Fartura de energia renovável atrai grandes centros de dados para o Brasil

Fartura de energia renovável atrai grandes centros de dados para o Brasil

Por Mario Osava

RIO DE JANEIRO, 30 de maio de 2025 (IPS) – O Brasil espera colher em breve os benefícios de sua matriz energética renovável. Os data centers, cuja demanda está crescendo com os avanços da inteligência artificial, são a nova fronteira para esses investimentos ainda incertos.

Essa é até mesmo uma questão de “soberania digital”, não apenas para o Brasil, de acordo com Dora Kaufman, professora do programa de tecnologias inteligentes e design digital da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Atualmente, quase 60% de todo o processamento de dados do Brasil é feito nos Estados Unidos – e esse número continua aumentando – o que representa um sério risco, pois um desastre natural ou um bloqueio governamental poderia paralisar o país, alertou ela. “A probabilidade de isso acontecer é baixa, mas o impacto seria enorme”, disse à IPS por telefone, de São Paulo.

A Política Nacional de Data Centers deve mudar esse cenário, de acordo com o governo brasileiro, que prometeu revelar o programa em breve. Seu potencial poderia atrair dois trilhões de reais (cerca de US$ 350 bilhões) nos próximos dez anos, afirma o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Isenções de impostos federais e redução das taxas de importação de equipamentos estão entre os incentivos que o governo oferecerá aos investidores. Essas medidas antecipam as políticas já delineadas na reforma tributária recentemente aprovada, que entrará em vigor até 2033.

A abundância de energia renovável, água e terra também pode ser um grande atrativo em um mundo que exige cada vez mais sustentabilidade em novos projetos.

Custos elevados no Brasil 

O processamento de dados no Brasil é 25% mais caro do que no exterior, principalmente devido à carga tributária, observou Kaufman. A remoção desse obstáculo abriria caminho para o aumento do número de data centers, pois “temos energia renovável e água mais do que suficientes”, argumentou ela.

“O Brasil tem tudo o que é necessário para hospedar muitos data centers, e os desafios são solucionáveis. Precisamos deles não apenas para desenvolver inteligência artificial, mas também para a crescente digitalização do governo e das empresas”, enfatizou.

No entanto, as demandas vorazes de energia e água da infraestrutura digital – especialmente para a IA – estão gerando preocupações entre ambientalistas e especialistas em energia e comunicações.

“O Brasil precisa primeiro implementar uma verdadeira transição energética. Até agora, apenas adicionamos fontes renováveis aos combustíveis fósseis. Uma transição justa continua sendo um grande desafio, exigindo a eletrificação do transporte – uma prioridade devido à crise climática”, disse Alexandre Costa, professor da Universidade Federal do Ceará, no nordeste do Brasil.

A TikTok planeja instalar um data center em Caucaia, uma cidade de 355.000 habitantes no Ceará. A apenas 35 quilômetros de distância, o porto de Pecém – que inclui uma zona industrial – tem planos para um centro de produção de hidrogênio verde, outro grande consumidor de água e eletricidade.

Pecém já abriga uma usina termoelétrica e uma siderúrgica, ambas com alto consumo de água.

Os combustíveis fósseis ainda dominam

O Nordeste, a região mais pobre do Brasil, tornou-se um local atraente para projetos que se dizem sustentáveis, pois já é o maior produtor de energia eólica do país e tem um grande potencial para energia solar.

No entanto, a exploração de ventos fortes e constantes e da luz solar abundante já provocou críticas e protestos das comunidades locais. A expansão desses projetos está invadindo uma quantidade cada vez maior de terras, criando conflitos com as populações locais e com a agricultura de pequena escala, observou Costa, físico especializado em meteorologia e mudanças climáticas.

Em nível nacional, as fontes renováveis responderam por 86,1% do consumo de eletricidade em 2022, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética do governo. No entanto, os combustíveis fósseis ainda representavam 52,7% da matriz energética total do Brasil, dominada por petróleo e gás natural, enquanto o carvão tinha uma pequena participação de 4,4%.

Isso significa que o Brasil, onde o transporte de carga ainda depende muito de caminhões a diesel, ainda tem um longo caminho a percorrer para reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Essa transição exigirá ainda mais eletricidade.

