Capitalismo contemporâneo sob abordagem sistêmica

Capitalismo contemporâneo sob abordagem sistêmica

Ver o capitalismo contemporâneo por meio de uma lente sistêmica envolve utilizar os quatro elementos básicos de análise de sistemas complexos: Distinções, Sistemas, Relações e Perspectivas (DSRP). Essa abordagem sistêmica “pós-marxista” permite compreender as múltiplas dimensões do capitalismo contemporâneo, suas interconexões e a emergência de comportamentos complexos.

As distinções são as separações ou categorizações. Fazemos elas para entender os componentes do sistema. No capitalismo contemporâneo, as principais distinções são observadas entre diferentes tipos de agentes e estruturas econômicas.

Aí “reside o perigo” do reducionismo binário – e, para escapar dele, a “salvação” é “o terceiro incluído”. Por exemplo, é habitual os críticos contumazes da “financeirização” distinguir entre economia fictícia (sic) e economia produtiva, como uma herança mal digerida da Teoria do Valor-Trabalho marxista ao considerar “improdutivo” tudo da circulação representativo da mera troca de propriedades ou mesmo empréstimos.

Apesar desta distinção é entre os mercados financeiros, onde há contínua especulação sobre o valor atual de ativos existentes e a alocação de recursos de capitalização para criação de ativos novos, e os mercados de bens e serviços, onde são produzidos e consumidos, ambos são imprescindíveis ao sistema capitalista – e se reforçam!

Outra distinção usual, no capitalismo contemporâneo, ocorre entre o setor privado (empresas, bancos, investidores) e o setor público (governos, instituições reguladoras). Ambos desempenham papéis distintos, mas interdependentes, na regulação e operação do sistema econômico.

Há também uma distinção clara entre os países desenvolvidos, controladores de grandes fluxos de capital, inovação e tecnologia, e os países em desenvolvimento, fornecedores de matérias-primas e mão de obra barata na divisão internacional do trabalho. Porém, os grandes países emergentes crescerem ultimamente mais…

Recentemente, surgiu outra distinção, inimaginável na época do Karl Marx (1818-1883), devido à ascensão da economia digital (plataformas, dados e inteligência artificial). Os saudosos do capitalismo industrial tradicional com suas linhas de montagem com superexploração do trabalho alienado, mas organizações de sindicatos, para conquista e defesa de direitos trabalhistas, se tornaram conservadores. Lamentam-se dessa distinção como reflexo da transição estrutural em curso com automação e robotização industrial.

Essas distinções nos ajudam a isolar componentes do sistema, mesmo caso eles estejam profundamente interconectados. Daí podemos nos fazer uma segunda questão: como os componentes estão organizados e quais subsistemas fazem parte do sistema maior?

Sistemas são conjuntos interativos de elementos. Interagem de maneira a formar um todo. O capitalismo contemporâneo deve ser compreendido como um sistema composto por subsistemas. Eles se sobrepõem e interagem continuamente.

Os subsistemas econômicos incluem o mercado de trabalho, o sistema financeiro global, o comércio internacional, as cadeias de produção e/ou Cadeias Globais de Valor (CGV). Cada um desses subsistemas tem sua própria lógica e funcionamento, mas todos estão integrados no sistema maior.

Contra o “economicismo” – determinação direta da política pela economia – não podemos abstrair os subsistemas políticos. Governos, blocos econômicos (como a União Europeia) e organizações internacionais (como o FMI e a OMC) são subsistemas políticos influentes das regras e diretrizes do capitalismo contemporâneo.

Há ainda o subsistemas tecnológicos. O desenvolvimento tecnológico, especialmente nas áreas de TI, comunicação e inteligência artificial, atua como um subsistema. Acelera mudanças na produção e consumo, alterando o comportamento do sistema capitalista.

Por fim, as bandeiras-de-lutas identitárias estão inclusas nos subsistemas sociais, culturais e ambientais. A sociedade, com suas divisões de classe, cultura e consumo, e o meio ambiente, com seus recursos e limites, também fazem parte da emergência do atual sistema. As crises ambientais e sociais são reflexo de tensões e disfunções nesses subsistemas.

O capitalismo contemporâneo, como um sistema maior, interage com todos esses subsistemas de forma interdependente, com mudanças em um afetando os outros.

