Clima: Retrocesso na COP 29
A Conferência anual da ONU sobre mudanças climáticas, a COP 29, recém-encerrada em Baku, no Azerbaijão, começou sem esperanças e terminou com desilusão. O presidente do Azerbaijão, país dependente do petróleo, declarou que o petróleo é uma “benção de Deus”. Essa frase deu o tom da COP 29, cuja presidência bloqueou o avanço das negociações.
A COP29 aprovou US$ 300 bilhões anuais para financiamento climático. Essa quantia está muito longe do US$ 1,3 trilhão por ano proposto pelas nações em desenvolvimento, com base em valor estimado pela ONU. O valor de 300 bilhões de dólares foi considerado incompatível com a meta de manter os objetivos do Acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C. Sem financiamento adequado, os cortes de emissões de carbono serão insuficientes.
A título de comparação, segundo dados fornecidos pela Reuters/Folha de S.Paulo em 24/11 último, em 2023 os governos do mundo todo gastaram cerca de US$ 6,7 bilhões (R$ 38,8 bilhões) por dia em despesas militares, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo. Isso significa que o valor decidido na COP29 equivale a 45 dias de despesas militares globais. Por outro lado, o mercado global de bens de luxo é avaliado em 363 bilhões de euros (US$ 378 bilhões) em 2024, de acordo com a consultoria Bain & Company.
Os US$ 300 bilhões equivalem ao custo do petróleo consumido globalmente em pouco mais de 40 dias, com base na demanda diária de 100 milhões de barris e nos preços do petróleo Brent no final de novembro. Segundo a revista Forbes, a fortuna de Elon Musk, o homem mais rico do mundo, era de US$ 321,7 bilhões (R$ 1,8 trilhão) no final de novembro. E o furacão Katrina, um dos mais devastadores da história dos EUA, causou cerca de US$ 200 bilhões em prejuízos em 2005. Já o furacão Helene, impulsionado pelas mudanças climáticas, pode gerar até US$ 250 bilhões em perdas econômicas nos EUA em 2024, de acordo com estimativas da AccuWeather.
Em sinal de protesto, as delegações dos pequenos Estados insulares e dos países menos desenvolvidos chegaram a abandonar temporariamente a reunião com a presidência da COP29. Além da aprovação dos 300 bilhões de dólares, outro ponto de destaque foi a aprovação das regras gerais do mercado de carbono. O objetivo é viabilizar um mercado voluntário para que se possa negociar os créditos de carbono. O mercado de carbono, apresentado como panaceia, não vai ajudar muito a reduzir o aquecimento global, porque o que é reduzido do lado do país vendedor de créditos de carbono será aumentado do lado do país comprador do direito de poluir.
A COP 29 não entregou uma decisão para implementar as recomendações do Balanço Global do Acordo de Paris, nem avançou um processo de transição para longe dos combustíveis fósseis. O Comissário Europeu sobre o Clima, Wopke Hoekstra, às vésperas do encerramento da Conferência, declarou “Se olharmos para os aspectos de mitigação (das emissões de gases de efeito estufa, GEE), isso não reflete o que nós próprios prometemos. Não podemos aceitar que atuemos como se a COP anterior não tivesse existido. Este texto vai no sentido oposto”.
De repente, no final da Conferência, a memória da anterior COP28, em Dubai, ressurgiu na última arrancada das negociações. Em 2023, as partes conseguiram chegar a acordo para incluir o imperativo de uma “transição para longe dos combustíveis fósseis”, uma inovação na história e na linguagem da diplomacia climática. Mas a COP 29 deu marcha a ré e não menciona redução dos combustíveis fósseis como imperativo da transição energética para combater a mudança climática. O representante do grupo dos países árabes na COP29, Albara Tawfiq, anunciou no final da Conferência que os países árabes não aceitariam qualquer proposta que contrarie o uso de “energias fósseis” no documento final da COP29.
