Economia solidária se articula contra barbárie neoliberal

Economia solidária se articula contra barbárie neoliberal

Fórum no País Basco reuniu lideranças de 30 países em movimento inédito que congrega governos, organizações e cooperativas.

POR TATIANA CARLOTTI
Enviada especial a San Sebastián no País Basco

Estruturar um outro modelo econômico centrado nas pessoas e não no lucro, na preservação do planeta e não em sua devastação, nas ações colaborativas e comunitárias e não no individualismo predatório. “Um outro mundo é possível”, garantem as mais de 400 lideranças, de 30 países, reunidas no 1º. Fórum de Economia Social da Asett, ocorrido em 29 e 30 de maio, no Palácio de Congressos Kursall em San Sebastián (Donostia), no País Basco, coração do cooperativismo global, no norte da Espanha.

Mais do que um encontro, o Fórum se posiciona como o primeiro ato de um movimento global e permanente de transformação social, capitaneado pela Asett, Arizmendiarrieta Social Economy Think Thank, um centro de conhecimento e desenvolvimento sustentável, fundado julho de 2023, visando impulsionar centenas de milhares de práticas de inovação e cooperação pelo mundo afora.

Apenas na Europa, o setor de economia social, conhecido pelos brasileiros como economia solidária, representa 10% do PIB espanhol e 8% do PIB da União Europeia. O esforço da Asett por sua internacionalização é, justamente, o de ampliar essa participação dentro e fora do continente europeu.

A ideia é fortalecer experiências de economia solidaria e preparar entidades, empresas e organizações do setor, para os desafios – e as oportunidades – abertos pelas transformações digitais, com sua imensa possibilidade de articulação em rede, pela transição ecológica e pelas várias lutas de movimentos, entidades e governos contra as desigualdades econômicas e sociais.

Cooperativas combatem a desigualdade

No impulsionamento da economia social, a Asett conta com apoio do Ministério do Trabalho e Economia Social da Espanha, da Confederação Empresarial Espanhola da Economia Social (CEPES), do Departamento de Economia, Trabalho e Emprego do governo basco, do Conselho Superior de Cooperativas de Euskadi, do Conselho Provincial de Gipuzkoa, da Câmara Municipal de Donostia-San Sebastián e da Corporação Mondragon, a mais importante cooperativa do País Basco, que reúne 74 mil trabalhadores em 92 cooperativas, com presença internacional em 150 países.

À frente da direção da Asett, Iñigo Albizuri explica que o think tank tem como principal objetivo consolidar “um outro caminho econômico, não apenas focado em benefícios individuais, mas sim nos benefícios sociais. A economia solidária, o cooperativismo, a união do trabalho das cooperativas e das universidades criam um sistema melhor e mais sólido, porque as pessoas são donas dos seus negócios e cuidam deles pensando em suas comunidades”.

A economia solidária inverte, assim, a lógica do lucro individual e do crescimento sem propósito social do capitalismo empresarial, com resultados concretos para governos e comunidades locais. “Nos lugares onde existem mais cooperativas, você tem um melhor índice GINI (medidor das desigualdades). Nós não precisamos de pessoas ricas, mas sim de comunidades ricas”, afirma.

“Nosso propósito é criar mais e mais cooperativas, mais e mais empresas sociais, impulsionando um modelo de negócios que tem, efetivamente, potencial de transformar a realidade”, aponta. Albizuri destaca que as pessoas estão realizando coisas incríveis e variadas em várias partes do mundo, mas “elas estão sozinhas, enfrentando problemas comuns”, daí o esforço do Fórum de criar sinergia entre as ações que já existem, dando evidência às realizações das várias comunidades pelo mundo afora.

Palácio de Congressos Kursall em San Sebastián (Donostia), no País Basco.

O Fórum

Ao longo do evento, mais de 400 pessoas de 30 países se distribuíram em 26 painéis e quatro mesas de debates para debater temas como cooperativismo, inclusão social, tecnologia, sustentabilidade, comunicação, energia e água, gênero, juventude, cultura, financiamento, saúde e transformação social. E, sobretudo, para trocar experiências e estabelecer contatos para futuras atividades em conjunto.

Em meio à rica diversidade de vivências, culturas e linguagens, o que se viu ao longo das várias mesas de debate foi a reiteração de valores comuns da economia social, chancelados por grandes organizações internacionais que apoiam a iniciativa, como as Nações Unidas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT|), a OCDE, a Oxfam e uma imensa rede de cooperativas, das mais diferentes áreas, que integram os esforços da Asett.

A Economia Solidária é uma economia de vanguarda que vem integrando a prática de inúmeros governos do Norte e Sul global. Ministros e secretários de estado, em falas contundentes, ressaltaram a importância do setor no combate ao desemprego, às desigualdades sociais e para a promoção do desenvolvimento econômico, através de um outro modelo empresarial capaz de priorizar os reais interesses das populações.

