Acnudh aponta repressão severa na Nicarágua
Por Correspondente da IPS
GENEBRA – O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) alertou que a situação das garantias fundamentais continua se deteriorando na Nicarágua, com o aumento constante do poder do Estado para reprimir a dissidência.
“No país impera um clima repressivo e de grande severidade”, afirmou a alta comissária adjunta para os Direitos Humanos, Nada Al Nashif, durante a apresentação de um relatório oral no Conselho de Direitos Humanos da ONU, composto por 47 nações, na cidade suíça.
Ela destacou as capacidades do governo em monitorar e processar judicialmente atividades que considere politicamente motivadas, incluindo nas redes sociais.
Nada Al Nashif também denunciou que o governo tem retirado a nacionalidade e os bens de cidadãos, deixando muitos apátridas. De acordo com fontes da oposição no exílio, ao menos 500 pessoas já foram privadas de sua nacionalidade nicaraguense.
Em 22 de novembro, a Assembleia Nacional da Nicarágua aprovou uma emenda à Constituição que amplia o mandato presidencial de cinco para seis anos, eleva o papel da vice-presidência à categoria de “co-presidência” e elimina a proibição constitucional de censurar a imprensa.
O presidente Daniel Ortega governa o país desde 2006, como líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional, enquanto sua esposa, Rosario Murillo, é vice-presidente desde 2017 e poderá ser promovida a co-presidente com a reforma constitucional.
A reforma também permite suspender todos os direitos fundamentais durante um estado de emergência e reduz os critérios para a intervenção do exército em operações policiais internas, que agora podem ser solicitadas pelo governo em nome da “estabilidade do Estado”.
Para Al Nashif, essas mudanças “têm como objetivo concentrar ainda mais poder na presidência e criminalizar qualquer voz dissidente”.
“Isso enfraquece ainda mais a democracia e aprofunda a repressão ao espaço cívico, gerando maior ansiedade dentro e fora da Nicarágua, especialmente entre os exilados”, acrescentou.
Segundo o relatório, na Nicarágua continuam ocorrendo detenções arbitrárias de opositores políticos, líderes indígenas, defensores de direitos humanos e figuras religiosas, além de relatos frequentes de tortura e desaparecimentos forçados.
Al Nashif destacou que a situação é especialmente grave para comunidades indígenas na Região Autônoma da Costa Caribe Norte, onde violência e agressões sexuais cometidas por colonos não indígenas persistem.
As reformas constitucionais incluem muitas disposições que permitem interferências legislativas, judiciais e eleitorais, além de pontos ambíguos que restringem garantias fundamentais, como a liberdade de expressão e o direito à reunião pacífica.
“Também não há reconhecimento explícito da proibição da tortura, o que é particularmente preocupante”, sublinhou.
Ela mencionou ainda que muitos cidadãos tiveram seus bens confiscados.
Nesse contexto, pediu o rejeitamento das mudanças constitucionais, a libertação imediata dos detidos, o fim das torturas e desaparecimentos forçados e a restauração das instituições democráticas por meio do diálogo em benefício da população nicaraguense.
Al Nashif também apelou à comunidade internacional para intensificar o apoio a esses esforços.
Enquanto isso, em Washington, o governo de Joe Biden anunciou a abertura de uma investigação sobre violações de direitos humanos e trabalhistas na Nicarágua, o que pode afetar as relações comerciais entre os países.
“Relatórios indicam que o governo nicaraguense está envolvido em atos repressivos que prejudicam os próprios trabalhadores e o povo, enfraquecem a concorrência justa e desestabilizam nossa região”, afirmou Katherine Tai, representante comercial dos Estados Unidos, em comunicado.
Ambos os países são signatários do Tratado de Livre Comércio entre América Central e República Dominicana (Cafta-DR), integrado por Estados Unidos, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana.
Os Estados Unidos são o principal parceiro comercial da Nicarágua, recebendo cerca de 38% das exportações anuais do país, que somam 6 bilhões de dólares.
*Imagem em destaque: Vista de Manágua, ao sul do lago de mesmo nome, capital da Nicarágua (Pxfuel).
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz
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