A hora de priorizar a saúde e o bioma da Caatinga

A hora de priorizar a saúde e o bioma da Caatinga

Por Walter Santos / Revista Nordeste

O universo de políticas públicas nas diversas áreas, incluindo indústria da saúde, bioma da Caatinga e até da violência de uma maneira geral anda no foco do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (IDESNE), sediado em Alagoas e liderado pelo seu presidente, o economista Adroaldo Quintela. Ele mostra nesta entrevista as muitas necessidades diante dos avanços da extrema-direita no país e aponta alternativas e soluções.

Revista Nordeste – O mundo convive cada vez mais pautando cuidados e políticas estruturais a afetar o meio ambiente e as pessoas com mais gente atingida com tragédias. Qual é a sua leitura sobre essa conjuntura.

Adroaldo Quintela – Considerando a ascensão da extrema direita e das teses negacionistas em escala mundial estou convencido que estamos diante de uma conjuntura extremamente complexa, para avançarmos com a agenda ambiental e de enfrentamento às causas e consequências das mudanças climáticas.

O Acordo de Paris que substituiu o Protocolo de Kyoto, apesar de contar com 194 signatários, não foi endossado pelos Estados Unidos durante a gestão de Donald Trump. Segundo os especialistas o limite de 1,5 graus centigrados devem ser ultrapassado até meados de 2030. Com isso, seremos obrigados a conviver desde já com fenômenos naturais extremos, com uma enorme quantidade de territórios e de pessoas submetidos a tragédias ambientais.  Devemos acompanhar as eleições dos Estados Unidos. Eventual vitória de Donald Trump significará imenso golpe na democracia representativa em escala planetária e retrocesso nas pautas ambientais.

Revista Nordeste – Na prática, o senhor acredita em acordos das nações, em vários casos liderados pelo Brasil, para países bancarem a recuperação ou preservação ambiental do G-20, G30?

Adroaldo Quintela  – Não se trata de acreditar, ou não acreditar. As evidências e frequência de fenômenos climáticos impõem as lideranças políticas de centro e esquerda, em escala internacional, a perseguir acordos e definir fundos financeiros para mitigar e combater os efeitos das mudanças climáticas.

No auge das enchentes no Rio Grande do Sul, com muita propriedade o presidente Lula afirmou: “estamos diante de um cenário que está impactando as gerações atuais. Portanto, devemos encarar o problema de frente para evitar um ciclo recorrente de tragédias naturais extremas”. É louvável o esforço do Brasil para demandar cumprimento dos acordos vigentes, especialmente o Acordo de Paris, assim como o financiamento dos países mais ricos para mitigar os efeitos das mudanças climáticas nos países mais pobres.

Revista Nordeste – No seu entendimento qual o papel que o Brasil cumpre nesse contexto tão especializado?

Adroaldo Quintela  – Olha, eu trabalhei na Presidência da República nos dois primeiros mandatos do Presidente Lula. Diferentemente, das gestões de 2003 a 2010, o núcleo duro do atual governo abraçou a questão ambiental como prioridade absoluta. É gratificante testemunhar o Ministério da Fazenda coordenando a política de transição energética com a meta de aproveitar as vantagens naturais do Brasil na produção do hidrogênio verde, da energia eólica e da energia fotovoltaica.

 Evidentemente que o país não domina as tecnologias atuais, mas deve estar presente diante dos investimentos de empresas estrangeiras neste campo, devem ser acompanhados de acordos de transferência de tecnologia. Tenho conversado com membros da alta direção do governo em relação a este tema.

Revista Nordeste – Como conviver com as inovações?

Adroaldo Quintela – Estou convencido de que há clareza de que temos o direito e o dever de absorver as novas tecnologias, e partir para produção e exportação de produtos com maior valor agregado.

Revista Nordeste – O Brasil conviveu com os efeitos drásticos do Rio Grande do Sul e neste momento convive com uma das maiores secas da história recente? Ao que o senhor atribui objetivamente às causas desses problemas?

Adroaldo Quintela  – Excetuando os negacionistas de plantão, existe clareza de que as enchentes do Rio Grande do Sul e as atuais secas na Amazônia, que atingem 1.400 municípios derivam da mesma causa, ou seja, as mudanças climáticas.

Segundo os especialistas a mudança no clima é fruto de uma série de fatores, iniciando pelo aquecimento global. O mundo registrou, em 2024, o mês de agosto mais quente da história humana. E mais: nos últimos 14 meses registraram temperaturas médias 1,5 graus centigrados mais quente do que o período anterior à revolução industrial. 

Políticas para o desenvolvimento regional

Revista Nordeste  – O senhor, por meio do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste Brasileiro (IDESNE), tem se envolvido com políticas que tratam do Bioma da Caatinga, do Complexo Econômico Industrial da Saúde no Nordeste e da Segurança Pública e Cidadania como prioridades. O que o IDENE defende e onde quer chegar?

