‘Cooperativas podem ser soluções contra crise climática e pobreza’, afirma economista da ONU

Andrew Allimadi, coordenador de Assuntos Cooperativos das Nações Unidas, analisa entraves e caminhos para fortalecimento da economia social global.
POR TATIANA CARLOTTI
Enviada especial a San Sebastián no País Basco
Em um contexto global marcado por desigualdades crescentes, alterações climáticas e instabilidades econômicas, a economia social é vista por governos e entidades como uma alternativa viável e transformadora. Nas Nações Unidas, o cooperativismo não apenas é reconhecido, mas amplamente apoiado por diferentes países.
É o que relata Andrew Allimadi, coordenador de Assuntos Cooperativos no Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas em Nova York. Ele participou, entre 28 e 29 de maio, do Fórum de Economia Social da Asett, no País Basco, e nos contou sobre como as cooperativas são essenciais para um novo paradigma econômico, mais justo, inclusivo e sustentável.
Segundo ele, as pessoas não conhecem muito bem as cooperativas, o que cria algum tipo de mito em relação ao funcionamento delas. Allimadi defende que cooperativas são uma forma “muito eficaz” de tentar resolver os atuais problemas, como crise climática e pobreza, “porque trazem soluções integradas”.
“Parte do nosso trabalho nas Nações Unidas é justamente fazer campanhas para promover o ensino sobre cooperativas nas instituições de ensino, nas escolas de negócios e nas universidades”, afirmou.
Leia na íntegra a entrevista:
Andrew, como o cooperativismo é recebido pelas Nações Unidas?
O cooperativismo é muito bem recebido pelas Nações Unidas que reconhecem a importância do seu modelo econômico. O próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, já se comprometeu a trabalhar com as cooperativas em busca por soluções para questões globais, como a crise ambiental.
Em relação aos países, em meio a tantos debates e discordâncias em outros temas, quase todos demonstram apoio às cooperativas dentro da ONU. Existe um consenso em relação a elas, as nações querem que as cooperativas cresçam, se fortaleçam e prosperem. Eles veem as cooperativas como uma boa maneira de aliviar a pobreza no mundo, de criar empregos decentes para que as pessoas possam ter uma boa renda e, também, para que seus governos possam proteger o meio ambiente. A questão climática e a pobreza são alguns dos grandes desafios que o mundo enfrenta atualmente, e as cooperativas são uma forma muito eficaz de tentar resolvê-los, porque trazem soluções integradas.
Quais os principais entraves para o desenvolvimento do cooperativismo hoje no mundo?
Cada país apresenta problemas diferentes em relação a isso, no entanto, existem algumas dificuldades comuns. A principal delas é o desconhecimento em relação às cooperativas e as oportunidades que elas abrem. As pessoas não conhecem muito bem as cooperativas. Muitos jovens não sabem que podem criar uma cooperativa, eles estão sempre procurando emprego em outro lugar e não imaginam que têm o poder de iniciar o próprio negócio, a própria cooperativa, em um esforço coletivo com outros jovens.
Isso demonstra como precisamos fortalecer a educação cooperativa. Parte do nosso trabalho nas Nações Unidas é justamente fazer campanhas para promover o ensino sobre cooperativas nas instituições de ensino, nas escolas de negócios e nas universidades. Um esforço no sentido de mostrar o valor que elas têm para as comunidades e as oportunidades que oferecem.
Com muita luta, o governo do Brasil aprovou no final do ano passado uma legislação, chamada de Lei Paul Singer, para garantir o fortalecimento do setor.
Você tocou em outro ponto crítico que, sem dúvidas, é a legislação. As cooperativas precisam ser organizações independentes, controladas por seus próprios membros, que votam e tomam suas decisões de forma coletiva. Entretanto, em muitos países, há uma forte interferência sobre elas, tanto por parte dos reguladores, como pelos governos que não dão a liberdade necessária que elas precisam para operar, nem estabelecem leis que protejam e regulem o setor contra outros atores que não agem de boa fé.
Precisamos de boas leis e de boas informações. Leis que protejam e regulem o setor, que deem liberdade para que elas operem em condições justas. E informação que as torne mais conhecidas pela população.

‘Muitos jovens estão em busca de emprego e não sabem que podem criar uma cooperativa’, afirma Allimadi
Kade Alpers / Nações Unidas
Em relação a políticas de financiamento?
O acesso ao financiamento é um problema para as cooperativas em vários países. O ponto positivo é que existem bons bancos cooperativos, mas não é uma realidade generalizada. Nos países onde a infraestrutura financeira cooperativa é fraca, torna-se muito difícil obter o apoio financeiro necessário para elas crescerem.
Por isso que eu insisto na questão da legislação. É muito importante conseguir uma legislação que apoie as cooperativas, por exemplo, permitindo que elas participem de processos de compras governamentais, o que lhes dá mais oportunidades de gerar renda e de crescer. Elas precisam desse apoio.
Se fossemos explicar para alguém que não conhece como funciona o modelo das cooperativas e a economia solidária. Qual a sua diferença?
As cooperativas são parte fundamental da economia social e solidária. Embora nem todas as entidades da economia solidária sejam cooperativas, elas compartilham o mesmo objetivo que é promover o progresso social e usar recursos financeiros para o bem comum, e não apenas para o lucro privado como as demais empresas.
Essa é uma das principais diferenças entre a economia social e outras economias privadas, pois as economias privadas focam mais no ganho privado dos donos da empresa, enquanto as empresas da economia social têm uma agenda social, com o progresso social como filosofia central dos seus negócios.
Por isso, as cooperativas e a economia solidária são uma oportunidade para a construção de outro modelo, para que os países atuem, localmente, no combate da pobreza e na proteção ambiental.
Para crescer, a economia social e solidária precisa de mais pesquisas que demonstrem as vantagens de termos cooperativas. Precisamos de mais estatísticas sobre essas experiências, dados comparativos entre diferentes países e, claro, um programa de educação que promova as cooperativas, para contarmos com uma base sólida. Isso requer conhecimento e pesquisa.
O Fórum da Asett é um ótimo instrumento de articulação das mentes cooperativistas, para o fortalecimento e a promoção do setor. É um grande impulso para as cooperativas e para o desenvolvimento social.
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Foto de capa:

Sede das Nações em Nova York. (Foto: qwesy qwesy / Wikimedia Commons)

Repórter do Fórum 21 desde 2022, com passagem por Carta Maior (2014-2021) e Blog Zé Dirceu (2006-2013). Tem doutorado em Semiótica (USP) e mestrado em Crítica Literária (PUC-SP).