Economia de mercado de capitais x economia de endividamento bancário

A alocação de capital por participações acionárias e a alavancagem financeira via endividamento são as principais diferenças entre uma Economia de Mercado de Capitais (EMC) e uma Economia de Endividamento Bancário (EEB). Ambas as operações visam a gestão eficiente do dinheiro e o enriquecimento financeiro, mas possuem estruturas e mecanismos distintos para financiar empresas e projetos.
Tipicamente, em EMC, a fonte principal de financiamento encontra-se no mercado de ações e de títulos de dívida privada. As empresas, depois de fazerem IPO (Oferta Pública Inicial) de ações, captam recursos com Ofertas Subsequentes (follow-on) ou com emissões títulos de dívida como debêntures.
Os investidores assumem riscos e recebem retornos na forma de dividendos e valorização de mercado para ganho de capital ao comprar barato e vender caro. Há menor dependência dos bancos, pois o financiamento ocorre diretamente via mercado de capitais. Nos EUA e no Reino Unido, o financiamento empresarial ocorre predominantemente por meio de bolsas de valores e investidores institucionais.
A potência imperial (e a ex-potência) são os maiores exemplos de EMC. É típica de países anglo-saxões.
As vantagens são a maior flexibilidade na captação de recursos, a maior diversificação dos investidores e o incentivo ao empreendedorismo e inovação. Os riscos são a maior volatilidade e crises especulativas, inclusive pela pressão por resultados de curto prazo, devido às expectativas dos acionistas.
Em EEB, a fonte principal de financiamento são os empréstimos bancários. As empresas captam recursos de crédito de bancos comerciais ou de desenvolvimento.
Os bancos avaliam riscos e monitoram a alocação de capital diretamente. Há menor dependência do mercado de capitais e maior controle institucional. Alemanha, França, Japão e Brasil são exemplos típicos de onde o financiamento empresarial ocorre majoritariamente via sistema bancário.
As vantagens encontram-se na maior estabilidade diante períodos de crise, pois o financiamento bancário é menos volátil se comparado ao mercado de ações. Há relação de clientela em longo prazo entre bancos e empresas, permitindo financiamento contínuo.
Porém, há risco de crédito sistêmico e crises bancárias. Comparativamente, há menos incentivo à inovação, pois os bancos tendem a ser mais conservadores nos empréstimos aos empreendimentos iniciais sem garantia para oferecer.
Em ambos os tipos de sistema financeiro nacional, o objetivo comum é a gestão de dinheiro e o enriquecimento financeiro. Apesar das diferenças estruturais, ambos os sistemas visam a alocação de capital adequado para gerar crescimento econômico e retorno financeiro . As empresas buscam financiar suas operações e expandir seus negócios, enquanto investidores e credores buscam maximizar seus ganhos dentro dos riscos aceitáveis.
A distinção entre EMC e EEB reflete diferentes mecanismos de financiamento, mas o objetivo final é o mesmo: otimizar a gestão financeira e gerar valor econômico intrínseco, isto é, fundamentado. Diante esse reducionismo binário, “o terceiro incluído” surgiu porque muitas economias, inclusive a brasileira recentemente, combinaram ambos os sistemas, ajustando a participação de cada um em conformidade com o desenvolvimento do mercado financeiro e as políticas econômicas nacionais.
Entre 2000 e 2023, a distribuição global de riqueza passou por mudanças notáveis. A parcela da população adulta com menos de US$ 10.000 em ativos quase foi reduzida pela metade (de 75% para 40%), enquanto a proporção daqueles com riqueza entre US$ 10.000 e US$ 100.000 foi além do dobro: de 17% para 43%.
Entre as razões para a mobilidade dessa faixa de riqueza, encontra-se o crescimento econômico em grandes países emergentes. China e Índia, por exemplo, experimentaram um rápido crescimento de ocupações, resultando em aumentos significativos na renda e na acumulação de riqueza de sua população. A riqueza média no Brasil aumentou de US$ 1.068 em 2000 para US$ 5.169 em 2022, refletindo uma melhoria nas condições econômicas.
