Extremismo ideológico no pensamento ecológico

Extremismo ideológico no pensamento ecológico

Hoje, alguns pensadores são capazes de aceitar plenamente a crítica materialista levantada contra o idealismo ingênuo. Tentam reformular o problema ecológico com base nessa visão materialista.

Jason W. Moore, um historiador e sociólogo marxista, cuja obra principal intitula-se Antropoceno ou Capitaloceno? Natureza, História e a Crise do Capitalismo (2022), apresenta a ideia central de a crise ecológica não é “a humanidade” em geral como dizem muitos ambientalistas idealistas. Denuncia, mais uma vez, o sistema capitalista histórico.

O capitalismo não só explora trabalho, mas também explora natureza — e precisa de “natureza barata”, isto é, recursos naturais e energia) para se reproduzir. Está em crise a capacidade do capitalismo de obter “natureza barata”, devido à exaustão ambiental.

Sua resposta prática é não bastar a educação dos indivíduos ou mudança de comportamentos. É necessária uma transformação sistêmica para reorganizar profundamente a matriz energética, alimentar e urbana. Só será possível ela ocorrer em momento de crise estrutural – e não por vontades pessoais isoladas.

Andreas Malm, um teórico eco-marxista, cujas obras mais conhecidas denominam-se “Fóssil Capital” (2016) e “Como Explodir um Oleoduto: Aprendendo a Lutar em um Mundo em Chamas” (2021), denuncia o chamado de capitalismo fóssil (baseado em petróleo, carvão, gás) ser materialmente entranhado nas estruturas produtivas e logísticas do mundo moderno. Logo, não haverá transição ecológica espontânea.

Só conflitos sociais intensos e ações políticas disruptivas (até mesmo sabotagem e resistência ativa contra infraestrutura fóssil) conseguirão abrir espaço real para a mudança. Sua resposta prática é inconsequente em termos de preservação da democracia liberal. Propõe luta política, sabotagem de infraestruturas destrutivas, organização coletiva em grande escala — e não apenas “conscientização”.

Outro pensador, Kohei Saito, um economista político japonês), com a obra recente “Socialismo Decrescentista” é mais moderado, porém, não é sensato sob o ponto de vista da periferia ou Sul Global. Defende a única saída sustentável ser decrescer a produção material, principalmente nas economias ricas, e redistribuir radicalmente a riqueza existente.

Sem crescimento, o capitalismo não sobrevive. Portanto, uma transição ecológica exigiria superar o capitalismo, não o reformar. Parece ser um revival da velha crítica comunista à socialdemocracia…

Sua resposta prática exigiria redução programada da produção industrial supérflua, reorganização de trabalho e consumo em moldes não capitalistas e políticas públicas massivas. Tudo isso exige cooperação internacional.

AutorDiagnósticoResposta Prática
Jason W. MooreCrise da lógica do “barato” no capitalismoTransformação sistêmica em tempos de crise estrutural
Andreas MalmImbricação do capitalismo fóssil nas infraestruturas produtivasAção política disruptiva, inclusive sabotagem
Kohei SaitoIncompatibilidade entre
capitalismo e sustentabilidade
Socialismo ecológico com decrescimento e redistribuição

Esses autores reconhecem não ser possível mudar o mundo material apenas por força de consciência, a transformação exigiria crise, conflito e reconfiguração estrutural profunda. Não haveria retorno histórico e seria necessário um novo tipo de organização social e econômica – e não a regressão a formas comunitárias do passado. Portanto, não rejeitam a modernidade tecnológica em si, mas criticam a forma capitalista de organizá-la.

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As propostas desses pensadores confrontam diretamente os limites da democracia liberal tal como conhecemos hoje. A democracia contemporânea é baseada em direitos individuais, propriedade privada, economia de mercado, crescimento econômico contínuo. Qualquer proposta de decrescimento, sabotagem ou reestruturação radical da produção desafia esses pilares.

Se o crescimento da renda pessoal é essencial para manter a estabilidade política e social, então decrescer a economia, restringir consumo e redistribuir riqueza só seria possível com forte intervenção estatal, restrições a liberdades de mercado e mudanças profundas na organização social. Trata-se de uma ruptura com o modelo liberal-democrático tradicional.

Eles reconhecem isso com diferentes graus de clareza ou radicalismo extremista.

AutorReconhecimento do
problema democrático
Proposta sobre
a forma de governo
Jason W. MooreImplícito: crise sistêmica gera rupturasOrganização social emergente, ainda indefinida
Andreas MalmExplícito: necessidade de ações coercitivas“Estado de emergência ecológica” com ações autoritárias
Kohei SaitoImplícito: fim do capitalismo demanda nova governançaSocialismo ecológico democrático (idealmente)

Andreas Malm é o autoritário mais explícito, porque defende medidas de exceção (“estado de emergência climática”) como forma de intervenção, aceitando isso implicar em suspender certos direitos individuais temporariamente. Portanto, a seguir seu pensamento, haveria sim riscos reais de autoritarismo.

Para ele, implementar uma transformação tão profunda, sem adesão voluntária e imediata da maioria, seria necessário forçar mudanças, limitar liberdades econômicas, priorizar objetivos coletivos sobre direitos individuais.

Isso caracteriza, classicamente, os regimes totalitários. Mesmo sendo, no discurso, “por uma boa causa” (salvar o planeta), o método é antidemocrático e execrável!

Esse argumento a respeito do atual dilema histórico lembra grandes conflitos históricos. A Revolução Francesa, em nome da liberdade e igualdade, instaurou o Terror. A Revolução Russa, em nome da emancipação proletária, instaurou o totalitarismo.

No caso ecológico, em nome da “salvação ambiental global”, se instalaria formas de poder intervencionista e coercitivo. Haveria o risco de instaurar novas formas de dominação e repressão, talvez até mais severas diante as do passado.

Portanto, essas citadas propostas ecológico-materialistas radicais têm potencial autoritário. Mesmo caso não desejem explicitamente um “Estado totalitário”, os instrumentos necessários para suas metas podem levar a centralização do poder, redução de liberdades individuais, governança tecnocrática coercitiva.

O paradoxo maior é, para salvar a liberdade ecológica do futuro, sacrificar liberdades políticas do presente!

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