Os centros de dados trarão uma demanda adicional de energia para uma economia que já prevê um aumento no consumo – impulsionado por projetos de hidrogênio verde, inteligência artificial e eletrificação de veículos, advertiu Costa à IPS em uma entrevista telefônica de Fortaleza, capital do Ceará.

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O mesmo se aplica aos recursos hídricos. “Não há como atender a uma demanda infinita por esses insumos”, enfatizou. Em sua opinião, o Brasil carece de um modelo energético que equilibre novas demandas, prioridades e a necessidade de uma matriz energética cada vez mais limpa.

Dependência 

“O problema mais sério do programa do governo é que ele visa subsidiar os data centers para as grandes empresas de tecnologia. Precisamos deles para nossas redes nacionais, mas eles estão propondo trazer centros de dados para o Google, Facebook, Microsoft, etc., com todos os benefícios”, criticou Carlos Afonso, especialista em tecnologia da comunicação e um dos pioneiros da Internet no Brasil.

Ele apontou a falta dessa infraestrutura para entidades públicas como o Serpro (Serviço de Processamento de Dados) e a Dataprev (banco de dados da previdência social), que são vitais para as operações do governo, bem como para a Rede Nacional de Pesquisa que conecta universidades e outras instituições científicas e de inovação.

“Terão que contar com os centros de dados dessas Big Techs no Brasil?”, questionou em uma conversa com a IPS.

Parece que tanto o programa do governo para esse setor quanto sua iniciativa de hidrogênio verde foram concebidos principalmente para atender a demandas externas, com o objetivo de criar bens e serviços exportáveis.

Por isso, Kaufman defende a imposição de condições aos data centers instalados no Brasil, como a sustentabilidade baseada em energia renovável e emissão zero de gases de efeito estufa, eficiência energética e destinação de pelo menos 10% da capacidade instalada ao mercado interno.

O especialista acredita que os grandes data centers a serem instalados no Brasil atenderão principalmente ao treinamento de IA, que minimiza a latência, os milissegundos de atraso na comunicação de longa distância da origem ao destino.

Mas a realidade – tanto no Brasil quanto em nível global – na economia digital é de profunda dependência dos Estados Unidos, situação agravada pelas políticas do presidente Donald Trump, que priorizou os interesses dos Estados Unidos acima de tudo, até mesmo de tratados internacionais.

“Três grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos – AWS/Amazon, Microsoft e Google – controlam 63% do processamento global de dados, formando um verdadeiro oligopólio”, enfatizou Kaufman. Espera-se que esse domínio aumente para 80%, acrescentou ela.

De acordo com o portal de estatísticas globais Statista, em março de 2025, os Estados Unidos tinham 5.426 data centers – mais de 10 vezes o número da Alemanha (529), do Reino Unido (523) ou da China (449).

O desequilíbrio é ainda mais acentuado nos data centers de hiperescala, aqueles que ocupam mais de 930 metros quadrados e abrigam mais de 5.000 servidores. Até o final de 2024, os Estados Unidos responderam por 54% da capacidade de processamento global, em comparação com 16% da China e 15% da Europa, de acordo com o Synergy Research Group.

Somente em 2024, 137 novos data centers foram construídos – uma taxa de crescimento de 13,7% – em uma tendência que deve continuar, impulsionada em grande parte pelos avanços da inteligência artificial, observa a empresa de análise e consultoria sediada nos Estados Unidos.

A infraestrutura que alimenta a economia digital, que já conecta dois terços da humanidade e se expande rapidamente com inovações como a computação em nuvem e a IA, permanece em grande parte invisível.

Enquanto os cabos, incluindo linhas submarinas intercontinentais, satélites e redes de telecomunicações são bem conhecidos, os data centers – os “cérebros” que armazenam, processam e distribuem informações – operam em relativa obscuridade. No entanto, eles se tornaram enormes e estrategicamente essenciais à medida que o tráfego global de dados aumenta exponencialmente.

Este texto foi publicado originalmente pela Inter Press Service (IPS)

Na imagem, reunião digital do Ministério da Ciência e Tecnologia para discutir o uso da inteligência artificial no setor público / Rodrigo Cabral / Ascom MCTI

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