásia dos rentistas” ocorre caso a taxa de inflação ultrapasse a taxa de juro prefixada ou diminua o poder aquisitivo do recebido como aluguéis.

Políticas monetárias focadas apenas em combater a inflação resultam em taxas de juros elevadas. Beneficiam os credores e detentores de ativos financeiros.

Em economia dispondo de mercado de capitais, cria um ambiente favorável à acumulação de riqueza por meio de rendas passivas (como juros e dividendos) e investimentos em ações de grandes corporações. Nem sempre esse capital acionário é direcionado a setores de atividade prioritários na geração de mais empregos e maior valor adicionado, ou seja, ocorrem em detrimento de investimentos produtivos na indústria de transformação, optando por importação.

Embora a estabilidade inflacionária seja essencial para evitar crises econômicas e proteger o poder de compra, uma ênfase excessiva nela, em detrimento de políticas de crescimento, não incentiva a alavancagem financeira com investimento em setores produtivos. Isso leva a uma economia menos dinâmica e mais dependente de setores de serviços com potencial de crescimento limitado.

A questão-chave atual é se essa dinâmica explica o baixo crescimento observado em muitos países ocidentais. Neles, desde os anos 1980, houve um deslocamento significativo do capital e do talento para a área financeira.

Esse sistema, focado na maximização de retornos financeiros em ganhos de capital (comprar ações baratas e as revender caro) em vez de investimentos produtivos para receber lucros ou dividendos, não gera o mesmo nível de crescimento econômico sustentado das indústrias nascentes e/ou com inovações tecnológicas.

Com um foco crescente na estabilidade inflacionária e nas políticas monetárias restritivas, há uma subutilização de recursos. Em princípio, poderiam ser direcionados para investimentos em inovação, infraestrutura e capital humano, todos essenciais para o crescimento de longo prazo.

A ênfase no capital financeiro e a preservação do rentismo leva a uma maior desigualdade social, onde uma parcela significativa dos ganhos econômicos é capturada por uma pequena elite, enquanto a maioria da população enfrenta salários estagnados e oportunidades limitadas. Isso reduz a demanda agregada e limita o crescimento, além de fomentar o crescimento da extrema-direita com discurso populista, demagógico e nativista.

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Se a economia se torna excessivamente dependente do ganho financeiro, o crescimento se torna autolimitado. A inovação e o aumento da produtividade são retardados, perpetuando o baixo crescimento. Isso é agravado pela hesitação dos governos em adotar políticas fiscais mais expansivas ou reformas estruturais de modo a revigorar o crescimento por causa de perda de apoio parlamentar, cuja maioria se preocupa mais em sabotagem do governo para ganhar a próxima eleição.

A “armadilha da renda média”, portanto, está ligada à transição econômica e ao desafio de manter o crescimento depois da fase de indústria nascente e urbanização. A ênfase na estabilidade inflacionária, combinada com uma economia favorável ao rentismo e à acumulação do capital financeiro, inclusive por clientes do varejo de alta renda (classe média universitária), explica parcialmente o baixo crescimento nos países ocidentais.

No entanto, essa não é a única razão. O baixo crescimento é resultado de uma combinação de fatores, incluindo demografia, mudanças estruturais, e dificuldades na inovação e na produtividade, quando a economia fica com baixa taxa de crescimento da produção.

A solução exige um reequilíbrio entre estabilidade macroeconômica e políticas de crescimento mais agressivas, focadas em investimento produtivo, inovação e inclusão econômica. Para tanto, é necessário um consenso político e ideológico nacional.

Historicamente, quatro mecanismos foram usados ​​para resolver o problema da escassez. O primitivo foi à base da força bruta, comum em sociedades escravistas. Em seguida, veio a tradição, seguindo a forma conservadora como os recursos sempre foram alocados com parcimônia.

Com a civilização surgiu outro mecanismo de alocação social: a autoridade, primeiro sob a Igreja e depois sob o Estado. O Mercado tornou-se o principal mecanismo de alocação quando emergiu o capitalismo diante do feudalismo.

Karl Polanyi (1886-1964) destacou o risco de “desincrustação do mercado”. Sempre quando o
neoliberalismo pregou a sociedade subordinar-se ao comando da autorregulação do mercado foi historicamente desastroso. Com a desregulação se gerou grandes guerras e depressões.

A economia não pode ser autônoma em relação à sociedade e tem de se subordinar às instituições de um sistema complexo maior. Exige sua incrustação na sociedade.

Antônio Gramsci
(1891-1937) é um reconhecido
teórico da superestrutura do capitalismo. Sua teoria apresenta o Estado como a soma da
Sociedade  Política (aparato de  coerção do Poder  Executivo e do  Poder Judiciário sob leis do Poder Legislativo) e da Sociedade Civil, isto é, o conjunto de  elaboradores e  difusores das  ideologias. Entre o Estado e o Mercado se coloca a Sociedade Civil.

Para governar, é necessária a formação de um bloco histórico com uma clara  hegemonia ideológica no  consenso em defesa da  coesão social. Senão, a sociedade cai nas garras de uma ditadura militar com base na  coerção das armas.

Portanto, governar é uma conquista  ideológica, na qual a
classe trabalhadora deve ser aceita como dirigente  antes de ser  dominante. O Estado é a unidade da  coerção (violência  repressiva) e da coesão (dominação  ideológica).

Deveria atender à  necessidade de  reprodução do  “capital em geral”, isto é, do sistema capitalista, em lugar de atender a interesses capitalistas particulares, reivindicados pela base governista no Congresso Nacional ou Parlamento. O problema-chave é como governar o Estado brasileiro, quando a cultura política do país elege representantes do patrimonialismo, do corporativismo, do nepotismo e do amicíssimo – e não defensores dos interesses da maioria do povo pobre.

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