A ascensão da extrema-direita

A ascensão da extrema-direita

POR CELSO JAPIASSU

A ascensão da extrema-direita é um fenômeno político que vem caracterizando o princípio do nosso século e repete a história dos primeiros anos do século passado. Mas não como farsa, ao contrário do que dizia Marx. Configura talvez nova tragédia. Traz impactos profundos tanto na Europa quanto pelo mundo afora e o crescimento desses movimentos radicais de direita reflete mudanças sociais, econômicas e culturais. E ameaça o futuro das democracias.

Na Europa, partidos de extrema-direita deixaram de ser forças marginais para se tornarem protagonistas em vários países. Após a consolidação do Fidesz de Viktor Orbán na Hungria e do FPÖ na Áustria, o fenômeno espalhou-se para grandes economias como Alemanha, França, Itália e Países Baixos. Em Portugal, o Chega, fundado em 2019, saltou de um único deputado para 58 parlamentares nessas últimas eleições em 2025, tornando-se a terceira força política do país empatado com o histórico Partido Socialista.

Na Alemanha, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) alcançou o maior resultado da sua história nas eleições europeias, mesmo enfrentando escândalos e exclusão de grupos parlamentares devido a declarações de teor nazista de seus líderes. Na França, o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen superou o partido do presidente Macron nas eleições europeias, levando à dissolução da Assembleia Nacional e à convocação de novas eleições. Na Itália, Giorgia Meloni lidera o governo desde 2022, à frente do pós-fascista Fratelli d’Italia, em coligação com outros partidos conservadores e de extrema-direita.

Nos Países Baixos, Geert Wilders, conhecido pelo discurso anti-imigração e eurocético, lidera o maior partido do parlamento e integra a coligação que está no governo. Na Suécia e na Finlândia, partidos de extrema-direita também participam de coligações ou influenciam diretamente decisões do executivo.

O avanço da extrema-direita costuma ser ligado às incertezas econômicas e às crises financeiras, o desemprego, a precariedade da vida das classes médias e pelas questões migratórias. O forte aumento da imigração após crises humanitárias passa a ser explorado pelos partidos que defendem políticas restritivas e nacionalistas.

As classes médias passaram a ter a percepção de que as elites políticas tradicionais não respondem aos desejos da população, o que fortalece o discurso anti-establishment e a defesa de uma identidade nacional ou cristã, muitas vezes em oposição à integração europeia ou à diversidade cultural.

A crise financeira de 2008 e suas consequências prolongadas, o desemprego elevado, o trabalho precário e as medidas ditas de austeridade geraram insatisfação generalizada. A sensação de empobrecimento e a percepção de que o Estado não consegue garantir o bem-estar social tradicional alimentam o descontentamento e a procura por soluções radicais.

O fluxo de imigrantes e refugiados, após os conflitos no Médio Oriente e na África, intensificou o medo do desemprego, da segurança e identidade cultural. Muitos veem os imigrantes como concorrentes por recursos escassos ou como ameaça ao país autêntico. A globalização e a integração europeia trouxeram uma sensação de perda de identidade nacional para parte da população. O crescimento de minorias e a diversidade cultural são apresentados por partidos de extrema-direita como fatores de ameaça à “tradição” e aos valores nacionais, fomentando o ressurgimento do nacionalismo e a defesa de fronteiras mais rígidas.

Há grande desconfiança nas elites políticas. O desencanto com promessas não cumpridas e escândalos de corrupção reforçam o apelo de líderes que se apresentam como “outsiders” e defensores do povo. As redes sociais facilitaram a propagação de discursos extremistas, teorias de conspiração e notícias falsas, ignoradas ou bloqueadas pelos meios de comunicação tradicionais. Isso permitiu que ideias discriminatórias e populistas alcançassem um público mais amplo e mobilizassem eleitores insatisfeitos.

O medo do “outro”, o estrangeiro, e a insegurança em relação ao futuro são alimentados por narrativas que associam imigrantes, minorias e mudanças sociais a ameaças à ordem, à segurança e ao modo de vida tradicional. Mesmo em regiões com poucos imigrantes, o discurso de ameaça é eficaz, mostrando que o fenômeno é movido mais por percepções e narrativas do que por dados objetivos.

Impacto global

É um movimento que não se limita à Europa. Nos Estados Unidos, Donald Trump consolidou o trumpismo como força dominante no Partido Republicano e influenciou movimentos similares em outros países. Na Argentina, Javier Milei, com um discurso ultraliberal e antissistema, venceu as eleições presidenciais de 2023. O avanço da direita e da extrema-direita também se observa em países do G7 e em grandes democracias globais, impulsionado por crises econômicas, polarização política e insatisfação popular.

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Esse aparente sucesso da extrema-direita desafia o modelo democrático liberal e promove políticas restritivas à imigração, direitos civis e integração internacional. No Parlamento Europeu, forças de extrema-direita já constituem o terceiro maior grupo, o Patriotas pela Europa, com influência crescente sobre a agenda política, especialmente em temas como soberania nacional, segurança e valores tradicionais.

O crescimento desses movimentos representa um teste à resiliência das democracias e mesmo ao futuro do projeto da União Europeia. As eleições europeias e nacionais nos próximos anos serão decisivas.

“A ascensão de nacionalistas e demagogos é um perigo não só para nossa nação, mas também para a Europa e para o lugar da França na Europa e no mundo”, disse o presidente da França Emmanuel Macron,

Imigração

A imigração é um dos principais pilares do discurso político da extrema direita, explorando medos e inseguranças para justificar políticas restritivas e nacionalistas. O argumento é mobilizado pela associação da imigração ao aumento da criminalidade e ao risco de infiltração terrorista, sobretudo quando se trata de migrantes que chegam do Médio Oriente e Norte da África. Essa associação serve de base para defender o controle das fronteiras e o fortalecimento das políticas de segurança.

O discurso apresenta os migrantes como concorrentes diretos dos trabalhadores nacionais, principalmente nos setores de baixa qualificação. Os imigrantes seriam culpados pelo aumento do desemprego, a precarização do trabalho e a baixa dos salários, além de sobrecarregarem os sistemas de proteção social e os serviços públicos.

Alguns partidos e seus líderes usam teorias de conspiração como o chamado “Plano Kalergi”. Trata-se de algo como uma conspiração internacional de elites políticas e econômicas para importar milhões de trabalhadores da Ásia e da África e misturá-los com as “raças europeias”. O objetivo seria criar um híbrido humano que seja fraco e fácil de manipular, aumentar a disponibilidade de mão-de-obra barata e, finalmente, acabar com a “raça branca”.

O site esquerda.net (https://www.esquerda.net/), editado pelo Bloco de Esquerda de Portugal, advertiu que os movimentos de esquerda, em todos os países – com algumas exceções – não perceberam o perigo. Não viu a onda castanha, como foram denominados os movimentos de extrema direita, que estava a se preparar e não achou necessário tomar a iniciativa de uma mobilização antifascista. Para certas correntes da esquerda, a extrema-direita não é mais do que um produto da crise e do desemprego, sendo estas as causas que se deve atacar, e não ao fenômeno do fascismo em si. Estes raciocínios tipicamente economicistas, diz esquerda.net, desarmaram a esquerda perante a ofensiva ideológica racista, xenófoba e nacionalista da extrema-direita.

O Bloco de Esquerda acaba de perder as recentes eleições em Portugal e quase desapareceu. Elegeu apenas um único representante para a Assembleia da República, uma combativa deputada chamada Mariana Mortágua.


Foto de capa: presidente da Hungria Viktor Orbán

(Elekes Andor/Wikimedia Commons)

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