Financeirização versus teoria do valor-trabalho

Financeirização versus teoria do valor-trabalho

A relação entre a teoria do valor-trabalho e a “financeirização”, uma teoria central na Economia Política do século XIX, permanece na cabeça de muitos marxistas no século XXI. Exploram as tensões e contradições entre a financeirização e a criação de valor na economia dita real por produzir mercadorias tangíveis, questionando a natureza da acumulação capitalista em uma Era dominada pelas Finanças.

Na realidade contemporânea, o conceito de valor não se tornou obscuro e problemático?

Por exemplo, o valor de mercado da riqueza acionária é cotado no mercado secundário e se distingue do valor intrínseco ou fundamentado. As oscilações entre esses “dois preços”, os dos ativos existentes e os dos ativos novos, constituem um indicador chave para a alocação de capital em escala global. É avaliada principalmente por investidores institucionais, inclusive fundos de pensão de trabalhadores e fundos soberanos.

Os marxistas abominam a “financeirização” por ter dificultado a distinção entre valor real e valor fictício, obscurecendo as fontes de criação de valor-trabalho na economia. Ora, dinheiro acumulado é valor fictício?! Ou é “o que importa”?

O fato de as participações acionárias terem se ampliado muito além de um pequeno grupo controlador familiar incomoda muitos marxistas ainda apegados à ideia defender empregos industriais do antigo operariado, mesmo após o “adeus ao proletariado”. Almejam a reversibilidade do tempo tal como os adeptos do MAGA…

A Teoria do Valor marxista, assumida como ponto de partida para analisar a financeirização, coloca o foco na distinção entre trabalho produtivo e improdutivo. Diagnosticam ela se caracterizar pela expansão do trabalho improdutivo no “setor” (sic) financeiro, supostamente se apropriando de parte do valor criado na economia “real” (sic) sem gerar valor novo. Ora, a alavancagem financeira propiciou a maior criação de valor novo, em escala global, com multiplicação de renda e empregos!

Antes, a exploração se dava na linha-de-montagem. Agora, até os trabalhadores operadores de robôs, sem falar de boa parte da força de trabalho, ocupada em serviços urbanos, podem acumular reservas financeiras para sua aposentadoria.

A relação entre finanças e produção é de interdependência. A acumulação de capital se baseia, principalmente, na extração de valor por meio do trabalho, seja na produção material, seja em serviços intangíveis, recebida via dividendos, distribuídos por meio de canais financeiros. Levam à valorização no mercado de ações – e maior possibilidade de capitalização das empresas com ofertas subsequentes de ações (follow-on), realizadas pelas com capital aberto.

A financeirização deve ser vista como um fenômeno sistêmico histórico, situando-a no contexto das transformações do sistema capitalista no último ½ século. Desde sempre, este representou o encontro do capital-dinheiro com a força de trabalho livre – e o capitalismo mercantil anterior dependia de financiamento bancário.

É necessário analisar a “financeirização” em relação a outros processos históricos, como a globalização, a neoliberalização e o desenvolvimento tecnológico. Isso sem falar, pelo menos, em privatização e desindustrialização ocidental.

Representa, de fato, um problema para a sobrevivência da Teoria do Valor-Trabalho não apenas como um dogma da religião marxista. É necessário rever conceitos.

As corporações, particularmente as empresas de capital aberto (Sociedades Anônimas), contribuíram para a financeirização da economia em geral. A maximização do valor para o acionista é um princípio de governança corporativa em defesa dos “recursos de terceiros”, investidos ou emprestados em todo o mundo.

Por exemplo, aproximadamente 58% das famílias dos EUA detinham ações em bolsa no ano 2022, de acordo com a pesquisa do Federal Reserve (Fed, Banco Central dos EUA) sobre finanças do consumidor divulgada em 2023. O percentual registrado em 2022 para famílias dos EUA com investimentos em ações é o maior apresentado desde 1989 (data inicial da pesquisa).

