Crise climática e incêndios no Cerrado: as políticas públicas governamentais

Crise climática e incêndios no Cerrado: as políticas públicas governamentais

Por Pedro Ivo Batista* e Lúcia Menezes**

11 de setembro foi o Dia Nacional do Cerrado e nesse, que deveria ser um dia de celebração, pouco temos a comemorar. Mas precisamos reafirmar a importância desse bioma, de sua diversidade, de suas comunidades e o esforço que a sociedade civil, particularmente as entidades que atuam do bioma, têm feito para preservá-lo.

Vivemos momentos difíceis e a situação continua extremamente triste.

A crise climática tem agravado a situação nesse bioma de forma dramática. O desmatamento e as queimadas, que são grandes fatores de emissão de gases do efeito estufa, avançam no Cerrado. Como consequência, tivemos ondas de calor e períodos de seca inéditos até agora, e segundo os alertas que chegam dos órgãos especializados não estão previstos tempos melhores à frente.

Na terça-feira (10/09), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino declarou o que o país vive uma “pandemia de incêndios florestais”.

São incêndios que atingem o Cerrado em diversos estados, são consequência da inoperância dos governantes e de ações criminosas daqueles que não querem o cerrado de pé.

Todas as iniciativas que o governo federal têm tomado até agora têm sido insuficientes para reverter o quadro de devastação do Cerrado. O desmatamento cai na Amazônia, mas não cai no Cerrado, e nos coloca diante de um imenso problema. O berço das águas tem sido atacado, em sua maioria por ações amparadas pela legislação. Um desmatamento legal, embora seja imoral colocar a produção de água em risco iminente. Não existem ainda políticas públicas consistentes, robustas, para salvar o nosso bioma, protegendo a fauna, flora e suas comunidades.

Não podemos mais aceitar que a política de enfrentamento dos graves problemas do Cerrado seja feita apenas na esfera federal. Não é uma questão só para o Ministério do Meio Ambiente. A questão do Cerrado tem a ver com o modelo predatório de desenvolvimento não sustentável que as elites brasileiras impuseram ao país, com imensos impactos sobre seus biomas e suas comunidades.

É urgente uma política estratégica que signifique mudar o olhar sobre o Cerrado.

Hoje, o modelo de agronegócio predador, com suas monoculturas que devastam o Cerrado em busca de lucro, é o grande inimigo que avança desconsiderando a importância da vegetação do Cerrado para o ciclo da água, e os impactos cruéis na fauna, flora, no solo e nas comunidades.

Como colocado na diretriz programática do presidente Lula, o desmatamento zero é uma exigência central em todos os biomas. E da mesma forma, é imperativo a busca por uma política de desenvolvimento sustentável que proteja a natureza, fundamentalmente os mananciais, as nascentes e os rios. Considerando a água como valor fundamental para a vida.

É fundamental uma política de ação estratégica, e que  os órgãos que atuam na proteção ambiental, o IBAMA, o ICMB, o Ministério do Meio Ambiente, bem como a Polícia Federal, entre outros, sejam dotados de orçamento e tenham seus efetivos reforçados. É urgente fortalecer as parcerias com  as organizações da sociedade civil de forma que seja possível desenvolver e implementar  modelos de desenvolvimento que preservem e recuperem o Cerrado.

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Ainda prevalece a visão de que o Cerrado não é um patrimônio do povo brasileiro, já que ele não foi reconhecido como tal na Constituição de 1988. O projeto de lei 504, que busca reparar esse absurdo, há mais de dez anos está para ser votado no Congresso Nacional, mas não avança. Parece que a maioria do parlamento brasileiro não entende a relevância do bioma, ou quer mesmo que o Cerrado seja totalmente substituído pelo agronegócio.

Este é um desafio fundamental que está a cargo do Congresso Nacional: aprovar o projeto de lei que transforma o Cerrado e a Caatinga em patrimônio da União e também impedir a aprovação de leis que prejudicam o bioma e aumentam o desmatamento. É preciso dar um freio na ação predatória de projetos irresponsáveis que surgem no Congresso Nacional.

O começo dessa reversão pode começar nas próximas eleições municipais, onde todos nós como sociedade, poderemos apoiar e eleger candidatos a prefeito e a vereador comprometidos com o Cerrado, com sua preservação e com a mudança do modelo de desenvolvimento nesse bioma.

O Cerrado na capital federal está, hoje, sob ataque de políticas públicas promovidas pelo GDF. As revisões Plano Diretor de Ordenamento Territorial, o PDOT, e as alterações feitas no Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, o PPCUB, trazem forte  incentivo à especulação imobiliária desconsiderando a sensibilidade do território e a preservação do que resta do Cerrado, colocando em risco as nossas nascentes.

Precisamos de um sério combate ao crime ambiental, ao parcelamento irregular e à grilagem de terras no Distrito Federal. Da mesma forma, projetos de governo que podem trazer perdas irreparáveis às áreas de recarga de aquífero, comprometendo a disponibilidade hídrica em tempos de extremos climáticos, precisam ser combatidos e denunciados.

O Fórum de Defesa das Águas do Distrito Federal, juntamente com suas entidades e  parceiros, não vai parar de mobilizar e reivindicar políticas públicas estratégicas, consistentes e transversais para o Bioma Cerrado.

Reafirmamos no Dia Nacional do Cerrado nosso compromisso com as lutas de todas a regiões que enfrentam o parcelamento criminoso do solo, o projeto de rodovia às margens da estação ecológica de Águas Emendadas, a poluição do Rio Melchior, os projetos habitacionais em áreas sensíveis comprometendo as nascentes, as áreas de proteção de mananciais, e seguiremos cobrando de todos os órgãos competentes ações eficientes e estratégicas para mudar esse quadro.

*Pedro Ivo Batista, presidente da Associação Terrazul e membro do Conama.

**Lúcia Menezes, presidente da Associação Preserva Serrinha, ambos da Coordenação Nacional do Fórum em Defesa das Águas do DF.

Na imagem, o fogo devasta o bioma Cerrado / Agência Fapesp

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