Conquista de Direitos Trabalhistas e Cogestão

Por Fernando Nogueira da Costa
Sem considerar a visão racista da extrema-direita (defensora de uma imaginária “raça pura”), existe a crença equivocada na predeterminação de culturas ou civilizações. Por natureza, tenderiam à igualdade ou à desigualdade.
Conforme esse imaginário popular, a Suécia seria igualitária desde sempre, talvez devido a uma paixão ancestral herdada dos vikings, enquanto a Índia e suas castas seriam eternamente desigualitárias por razões religiosas. Na verdade, segundo Thomas Piketty, em seu livro “Uma Breve História da Igualdade”, tudo depende das instituições e das regras criadas por cada comunidade humana para si.
De acordo com acontecimentos históricos, tudo pode mudar muito rápido, em função das relações de força, das mobilizações e das lutas sociais, durante trajetórias históricas instáveis. Elas merecem ser estudadas em profundidade.
Em algumas décadas, a Suécia passou de um sistema “proprietarista” extremamente desigualitário para a sociedade mais igualitária dentre todas as outras sociedades conhecidas com a chegada dos socialdemocratas ao poder. Aconteceu a partir do início dos anos 1920, na sequência de uma intensa mobilização sindical e trabalhista.
De 1932 a 2006, a socialdemocracia sueca governou de modo quase permanente. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a concentração da propriedade era tão extrema na Suécia quanto na França ou no Reino Unido. A participação dos 10% das riquezas mais elevadas no total de propriedades privadas (ativos imobiliários, profissionais e financeiros, livres de dívidas) era, em média, de 84% na França entre 1880 e 1914 (contra 14% para os 40% seguintes e 2% para os 50% mais pobres), 91% no Reino Unido (contra 8% e 1%) e 88% na Suécia (contra 11% e 1%).
A Suécia foi o país europeu com maior codificação constitucional e eleitoral de sua desigualdade. De 1527 a 1865, o país era governado por uma monarquia apoiada em um Parlamento, o Riksdag, composto por representantes das quatro ordens ou estados: nobreza, clero, burguesia urbana e proprietários rurais.
Em 1865, esse sistema foi substituído por um regime parlamentar bicameral, com uma Câmara Alta eleita por uma minoria de grandes proprietários (menos de 1% da população adulta masculina) e uma Câmara Baixa também censitária, mas um pouco mais abrangente: cerca de 20% dos homens adultos podiam votar. O sistema eleitoral sueco nessa época era extremamente desigualitário, com o voto ponderado pelo valor da propriedade possibilitando um poder desproporcional aos grandes proprietários. Em 1871, existiam 54 municípios onde um único eleitor detinha mais de 50% dos votos!
Entretanto, a partir do período do entreguerras, os sociais-democratas assumiram o controle da administração sueca e colocaram a capacidade estatal do seu país a serviço de um projeto político totalmente diferente. Em vez de utilizar os registros de propriedades e de rendas para distribuir os direitos de voto, começaram a usá-los para impor aos mais abastados o pagamento de impostos pesadamente progressivos, a fim de financiar serviços públicos com um acesso igualitário à saúde e à educação ao total da população. Essa experiência mostra: nada é fixo!
A Suécia, outrora governada por um sistema onde a riqueza determinava o poder de voto, transformou-se em um modelo de igualdade política e social. Essa transformação demonstra as instituições e as normas sociais poderem mudar, questionando a noção de a democracia do dinheiro ser inevitável.
A “democracia do dinheiro” refere-se à influência desproporcional da riqueza na política e na sociedade, minando o princípio de igualdade política. A “plutocracia econômica” distorce os processos democráticos desde o financiamento de campanhas políticas.
A influência de doações privadas, lobbies e a falta de um sistema igualitário, onde cada cidadão tenha o mesmo poder de contribuir e haja limites rigorosos para gastos de campanha eleitoral, criam um sistema onde os mais ricos têm uma vantagem desproporcional na influência do discurso político. A concentração da propriedade da mídia também contribui para a democracia do dinheiro.