O crescimento econômico nos países em desenvolvimento levou à expansão da classe média, com mais indivíduos acumulando riqueza suficiente para superar a faixa de US$ 10.000. A maior disponibilidade de ativos financeiros e de crédito, principalmente financiamento habitacional, permitiu mais pessoas investirem em ativos, facilitando a acumulação de riqueza.
Ocorreram também mudanças nas outras faixas de riqueza, por exemplo, entre US$ 100.000 e US$ 1 milhão, com um aumento no número de indivíduos nessa faixa (de 7% para 16%), impulsionados por investimentos bem-sucedidos e valorização de ativos, especialmente em mercados imobiliários e de ações.
Na faixa de riqueza acima de US$ 1 milhão, o número de milionários cresceu também: no ano 2000 era 0,5% da população adulta no mundo e no ano 2023 passou a ser 1,5% ou 58 milhões de pessoas detentora juntas de 47,5% da riqueza mundial. Países emergentes se destacaram como o Brasil, com registro de um aumento grande no número de indivíduos com esse elevado patrimônio: 380 mil milionários em dólares em 2023.
Nos 10 anos de 2015 a 2024, o número de bilionários aumentou de 1.757 para 2.682. A riqueza total dos bilionários aumentou em 121%, globalmente, de US$ 6,3 trilhões para US$ 14,0 trilhões, equivalente a 3% da estimativa da riqueza mundial em US$ 488 trilhões. Em comparação, o MSCI AC World Index de ações globais subiu 73%, bem abaixo daquele crescimento de 122%. Há riqueza além da EMC…
Entre os US$ 14 trilhões de todos os bilionários, o top 100 possuía 36% desse total, ou seja, US$ 5 trilhões, em 2023. Dez anos antes, possuíam 32%. Quem compara, perde… Espera-se a perda do maior bilionário atual (Elon Musk), atual patrocinador da ascensão da extrema-direita no mundo.
Obviamente, apesar do aumento geral da riqueza, a desigualdade permanece como preocupação para os denunciantes do sistema capitalista. No entanto, vários indicadores para o Brasil, por exemplo, “metade da riqueza está em posse de apenas 1% da população” são falseados por pesquisa dos centis e decis das DIRPF 2023-AC2022, comparadas com as de DIRPF 2007-AC2006, ambas divulgadas pela Secretaria de Receita Federal.
Pelos meus cálculos, o 1% mais rico (405.696 declarantes) possuía 16% do total dos bens e direitos líquidos (descontados dívidas e ônus). Em 2006, possuía 27%. O possuído pelo 0,1% mais rico (40.598 declarantes) baixou de 15% para 6%.
O decil mais rico (4 milhões declarantes), em termos agregados, perdeu participação de 51% para 36% em favor do aumento dos 50% mais pobres de 21% para 36%. Os quase 10 milhões declarantes (40% do total) da classe média mantiveram 28% entre o ano inicial (2006) e o final (2022) da série temporal.
Esse fenômeno surpreendente foi graças principalmente à “financeirização”, isto é, ao aumento dos bens e direitos financeiros dos 50% mais pobres de 16% para 36%. A participação dos 10% mais ricos caiu de 64% para 38% porque também a classe média (40% entre o quinto e o nono decil) elevou de 20% para 26% do total.
Globalmente, embora a desigualdade entre países tenha diminuído, devido ao crescimento em nações emergentes, a disparidade dentro de muitos países aumentou, refletindo a economia mundial sob o sistema capitalista estar longe de uma distribuição equitativa da riqueza. Isto apesar de o período de 2000 a 2023 ter testemunhado uma mobilidade significativa na distribuição de riqueza, especialmente com a redução da população nas faixas de menor riqueza e o aumento nas faixas superiores.
Essas mudanças foram impulsionadas por fatores como crescimento econômico em países emergentes, expansão da classe média – quase todos os declarantes de imposto de renda no Brasil situam-se dessa faixa para cima – e maior acesso a ativos financeiros. No entanto, a concentração de riqueza em parcelas reduzidas da população continua sendo um problema global insuperável sem uma re-evolução sistêmica institucional. Essa será lenta e gradual por ser democrática? Se assim não for, beneficiará mais à alguma parcela social (ou casta governante militar) – e, portanto, não será igualitária?

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].