‘Economia solidária é farol na transformação social’, afirma Gilberto Carvalho

Durante fórum no País Basco, secretário do governo Lula destacou papel da Lei Paul Singer na promoção de cooperativas brasileiras.
POR TATIANA CARLOTTI
Enviada especial a San Sebastián no País Basco
O secretário de Economia Solidária do governo Lula, Gilberto Carvalho, levou a experiência do Brasil ao 1º. Fórum de Economia Social da Asett, ocorrido entre 29 e 30 de maio. O evento aconteceu no Palácio de Congressos Kursall em San Sebastián (Donostia), no País Basco, coração do cooperativismo global, no norte da Espanha.
Mais do que um encontro, o Fórum se posiciona como o primeiro ato de um movimento global e permanente de transformação social, capitaneado pela Asett, Arizmendiarrieta Social Economy Think Thank. A Asett é um centro de conhecimento e desenvolvimento sustentável, fundado julho de 2023, visando impulsionar centenas de milhares de práticas de inovação e cooperação pelo mundo afora.
Ao lado de autoridades de diversos países, como Espanha, França, Congo, Senegal e México, Carvalho apresentou um histórico da economia social, aqui chamada de economia solidária. Hoje, existem no Brasil 28 mil iniciativas, em torno de 15 mil informais e 13 mil formalizadas sob a forma de cooperativas.
Nossa primeira lei sobre cooperativismo data de 1971, quando ainda estávamos sob a ditadura. “Ela teve uma importância fortíssima na questão do agronegócio”, que representa parte importante do PIB nacional. Contudo, o corporativismo empresarial, ao contrário da economia solidária, “não é um sistema cooperativo que atende as necessidades de mudanças sociais no país”, ponderou.
“A economia solidária se baseia em princípios muito diferenciados da economia tradicional, afirmou Carvalho, ao explicar que no Brasil, nós não falamos em economia social, mas sim economia solidária”. O termo foi cunhado pelo sociólogo Paul Singer, um dos grandes impulsionadores deste outro modelo econômico em nosso país.
“Ela iniciou nos anos 1990, quando o Brasil passou por um processo intenso de desemprego, com a indústria da automação e a reforma do mundo do trabalho, e se construíram as bases de um grande movimento social”, relatou Carvalho.
Lei Paul Singer
A partir de 2003, o governo brasileiro criou a Secretaria Especial da Economia Solidária dentro do Ministério do Trabalho; e começou a desenvolver uma legislação própria voltada a atender as demandas do cooperativismo solidário. “Foi uma luta, porque no Brasil tudo o que é para os trabalhadores é uma luta. Essa lei, denominada Lei Paul Singer, demorou 12 anos no parlamento e, finalmente, conseguimos, em dezembro de 2024, aprová-la”, destacou.
A Lei reconhece o empreendimento econômico solidário, abrangendo cooperativas e associações informais de economia social. Ela versa sobre “a necessidade da autogestão democrática e participativa, a partilha de ganhos entre os associados, a intercooperação entre todos os empreendimentos, a necessidade de termos responsabilidade social nos empreendimentos para não termos um egoísmo coletivo”.
A legislação também aborda as questões em torno da integração territorial, “que para nós é muito importante”. A cooperativa está num território e não pode ser uma coisa escondida, tem que ser um farol a nos ajudar a operar a transformação social”, apontou.
Gilberto Carvalho também deu ênfase à legislação e aos os princípios do “desenvolvimento sustentável, agroecológico e do comercio justo, com foco na valorização do trabalho decente”. Ela estabelece que tenhamos “um sistema nacional de economia solidária que trabalhe a formação de redes entre as cooperativas, a formação de um sistema de crédito em torno de mais de 250 bancos comunitários e a busca de tecnologias sociais, com formação técnica social e pesquisas”.

