Financeirização dinâmica versus financeirização parasitária

Há diferenças marcantes entre financeirização dinâmica e financeirização parasitária. A dinâmica cumpre com louvor as funções básicas do sistema financeiro como sistema de pagamentos digitais em tempo real, acumulação de riqueza financeira por trabalhadores para a aposentadoria e alavancagem financeira da rentabilidade patrimonial sobre o capital próprio com o uso de capital de terceiros. A parasitária só se importa com a maximização do valor para os acionistas como forma de regulação.
Este é o núcleo do debate contemporâneo sobre a natureza ambivalente da financeirização, segundo o TDIE-487 (“Financeirização e dinâmica produtiva-tecnológica: uma reflexão”), publicado em outubro de 2025, por meu colega da Unicamp, Ricardo Carneiro. Podemos estruturar a resposta distinguindo duas dimensões: uma financeirização dinâmica (funcional, produtiva) e uma financeirização parasitária (extrativa, predatória).
A financeirização dinâmica cumpre as funções sistêmicas esperadas do sistema financeiro, voltadas para a circulação, a intermediação e a coordenação do capital.
O sistema de pagamentos com inovações como o PIX no Brasil ou sistemas de instant payment em outros países mostram como a infraestrutura digital bancária é essencial para o funcionamento da economia real. Sem esse serviço, o comércio, a produção e as transações cotidianas seriam atrasados.
A acumulação para aposentadoria deve muito aos fundos de pensão e de previdência privada. Permitem trabalhadores transformarem salários presentes em poupança de longo prazo, sustentando consumo futuro, durante a aposentadoria. Nesse caso, o sistema financeiro atua como gestor intertemporal de riqueza coletiva, ampliando o horizonte de segurança social.
Por meio de alavancagem patrimonial, empresas e famílias multiplicam sua rentabilidade, usando capital de terceiros, isto é, crédito e dívida. Essa função é inerente à lógica capitalista: sem financiamento externo, projetos de investimento de maior porte dificilmente sairiam do papel. Quando é bem regulada, a alavancagem aumenta a produtividade sistêmica, pois distribui riscos e permite investimentos de longo prazo.
Portanto, a financeirização dinâmica integra o sistema financeiro ao metabolismo da economia real. Funciona como lubrificante e acelerador da circulação do capital. Relaciona-se mais à Economia de Endividamento Público e Privado.
Em contrapartida, a financeirização parasitária se descola da economia real. Ela se volta para estratégias de extração de valor em benefício restrito de acionistas, gestores e rentistas. Relaciona-se mais à Economia de Mercado de Ações.
Com a regulação por meio da Maximização do Valor para o Acionista (shareholder value), as empresas abertas passam a priorizar dividendos, recompra de ações e fusões especulativas em detrimento de investimentos produtivos, P&D ou salários. A lógica “curto-prazista” substitui o horizonte de acumulação produtiva.
Acusam a financeirização parasitária também de expropriação via juros e dívidas.
Famílias e Estados entram em ciclos de endividamento nos quais o serviço da dívida absorve recursos acima da renda familiar ou do lucro operacional, senão poderiam ser usados em consumo, investimento ou políticas sociais.
Por exemplo, a austeridade fiscal permanente em países periféricos para “garantir confiança de O Mercado”, na verdade, visa evitar a tributação progressiva.
Os acusadores da financeirização parasitária denunciam a inovação financeira estéril, inclusive por não entenderem os produtos financeiros cada vez mais complexos (derivativos exóticos, securitizações opacas, criptoativos especulativos) em proliferação. Acham eles terem baixa função social. Servem sobretudo à arbitragem regulatória e ao enriquecimento de intermediários.
A la americana, na financeirização parasitária, há o deslocamento da regulação para O Mercado. Este seria o “governo corporativo”, orientado pela maximização do valor para o acionista e capaz de substituir políticas públicas como forma de coordenação. Isso fragiliza a soberania democrática, pois o bem-estar coletivo passa a depender de métricas financeiras privadas.
Portanto, a financeirização parasitária é extrativa, gera instabilidade e concentra riqueza. Atua como um imposto privado invisível sobre trabalhadores, consumidores e Estados.
Em uma tabela comparativa direta, com dupla entrada (linhas e colunas), observa-se:
| Função/Dimensão | Financeirização Dinâmica | Financeirização Parasitária |
| Pagamentos | Universalização digital, redução de custos, eficiência transacional | Tarifação abusiva, oligopólio bancário, exclusão financeira |
| Aposentadoria | Fundos de pensão coletivos e estáveis | Rentismo privado, cobrança de taxas excessivas |
| Alavancagem | Expansão produtiva, inovação, crédito acessível | Ciclos de bolhas, crises de dívida, endividamento regressivo |
| Governança | Coordenação intertemporal, estabilidade social | “Shareholder value”, curto-prazismo, desinvestimento produtivo |
| Impacto distributivo | Possibilidade de ampliar acesso a crédito, consumo e previdência | Concentração extrema de riqueza, financeirização do cotidiano |
Concluímos a financeirização dinâmica ser capaz de cumprir as funções clássicas do sistema financeiro, enquanto a financeirização parasitária corresponder ao desvio dessas funções para fins de acumulação privada, concentrada e descolada da produção real. Ela não é “o” capitalismo financeiro em si, mas uma forma degenerada dele.

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