“É a primeira vez que temos um ministério de economia social”, comemorou a vice-presidenta da Espanha e ministra do Trabalho e da Democracia Social, Yolanda Diáz. Sua fala foi uma forte defesa da economia social e da urgência de seu fortalecimento no enfrentamento da conjuntura de incertezas que chacoalham não só a Europa, mas todas as nações do planeta.

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“Vivemos em tempos de incerteza, com crises alimentares e guerras, inclusive a crise promovida pela guerra tributária de [Donald] Trump”, destacou, ao mencionar os ataques à democracia e ao bem-estar das famílias propalado pelo avanço da extrema-direita, que visa fragilizar os sindicatos e a economia social.

“A agenda da economia social é profundamente democrática. Ela democratiza a gestão das empresas ao repartir o lucro de maneira equitativa”, em contraposição à economia capitalista que “não é adequada à repartição dos direitos e benefícios, sobretudo em uma economia financeirizada”.

Diáz também trouxe o impacto da economia solidária para a igualdade entre os gêneros, um fator salientado por vários gestores públicos ao longo do evento. “A economia social é uma economia feminista”, destacou, ao mencionar que as suas práticas e valores recolocam as pessoas no centro do sistema, tornando-se uma “fortaleza” para a atuação do poder público. “Seu principal objetivo é reduzir a desigualdade mundial” frente a um modelo econômico cria “imensas desigualdades, a partir de um processo de financeirização que leva à concentração do capital em pouquíssimas mãos”.

Na contramão desse movimento, o governo espanhol, garante Diáz, vem atuando para oferecer à população espanhóis “um sistema ético de finanças na economia social, com programas de crédito destinado às mulheres, em geral, destituídas de participação nos processos de financeirização e de concentração de renda”.

No coração do cooperativismo

A economia social tem forte tradição nos diferentes governos autônomos da Espanha. O País Basco é uma dessas regiões e, a partir da experiência exitosa da Mondragon, visto como um dos corações do cooperativismo global.

Em debate com representantes da Murcia, Galícia, Navarra e Catalunha, todas regiões autônomas da Espanha, a vice-ministra do Trabalho e Segurança Social do governo basco, Eleny Pérez, destacou sobre o Fórum da Asett: “o que fazemos aqui é subversivo”.

“Todos pensam que estamos apenas discutindo, mas, na realidade, estamos demonstrando que colaboramos uns com os outros e temos interesses comuns. O que nos move é a necessidade de construir uma sociedade muito mais justa e inclusiva”, afirmou.

Ao mencionar que o País Basco tem “uma importante forma de economia social” ancorada em uma intensa colaboração entre as unidades políticas do país, por suas diferentes instituições”, ela salientou a forte colaboração público-privada.

“A economia social está em todos os setores. Todas as famílias da economia solidária têm suas oficinas articuladas. Nosso objetivo é levá-las a acordos que realmente impactem o setor, permitindo que as políticas públicas sejam capazes de cobrir as necessidades em distintos lugares da economia social”, afirmou.

Pérez também mencionou a importância capital de um outro modelo empresarial. “Vivemos em um mundo em que precisamos cada vez mais colaborar e nos entender. Se isso não acontecer, destacou, é a barbárie. É condenar uma importante classe a ficar para trás”, pontuou.

Bilbao, cidade sede da cooperativa Mondragon que reúne mais de 72 mil trabalhadores.

Na França

A França, outro país com forte tradição cooperativa, também esteve presente no evento. Maximw Baduel, Delegado Ministerial para a Economia Social e Solidária do país, destacou o papel político da economia solidária, salientando sua promoção “da coesão social, da solidariedade e de atividades econômicas que geram emprego”.

Ele também apontou os valores da “igualdade, da justiça e da cooperação” e a grande inovação social trazida pelo setor, que é hoje um apoio fundamental aos governos ao garantir “cidadania econômica através da execução de políticas públicas compartilhadas com a sociedade”.

Em sua avaliação, é fundamental dar força e visibilidade às ações das cooperativas e das empresas familiares, para que elas possam “desenvolver o seu poder de agir”. Neste sentido, ele abordou a necessidade de financiamento e de regulamentação no quadro do poder legislativo, de regras e políticas de planejamentos, dentro e fora da Europa, para criar as condições que permitam a instituição desse ecossistema, bem como a reformulação de políticas públicas que garantam às associações a capacidade de defenderem seus interesses coletivos de forma democrática.

Baduel citou ainda a criação de um fundo nacional para o desenvolvimento das inovações sociais da economia social. Ele também lembrou que apesar da forte tradição de cooperativas e da capacidade de engajamento dos seus atores, o setor enfrenta o desafio de viabilizar a importância de suas práticas.

É preciso mostrar ao mundo o quanto “suas empresas são economicamente muito mais sólidas do que as demais empresas, pela dinâmica territorial que promovem e a capacidade de engajamento dos atores e cidadãos. É uma economia que inova e produz e que precisa mostrar a sua força”, ressaltou.

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