Adroaldo Quintela  – Antes deste mergulho tratarei do Bioma Caatinga na terceira resposta. O colegiado diretor do IDESNE entende que o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) oferece um conjunto de oportunidades para o desenvolvimento científico e tecnológico, assim como oportunidades econômicas para diversos setores da economia nordestina, sobretudo o setor industrial.

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Neste sentido, está promovendo debates e reuniões com o objetivo de estimular a constituição de Comitês de Gestão Estratégica do CEIS nos nove estados da região, visando coordenar os atores econômicos, governamentais e sociais que atuam nas diferentes dimensões do CEIS.

Em nossa opinião cabe à Sudene organizar e implementar o Comitê de Gestão Estratégica do CEIS – Nordeste com participação ativa de representantes dos Comitês Estaduais, do Consórcio Nordeste, do COREP – Nordeste, do Banco do Nordeste, do Instituto Nacional do Semiárido e do Escritório Regional do BNDES, dentre outras instituições que atuam no cenário regional.

Com relação ao tema da Segurança Pública e Cidadania no Nordeste, o IDESNE sugere que o Consórcio Nordeste crie um Observatório da Política de Segurança Pública Regional, no âmbito da Câmara Técnica de Segurança Pública.

Para obter dados estatísticos e informações pertinentes sugere que o Consórcio Nordeste celebre acordos de cooperação técnica com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e com o Atlas da Violência – IPEA. Também recomenda parceria institucional, técnica e financeira com o Ministério da Justiça. O IDESNE realizou uma mesa de Diálogo sobre Segurança Pública em Salvador no dia 14/3/2024. No momento estamos em processo de organização da Mesa de Diálogo Segurança Pública e Cidadania em Feira de Santana, a ser realizada na segunda quinzena de novembro próximo.

Revista Nordeste  Como assim?

Adroaldo Quintela  – Atentem que dentre as 20 cidades mais violentas do país, 14 estão localizadas no Nordeste. Em nossa região a taxa de mortes violentas é 60% maior do que a média nacional. A situação de insegurança pública na região afeta principalmente as pessoas mais pobres, negras e residentes nas periferias urbanas e rurais. Portanto, reveste-se como a principal prioridade do Colegiado Diretor do IDESNE.

Revista Nordeste  – Onde fica a Caatinga?

Adroaldo Quintela  – O Bioma Caatinga é uma das principais áreas de estudo e pesquisa da rede IDESNE. No período de 28 à 30/6 de 2023 realizamos, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR), o Instituto Nacional do Semiárido (INSA) e um pool de entidades nacionais e regionais, o Seminário de Desenvolvimento Sustentável da Caatinga.

Como resultado deste evento foi aprovado por unanimidade a Carta da Caatinga, assinada por mais de 30 instituições. Também nos associamos ao movimento nacional pela Aprovação da PEC 504/2010, que reconhece a Caatinga e o Cerrado entre os biomas considerados como patrimônio nacional.

Revista Nordeste : Qual é a sua avaliação do potencial do Cerrado na Bahia, Maranhão e Piauí, para mudar os rumos do desenvolvimento regional e do país.

Adroaldo Quintela  – O chamado Matopiba, que compreende áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia constituem a última fronteira agrícola parcialmente explorada do Cerrado brasileiro. Na minha opinião os estados devem ter muita clareza sobre o processo de exploração agrícola das do cerrado visando evitar modelos agrícolas insustentáveis, do ponto de vista ambiental e de ocupação de mão de obra. Também, é prudente pensar na industrialização dos grãos produzidos para aumentar o valor agregado nas exportações. Do ponto de vista da economia nordestina o Cerrado regional pode se transformar em vetor de desenvolvimento a produção agrícola se for integrada às diretrizes e missões da Nova Indústria Brasil.

Revista Nordeste : Na sua opinião o que o governo Lula representa para o futuro das políticas públicas no país?

Adroaldo Quintela  – Em que pese as limitações do atual governo existem resultados importantes a comemorar em termos econômicos e sociais. Do ponto de vista social menciono o crescimento do emprego formal, o aumento real do salário mínimo e a redução drástica da quantidade de brasileiras e brasileiros em situação de insegurança alimentar.

Do ponto de vista econômico é de notar o crescimento da renda média, a inflação sobre controle e o crescimento do PIB em patamar próximo de 3% anuais. Creio que é necessário melhorar o desempenho da educação básica, da atenção à saúde e da segurança pública.

Revista Nordeste  – Enfim, o que projetar?

Adroaldo Quintela  – Agradeço à Revista Nordeste pela oportunidade de conceder esta entrevista. Considero que se trata de um dos cinco melhores veículos de comunicação regional. Parabéns pelos serviços prestados de comunicação dirigida aos atores econômicos, sociais e políticos regionais.

Na imagem, Adroaldo Quintela, presidente do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (IDESNE) /  Arquivo Pessoal

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