A crise climática pode levar mais 100 milhões de pessoas à pobreza nos próximos cinco anos, e, 10 anos após o Acordo de Paris, “ainda não estamos vendo a ousadia necessária dos líderes políticos para impedir que o aumento das temperaturas produza catástrofes”, disse Hugh Evans, Cofundador e CEO da Global Citizen, uma das maiores organizações em defesa de políticas para o clima e justiça social.
Mantidas as condições atuais, com baixa redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) e com a destruição da biodiversidade e dos recursos naturais, caminhamos para um aumento do aquecimento global muito além da meta de 1,5º C estipulado na Conferência de Paris em 2015. Os cientistas já falam em aumento superior a 2º C (em relação aos níveis pré Revolução Industrial) e alguns falam até mesmo em 3º C. Isso seria uma tragédia, uma catástrofe, que iria suprimir boa parte das condições de vida da humanidade no planeta. Já se fala até mesmo em nova extinção de espécies.
Impactos enormes na produção agrícola, fome, migração em massa, extinção de milhares de espécies. Segundo a Cop16 da Biodiversidade, recém encerrada na Colômbia, 46.000 espécies correm risco de extinção, incluindo mais de um terço das árvores do planeta. Um ecocídio, fazendo com que a “capacidade de suporte” do planeta seja excedida, levando ao desaparecimento de grande parte da população,
Apesar dos apelos dramáticos dos cientistas, dos governos dos países mais vulneráveis e dos representantes da sociedade civil, a COP 29 foi um retrocesso. Metade dos delegados representantes dos Estados Nacionais foram indicados pela indústria do petróleo, sempre presente e com muita força nas reuniões internacionais sobre o clima. Não é de se espantar que o documento final da COP 29 não recomende a redução do uso dos combustíveis fósseis, o grande vilão da emissão de GEE, com exceção de alguns países, como o Brasil, onde o principal responsável pela emissão de GEE é o desmatamento causado principalmente pela agropecuária.
Agora a bola está com o Brasil, cuja diplomacia climática é respeitada em todo o mundo. A tarefa é duríssima. Não só recuperar o atraso da COP 29 organizando uma agenda capaz de angariar apoios, como também apresentar programas que possibilitem avanços concretos nas negociações climáticas, sem esquecer a agenda da biodiversidade que tampouco avançou muito na COP 16 recém realizada na Colômbia.
A COP 30, a ser realizada em Belém no próximo ano, enfrentará um obstáculo adicional. Ressurgindo das cinzas, o presidente dos EUA, Donald Trump, negacionista que apoia o suicídio climático, vai retirar os EUA do Acordo de Paris e boicotar as discussões e decisões a serem tomadas na COP 30. A bem da verdade, a posição ambígua e contraditória do governo brasileiro em matéria ambiental também pode ser questionada. O Brasil quer ter liderança mundial na questão climática e, ao mesmo tempo, seu Ministério da Energia apoia a exploração de petróleo na foz do Amazonas, seu Ministério do Transporte apoia a pavimentação da rodovia BR 319 que vai cortar e desmatar a Amazônia, e seu Ministério da Agricultura apoia a agropecuária, o maior responsável pelo desmatamento no país.
A ganância em busca do lucro no sistema capitalista tem prevalecido sobre o instinto de sobrevivência da espécie humana no planeta. Isso poderá mudar quando a devastação dos eventos climáticos extremos deixarem de atingir principalmente as populações dos países mais pobres e passarem a atingir igualmente as populações dos países mais ricos. Isso já começou a acontecer, em termos de eventos climáticos extremos e de migração ambiental que tende a aumentar muito nos próximos anos.
Nesse momento, as utopias hoje consideradas quiméricas, como o ecossocialismo, serão colocadas na mesa e discutidas como a solução possível. A ameaça da crise ecológica, motivada pela destruição da biodiversidade e pela crise das mudanças climáticas, aponta para uma verdadeira crise de civilização, para a necessidade de um novo modo de vida e de produção, ou seja, de uma profunda transformação ecológica para garantir a sobrevivência da humanidade no planeta.
Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO.