Sistemas financeiros comparados: chinês e brasileiro

Sistemas financeiros comparados: chinês e brasileiro

O sistema financeiro chinês é caracterizado por um modelo híbrido de planejamento estatal e liberalização seletiva, articulado com os objetivos do Partido Comunista Chinês (PCC). Sua estrutura institucional é distinta dos modelos ocidentais, embora participe do sistema financeiro global.

Ele canaliza crédito conforme metas políticas e estratégicas definidas no Plano Quinquenal. Os grandes bancos estatais não atuam de forma isolada, mas como braços operacionais do Estado, orientando recursos para: infraestrutura nacional, habitação social, modernização rural, indústrias estratégicas, transição ecológica, exportação e diplomacia econômica. Esse arranjo cria uma lógica integrada e coerente, no qual o crédito é instrumento de desenvolvimento, não apenas de lucro, seja para o setor privado, seja para o público (Tesouro Nacional).

Entre as características centrais do sistema financeiro chinês destaca-se a predominância dos bancos estatais. Os cinco maiores bancos (como o ICBC, Bank of China, Agricultural Bank, China Construction Bank, e o Banco de Desenvolvimento da China) são controlados pelo Estado. A maior parte dos depósitos e do crédito é intermediada por esses bancos, assegurando controle macroeconômico e capacidade de indução estatal.

Há uma dupla hierarquia institucional. O Banco Popular da China (PBoC) atua como Banco Central, mas com funções menos autônomas diante o Fed ou o BCE, subordinando-se às diretrizes do PCC. A Comissão de Regulação Financeira e outras agências estatais regulam bancos, seguros e mercado de capitais, com forte coordenação intersetorial.

O planejamento é orientado por metas plurianuais. O financiamento ao setor produtivo, inovação tecnológica e habitação é coordenado com os Planos Quinquenais, conferindo direcionalidade sistêmica. Há metas para expansão de crédito, apoio regional, redução de risco sistêmico e financiamento verde.

Existe um amplo sistema de shadow banking e plataformas digitais. Shadow banking ou sistema bancário paralelo refere-se a atividades financeiras semelhantes às de bancos tradicionais, mas ocorrendo fora do sistema bancário regulamentado. Essas atividades geralmente envolvem a intermediação de crédito, mas sem a supervisão e regulação aplicadas aos bancos convencionais.

Nos últimos anos, também na China, cresceram formas de intermediação fora do sistema bancário tradicional: trusts, wealth management products. Plataformas como Ant Financial e Tencent Pay tornaram-se centrais para transações, crédito e pagamentos, forçando o Estado a regular essas novas formas de intermediação.

Enquanto o Renminbi – “moeda do povo” – se refere ao sistema monetário, o Yuan é a unidade de conta equivalente. O Renminbi é dividido em várias partes ou unidades de conta. A principal delas, o yuan, equivale a um renminbi.

Lá, o capital é controlado. A conta de capital é parcialmente aberta com regras específicas para entrada/saída de capital produtivo e financeiro. O RMB não é plenamente conversível e o movimento de capitais é regulado.

Há estímulo ao crédito produtivo e restrição ao especulativo. O crédito é dirigido via bancos públicos e fundos estatais para setores estratégicos: infraestrutura, inovação, energia, habitação, exportações.

O sistema financeiro chinês cumpre suas funções, destacadamente com um sistema de pagamentos com digitalização avançada. Alipay e WeChat Pay dominam as transações do varejo urbano, quase eliminando o uso de cédulas nas cidades.

O governo lançou o e-CNY (yuan digital), primeira moeda digital oficial em grande escala, com o duplo objetivo de integrar o sistema informal de pagamentos e manter o controle soberano da moeda e dados financeiros. Os sistemas digitais se conectam diretamente com os bancos estatais e com o Banco Central, garantindo rastreabilidade e regulação. Há plena integração com o PBoC.

Na gestão do dinheiro e liquidez, o PBoC atua com instrumentos tradicionais (taxas de redesconto, exigências de reserva compulsória) e inovadores (linhas de crédito direcionadas). Há forte gestão da liquidez interbancária, principalmente nos momentos de aperto de crédito. O Estado coordena a liquidez para evitar ciclos destrutivos de expansão e contração do crédito, como nas crises financeiras ocidentais.