Terceira questão: quais são as interconexões e feedbacks entre os elementos? As relações são as interações sempre ocorrendo entre os elementos dentro do sistema. No capitalismo contemporâneo, as relações são dinâmicas e multifacetadas, envolvendo fluxos de capital, informação, bens e serviços, além de interações políticas e sociais.

É comum começar pelo destaque da relação entre oferta e demanda. O comportamento de consumidores e produtores está em uma relação contínua dessa lei universal, com preços e quantidades de produtos sendo ajustados em resposta às preferências do consumidor e às condições de produção.

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A relação capital-trabalho está no cerne do sistema capitalista. As mudanças tecnológicas, como a automação, estão redefinindo essa relação, alterando os padrões de emprego, produtividade e desigualdade.

A especulação sobre os valores de mercado dos ativos existentes é um indicador essencial para avaliação se vale a pena os comprar ou construir novos. Influencia diretamente o nível de investimento produtivo, embora possa criar bolhas de ativos seguidas de crises, afetando o ciclo evolutivo do sistema.

As corporações influenciam as políticas públicas por meio de lobby, enquanto os Estados regulam ou incentivam o funcionamento do setor privado através de políticas fiscais e de regulação. Estabelecem uma relação fundamental.

O uso intensivo de recursos naturais e a geração de resíduos causam efeitos negativos no meio ambiente, como a degradação ambiental e a mudança climática. Essas relações entre economia e meio ambiente geram feedbacks negativos impactando a sustentabilidade do próprio sistema capitalista.

Se os feedback loops (ciclos de retroalimentação) são positivos, amplificam certos comportamentos, por exemplo, o crescimento econômico é acelerado por inovações tecnológicas. Se são negativos, estabilizam o sistema por meio de regulação e intervenção estatal em crises.

O quarto elemento do método DSRP se refere às perspectivas: quais os pontos de vista diferentes afetam a compreensão do sistema?

As perspectivas refletem as diferentes maneiras como os agentes e observadores do sistema o veem e compreendem. No capitalismo contemporâneo, diferentes atores possuem perspectivas contraditórias sobre o sistema e seus objetivos.

Por exemplo, para os detentores de capital, o objetivo do sistema é maximizar o lucro e a acumulação de riqueza, gerando retornos financeiros e consolidando o controle de mercado. A lógica dessa perspectiva dos capitalistas é de competição e inovação constante.

Contrasta com a perspectiva dos trabalhadores. Do ponto de vista da classe trabalhadora, o sistema é visto como explorador, gerador de desigualdades e instabilidade, particularmente em um contexto de automação e precarização das relações de trabalho.

a perspectiva dos governos é ver o capitalismo como um motor de crescimento econômico e geração de empregos. Mas também o enxerga como um sistema necessitado de ser regulado para evitar crises financeiras, proteger o meio ambiente e mitigar desigualdades sociais.

A força dos fatos impôs a perspectiva ambiental. Organizações ambientais e defensores da sustentabilidade veem o capitalismo como um sistema capaz de exaurir recursos naturais e gerar desequilíbrios ecológicos insustentáveis. O crescimento contínuo entra em conflito com os limites ecológicos do planeta.

Por fim, há a perspectiva dos movimentos sociais. Tanto os anticapitalistas quanto os ambientalistas veem o sistema como intrinsicamente injusto e insustentável, defendendo alternativas para promover a igualdade social e o equilíbrio ecológico.

Essas diferentes perspectivas influenciam as decisões e as dinâmicas do sistema, criando tensões e debates sobre a sua viabilidade em longo prazo. Além disso, elas revelam a intersubjetividade do capitalismo, onde a realidade do sistema é moldada pelas percepções e ações dos agentes dele participantes.

Analisar o capitalismo contemporâneo com uma lente sistêmica utilizando o método DSRP (distinções, sistemas, relações e perspectivas) nos permite uma compreensão mais abrangente da dinâmica do sistema, indo além de uma visão simplista e estática. Esse enfoque evidencia as interdependências, a complexidade das interações e as múltiplas visões capazes de moldarem o capitalismo como um sistema adaptativo e instável, onde os agentes não apenas agem com base em suas posições e interesses, mas também influenciam e são influenciados pelas estruturas e dinâmicas do próprio sistema.

Por meio dessa abordagem, torna-se possível identificar pontos de intervenção mais eficazes e pensar em estratégias de regulação ou transformação. Para tanto, temos de levar em conta a complexidade e as múltiplas variáveis sustentação do capitalismo contemporâneo.

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