Fórum da Asett reuniu mais de 400 lideranças de 30 países para debater economia social, Brasil marcou presença com a participação de Gilberto Carvalho, Secretário de Economia Solidária do governo Lula.
Desenvolvimento local
Carvalho destacou ainda o apoio do governo Lula aos empreendimentos cooperativos de empresas capitalistas que após irem à falência, são assumidas pelos trabalhadores sob a forma de autogestão. A lei também cria um cadastro nacional da economia solidária, onde todos os empreendimentos formais ou informais do país precisam constar para poderem acessar o financiamento público. “O financiamento sempre se voltou para grandes cooperativas e agora vamos possibilitar o financiamento estatal para as cooperativas solidárias”, abrangendo as ações de participação social dos movimentos sociais, comemorou.
“Há uma tradição no Brasil de forte participação popular nas políticas executadas na ponta da sociedade, seja para a construção de cisternas, de moradias populares ou outros meios de autossustentação”. “Nós entendemos que a economia solidária não pode estar afastada do processo de mudança efetiva e civilizatória do país”, pontuou.
Maricá, presente!
O Fórum da Asett foi também um importante espaço para que as administrações municipais do país pudessem acessar outras experiências globais de economia solidária. A prefeitura de Maricá marcou presença no evento. Matheus Gaúcho, Secretário de Economia Solidária e Empreendedorismo Social do município, destacou a importância do encontro.
“Maricá investe muito em economia solidária no governo do prefeito Washington Quaquá, que é a economia voltada às pessoas e às famílias, e um eterno aprendizado para todos nós. Estamos aqui para conhecer as políticas internacionais e quem já faz esse grande trabalho. É um Fórum de extrema importância para aprendermos mais sobre economia solidária, colocando-a em prática e acrescentando ao que já desenvolvemos na nossa amada Maricá”, afirmou.
Além do Brasil, vários países do Sul Global marcaram presença no encontro, com a participação de cooperativas e empresas familiares, ministros e secretários de Estado, como países africanos do Senegal e do Congo e os latino-americanos México, Chile e Brasil.
A experiência do Senegal
Dione Aliou, ministro de Microfinanças e Economia Social e Solidária do Senegal, governado desde março de 2024, por Bassirou Faye, comemorou o fato de o país ser o primeiro na África a ter “um ministério plenamente ligado à economia solidária”.
“O Senegal tem um lugar específico no governo voltado à economia solidária”, destacou Aliou, ao apontar os esforços do governo Faye na luta contra a pobreza no país, que duplicou durante o governo antecessor de Macky Sall, com um alto desemprego que, por sua vez, levou ao aumento da imigração de senegaleses à Espanha.
Destacando a clivagem ideológica em torno da economia social, entre liberalismo e socialismo, ele apontou que a economia popular não pode ser estigmatizada. “O que está em jogo é o desenvolvimento humano global a partir de políticas centradas no desenvolvimento das comunidades”, afirmou, ao destacar suas imensas possibilidades, em particular, a dimensão da “solidariedade, cooperação, governança democrática e responsabilidade social” de suas práticas.
“A economia solidária é o caminho para conciliar a inovação social com a economia do lucro. Ela não é uma economia de lucro, vai muito mais além”, apontou. Ele também apresentou uma série de medidas governamentais “para todos os que se comprometam a respeitar os princípios da colaboração conjunta”. O país africano vem realizando um esforço de sistematização de suas cooperativas e utilizando a economia solidária para “empregar as pessoas, de forma massiva, a partir das cooperativas agrícolas e cooperativas produtivas solidárias”.
Nós estamos fazendo “uma revolução econômica no Senegal”, afirmou o ministro, destacando o projeto de construir dez mil cooperativas para contribuir com o serviço público, a partir de conhecimento tecnológico, formação de pessoas e apoio do governo na redução dos custos de produção.
Avanços no México
Outra experiência de grande impacto vem do México. A delegação mexicana, em peso no Fórum da Asett, exortou os esforços do governo de Claudia Sheinbaum na promoção da economia solidária. Em sua fala, o senador mexicano Emmanuel Reyes relatou as reformas em curso.
“É importantíssimo reconhecer os esforços do governo mexicano para levar novas sociedades cooperativas, principalmente de trabalho e crédito, que vem começando uma nova etapa de reformas com a chegada da presidenta do México, Claudia Sheinbaum”, apontou.
Entre as medidas, ele mencionou uma lei que concebe as sociedades associativas, um total de 18 mil, “entes que prestam serviços ao governo mexicano”. Através da economia social, o governo mexicano pretende “potencializar as regiões econômicas do país, os polos de desenvolvimento e a implementação de parques industriais”.
“Não vemos nenhuma outra maneira de avançar nos aspectos econômicos do governo mexicano sem o apoio do cooperativismo”, afirmou Reyes. “O governo mexicano está reconhecendo os princípios do humanismo e a possibilidade de avançar o cooperativismo neste modelo”, complementou.
Ele também contou que neste ano de 2025, que é o ano do cooperativismo, o México tornará as suas cooperativas um patrimônio cultural, com eventos, como uma grande premiação das cooperativas do país, para dar reconhecimento e visibilidade às inciativas de economia solidária.
Balanço do Fórum

Diversidade marca Conselho de Assessoria Internacional da Asett. Acervo pessoal Dowbor / Asett
No balanço do Fórum, o economista Ladislau Dowbor (PUC-SP), um dos quinze membros do Conselho Assessor Internacional da Asett destacou o impacto do evento na articulação de uma outra economia. “A Mondragon é uma gigante mundial, de imenso sucesso e um exemplo mais do que evidente de como podemos ter uma outra economia. Ela escancara a indecência desses CEOs que, em média nos Estados Unidos, chegam a ganhar 300 vezes mais do que os trabalhadores e não estão nem aí com a destruição que produzem”, aponta.
“Nós precisamos de um outro modelo econômico. Antigamente, nós culpávamos o imperialismo, hoje, os grandes grupos financeiros, como a Black Rock, estão dentro das principais empresas brasileiras. Não é mais um problema externo”. Dowbor explica que, sozinha, a Black Rock administra US$ 12 trilhões, enquanto o governo dos Estados Unidos administra US$ 6 trilhões em orçamento federal.
“Isso é resultado do processo de financeirização. O sistema de apropriação do excedente mudou em profundidade. A financeirização, somando juros e dividendos, leva a um dreno da ordem de 25% e 30% do PIB brasileiro. E não existe um governo global que controle isso”, alerta. Daí a importância do Fórum promovido pela Asett que “articula inúmeros movimentos dispersos e fragmentados da economia social e solidária que é uma grande força mundial hoje”, aponta.
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Repórter do Fórum 21 desde 2022, com passagem por Carta Maior (2014-2021) e Blog Zé Dirceu (2006-2013). Tem doutorado em Semiótica (USP) e mestrado em Crítica Literária (PUC-SP).