Pacto social implícito no sistema capitalista

O pacto social implícito no sistema capitalista, de forma reducionista, seria a classe capitalista como um todo oferecer pleno emprego para a classe trabalhadora demandante de renda em ocupações para sobreviver.
Porém, a oferta de empregos depende de tecnologia, produtividade, espírito empreendedor e crédito para a alavancagem financeira da rentabilidade patrimonial sobre o capital próprio. O capital de terceiros é tomado emprestado com a exigência de despesas financeiras ficarem abaixo do lucro operacional, propiciado com a economia de escala na maior produção com custos fixos relativos mais baixos.
Por sua vez, a demanda de empregos depende de fatores demográficos, capacidade profissional adquirida com ensino e educação e necessidades sociais de boas condições de vida, entre outros fatores, tornando a oferta e a demanda independentes entre si. Logo, em um ciclo de emprego e renda oscilante, só raramente ambos se encontram em situação de pleno emprego.
Nesse sentido, ideologicamente, uma questão discutida de maneira simplória é se pode se classificar a economia da oferta como neoclássica de direita e a economia da demanda efetiva como Keynesiana de esquerda?
Sua formulação toca no cerne da questão: o “pleno emprego”, como pacto social implícito no capitalismo, nunca foi uma norma histórica, mas sim uma promessa ideológica. Aparece somente em momentos de excepcional crescimento.
Devemos analisar a questão colocada em três níveis: analítico, histórico e ideológico.
Em nível analítico, a oferta de empregos depende de variáveis estruturais do lado da produção — tecnologia, produtividade, economias de escala, crédito, custos financeiros e expectativas de rentabilidade. A oferta de trabalho não é simplesmente proporcional ao crescimento econômico, mas mediada pela lógica da acumulação de capital.
A demanda de empregos é função de fatores demográficos, qualificação educacional, inserção social e, sobretudo, da necessidade de obter renda via trabalho assalariado. Como apontado, isso a torna relativamente independente da decisão empresarial de contratar.
Há um desencontro estrutural. Como essas duas lógicas são distintas, a convergência em “pleno emprego” é rara e conjuntural, quase sempre ligada a situações de crescimento excepcional ou mobilização bélica. Os EUA pós-1939, por exemplo, foi uma Economia de Guerra. O normal do capitalismo é haver excedente de força de trabalho — Marx chamava de “exército industrial de reserva”.
Em nível histórico, a Economia Neoclássica da Oferta adota o discurso de, se o mercado for deixado livre, tenderia a empregar todos, caso os salários fossem flexíveis para baixo. O desemprego seria apenas “voluntário” ou “friccional”. É uma visão de direita, no sentido de justificar a ordem vigente e culpar o trabalhador (ou a rigidez institucional) pela falta de emprego.
Na Economia keynesiana da Demanda Efetiva, o pleno emprego só pode ser alcançado se o Estado e a política econômica criarem estímulos à demanda via gasto público, crédito, redistribuição etc. Nela há uma dimensão progressista ou de esquerda, porque admite falhas do mercado e exige intervenção estatal para corrigir desequilíbrios.
No mundo real, ocorreram oscilações históricas. Os “períodos keynesianos” (anos 1945-1973) foram excepcionais, ligados ao fordismo, ao Estado de bem-estar e à ordem geopolítica do pós-guerra. A partir dos anos 1980, com neoliberalismo e financeirização, voltou a predominância da lógica da oferta, com desemprego estrutural, precarização e flexibilização.
Em nível ideológico, o pleno emprego funciona como mito regulador: mesmo quando não é atingido, mantém a promessa de ser possível se “ajustarmos os preços/salários” (neoclássicos) ou se “o Estado fizer política anticíclica” (keynesianos). Na prática, o capitalismo precisa de desemprego estrutural para manter disciplina do trabalho e conter pressões salariais. Isso aproxima da crítica marxista: a independência entre oferta e demanda de empregos não é acidente, mas característica necessária do sistema.
Portanto, sim, em um reducionismo binário, é didática a distinção entre em direita/oferta/neoclássico e esquerda/demanda/keynesiano. Mas devemos ressaltar ambas permanecerem dentro do horizonte capitalista, ainda partindo do pressuposto de o pacto social do emprego ser possível e desejável.
Em resumo, o encontro entre oferta e demanda de empregos em pleno emprego é raro e conjuntural. A economia neoclássica (de direita) naturaliza o desemprego como escolha ou consequência da rigidez. A economia keynesiana (de esquerda) o considera falha de mercado corrigível por política. Mas a crítica estruturalista/marxista mostra o desemprego ser estrutural e necessário ao capitalismo, não exceção.
Ilustração do site ‘departamento19’, de Honduras

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