Tal como no Brasil, há especialização no financiamento para setores prioritários e demais atividades econômicas. No setor de infraestrutura e habitação pública, o banco de desenvolvimento (China Development Bank) se utiliza de títulos locais (municipais) e fundos especiais. No setor de tecnologia e inovação, oferece linhas de crédito subsidiadas e fundos de investimento estatais como Venture Capital público e incentivos fiscais

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Pequenas e médias empresas são atendidas por bancos comerciais locais e fintechs reguladas com garantias públicas e subsídios. Igualmente, a agricultura e zonas pobres       são focos de bancos regionais, cooperativas e programas especiais com taxas subsidiadas e eventual perdão de dívidas diante quebra de safra.

O mercado de capitais (ações e títulos) é fortemente regulado e indutivo. OsIPOs (Oferta Pública Inicial de ações) são controlados por cotas, assim como há regulação da alavancagem financeira (despesas financeiras / lucro operacional ou capital de terceiros / capital próprio).

O sistema financeiro chinês é um funcionalmente eficaz, embora tenha riscos sistêmicos específicos. Cumpre eficientemente suas três funções básicas de forma centralmente coordenada, com prioridade à indução do crescimento e estabilidade social.

Não é liberalizado plenamente, preservando um núcleo estatal de comando. Enfrenta riscos sistêmicos, como endividamento local excessivo, bolha imobiliária, riscos do shadow banking e tensões geopolíticas capazes de afetarem o acesso ao capital internacional.

Entretanto, sua capacidade de coordenação e intervenção direta oferece instrumentos mais potentes de regulação anticíclica se comparado a economias de mercado desreguladas.

Em uma análise comparativa sintética, na China, o sistema financeiro é funcionalmente eficaz na indução de crescimento, embora sofra riscos de bolha e distorções por excesso de planejamento. Nos Estados Unidos, o mercado de capitais é altamente eficiente para financiar inovação e consumo, mas sujeito a crises cíclicas por falta de regulação preventiva.

Na União Europeia existe um modelo institucional misto, com dificuldade de coordenação entre política monetária comum e políticas fiscais nacionais. No Brasil, o sistema financeiro nacional tem boas inovações (Caixa, BNDES, PIX), mas é refém da dominância financeira, juros altos e restrições fiscais ideológicas.

O crédito é muito mais elevado na China (195 % do PIB) por refletir um sistema altamente ofertante, comércio e investimentos superiores, embora gerador de alto risco de endividamento, tanto econômico quanto ambiental. EUA e UE possuem crédito expressivo, com destaque para dívida pública e familiar alta, embora menos centralizada diante o caso da China.

Brasil mostra menor crédito privado (56 % do PIB para empresas e 36% do PIB para famílias), diante 65% do PIB de crédito público, isto é, para governo. Em 2024, no total do crédito ampliado ao setor não financeiro (correspondente a 156% do PIB), 36% foram empréstimos, 46% títulos de dívida doméstica e 18% dívida externa. Tem maior dependência de bancos públicos, para financiar setores estratégicos ou prioritários, além de ter um dos maiores juros reais do mundo.

Em síntese, a China utiliza crédito estatal maciço para sustentar crescimento, mas enfrenta riscos de bolha e shadow banking. Os EUA dependem de mercado livre e crédito privado, mas lidam com crises periódicas de excessos de alavancagem e dívida pública, quando não devido às bolhas de ativos. A UE tenta se equilibrar, porém sofre com assimetrias fiscais entre países.

O Brasil se tornou um grande país emergente por meio do uso de bancos públicos com crédito direcionado para agricultura, habitação e infraestrutura, além de atender regiões mais pobres (Norte e Nordeste). Porém, sofre com uma moeda nacional restrita e juros elevados, para evitar a fuga de capitais em direção à dolarização, limitando o crescimento do crédito para a alavancagem financeira de maior desenvolvimento. Caso contrário, teria crescimento econômico a la China…

Em ambos os países, os bancos estatais são centrais para o financiamento estruturado, embora os chineses o façam em escala gigantesca e com instrumentos altamente vinculados ao Estado. No Brasil, a atuação pública é relevante, mas restrita por quadro institucional, priorização fiscal e capacidade de alavancagem menor.

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