Distorce a formação da opinião pública e limita a diversidade de perspectivas. Logo, favorece os interesses dos controladores dos meios de comunicação.
Nas Sociedades Anônimas, os acionistas majoritários dispõem legalmente da totalidade do poder, dado o direito a votos proporcionais ao número de ações possuídas. Essa é a definição do capitalismo.
Nada tem de particularmente natural. Nada garante, por exemplo, os acionistas terem mais competência diante os seus trabalhadores, para dirigir a empresa. Para manutenção dos seus empregos e rendas, estes se dedicam mais, em longo prazo, ao projeto estratégico ser vencedor – e permanente.
Por isso, e pela mudança da correlação de forças após duas grandes guerras mundiais, além da Grande Depressão (e antes a hiperinflação na Alemanha), sistemas mais equilibrados foram experimentados, desde meados do século XX, inclusive nos países autodenominados “capitalistas”. Na Alemanha, o sistema dito de “cogestão” consiste na divisão paritária (50%-50%) dos assentos nos órgãos dirigentes das empresas (Conselho de Administração ou Comitê de fiscalização) entre os representantes dos assalariados e dos acionistas.
Dispositivos comparáveis foram adotados na Áustria, na Suécia, na Dinamarca e na Noruega, onde regras são aplicadas também nas pequenas e médias empresas. Infelizmente, a cogestão só se estendeu, até o presente, em poucos países fora da Europa germânica e nórdica.
Essas conquistas foram obtidas no âmbito de tensas lutas sociais e políticas em um contexto no qual as relações de força pendiam de maneira evidente a favor dos trabalhadores, após o trauma da crise de 1929 e os comprometimentos das elites econômicas com o nazismo. As leis alemãs de 1951 e 1952 foram votadas pelos democratas-cristãos, mas sob intensa pressão dos sociais-democratas e, sobretudo, dos sindicatos dos trabalhadores.
Essas leis só puderam ser instituídas porque a Constituição alemã de 1949 havia adotado previamente uma inovadora definição de propriedade, baseada em sua finalidade social. Em particular, o texto constitucional afirma o direito de propriedade só ser legítimo se contribuir para o bem-estar geral da coletividade.
Esse texto se inscreve na tradição inaugurada pela Constituição alemã de 1919, adotada em um contexto quase insurrecional, antes do período de hiperinflação entre 1921 e 1923. Ele havia permitido redistribuições de terras e novos direitos sociais e sindicais, direitos suspensos de 1933 a 1945 pelo nazifascismo.
As associações patronais tentaram diversas vezes contestar a cogestão nos tribunais, sobretudo após uma Lei de 1976, adotada pelos socialdemocratas, porém suas contestações foram rejeitadas pelo Tribunal Constitucional, com base na Lei Fundamental de 1949. Em comparação, vários países capitalistas conservaram em suas constituições uma definição de propriedade entendida como um direito absoluto e natural, originário do fim do século XVIII.
Além da questão da cogestão, o direito sindical em sua totalidade deve ser repensado em nível transnacional. Facilitaria a adesão e a participação dos assalariados, reservaria os mercados públicos às empresas dispostas a assinarem convenções coletivas e generalizaria, e, por fim, o direito dos sindicatos a comparecer aos locais de trabalho e ali organizarem reuniões com os trabalhadores.
Uma “grande redistribuição” de renda e propriedade ocorreu no mundo ocidental entre 1914 e 1980. Foi impulsionada por três fatores principais, de acordo com Thomas Piketty, para a redução das desigualdades.
Primeiro foi a ascensão do Estado social, com investimentos maciços em educação, saúde, previdência social e outras transferências. A implementação de impostos fortemente progressivos sobre altas rendas e grandes patrimônios contribuiu para a desconcentração da riqueza e do poder econômico. A liquidação de ativos estrangeiros e dívidas públicas contribuiu muito para a redução das desigualdades de renda e propriedade. Essas conquistas sociais só ocorreram com lutas sociais e políticas intensas…
Foto: O Riksdag, o Parlamento da Suécia, em Estocolmo em Junho de 2011 (Wikipedia).

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].