A pesquisa do Fed também revelou a propriedade direta de ações – e não a indireta via Fundos de Ações e outros investidores institucionais – por famílias norte-americanas ter saído de 15% em 2019 para 21% em 2022, ou seja, 79% são investidoras via Fundos. O percentual é o maior já registrado desde 1989.

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O patrimônio líquido médio das famílias dos EUA aumentou 37% entre 2019 e 2022, ajustado pela inflação. No entanto, o valor médio das participações diretas das famílias caiu quase para metade, desde 2019, para cerca de US$ 15.000 em 2022, ajustado pela inflação.

Todos têm o direito de se tornar acionista se quiserem arriscar seu dinheiro. A adoção generalizada desse princípio levou a uma mudança mais responsável para alcançar bons resultados, na governança corporativa, com as empresas se concentrando cada vez mais em medidas de curto prazo para aumentar o preço das ações e os dividendos, supostamente, em detrimento de investimentos de longo prazo, P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e bem-estar dos funcionários.

Esse argumento é contraposto pelo fato de haver um grande peso das ações conhecidas como “Sete Magníficas” – Apple, Microsoft, Amazon, Nvidia, Alphabet (dona do Google), Meta e Tesla – nos índices das bolsas de valores dos Estados Unidos. São big techs, portanto, inovadoras.

O Nasdaq 100 mudou sua composição de seu índice, em julho de 2023, quando o peso das Sete Magníficas havia chegado a 51%. Então, caiu a cerca de 40%, embora tenha listadas cerca de 4 mil empresas de 50 países, a maioria dos Estados Unidos, seguida pelas chinesas.

As empresas não financeiras são aquelas produtoras de bens e serviços não financeiros, geralmente, tangíveis. Se tiverem grande escala (capitalização) – e forem bem-geridas –, necessariamente têm um Departamento Financeiro!

Este Departamento Financeiro desempenha funções importantes para a organização, como: tesouraria, controle de contas a pagar e receber, contabilidade, planejamento, gestão de impostos, controle de riscos, divulgação de informações para os investidores. Afinal, eles estão arriscando seus recursos nela.

As empresas são criticadas porque passaram a se envolver mais em atividades como recompra de ações, fusões e aquisições, engenharia financeira e gestão de lucros, visando aumentar os retornos de curto prazo para os acionistas. Essas práticas contribuiriam para a “financeirização” da economia em geral, porque, de maneira pressuposta e equivocada, mais recursos seriam direcionados para atividades financeiras e especulativas.

Ora, grandes empresas não-financeiras não especulam no mercado de ações… Investem suas disponibilidades de caixa em títulos de renda fixa com baixo risco e grande liquidez para capital de giro ou retomada de investimentos produtivos.

O princípio da maximização do valor para o acionista é objeto de críticas crescentes por analistas com desconhecimento de causa. Não sabem como se coordena a alocação de capital global.

As empresas se concentrariam em recomprar ações e gerar dividendos em vez de investir em P&D e expansão da capacidade produtiva. Isto ocorre, de fato, em uma fase cíclica quando já estão com excesso de capacidade produtiva ociosa, A área de P&D mantém suas atividades, bem como a produção geradora de dividendos.

A recompra de ações, também conhecida como stock buyback, é uma estratégia financeira útil para as empresas. Aumenta o valor das ações remanescentes, reduz o número de ações em circulação, aumenta os lucros por ação, reduz os gastos com impostos, sinaliza a empresa acreditar suas ações estarem subvalorizadas de acordo com seus fundamentos ou valor intrínseco.

As ações recompradas são canceladas e deixam de existir. Isto aumenta a participação relativa de cada acionista. Premia quem não deseja vender as ações.

A busca incessante por retornos de curto prazo contribuiria para a formação de bolhas especulativas e crises financeiras. Essas “bolhas” ocorrem quando os valores de mercado dos ativos existentes se descolam dos valores intrínsecos ou fundamentados. Suas explosões levam àqueles se tornarem menores diante estes – e enquanto isso não se inverte com concentração e centralização do capital, não ressurge um novo ciclo de investimentos em ativos novos. E assim o mundo gira

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