Eleições para o Judiciário no México: Uma miragem democrática

Eleições para o Judiciário no México: Uma miragem democrática

Por Inés M. Pousadela*

MONTEVIDÉU (IPS) – Em 1º de junho, o México fez história ao se tornar o único país do mundo a eleger todos os seus juízes por voto popular, desde magistrados locais até juízes da Suprema Corte. Nesse processo sem precedentes, os eleitores mexicanos escolheram candidatos para 881 cargos judiciais federais, incluindo todos os nove juízes da Suprema Corte, além de milhares em nível local em 19 estados. No entanto, o que o governo anunciou como uma transformação que tornou o México o “país mais democrático do mundo” pode se revelar um engano perigoso.

Independência do Judiciário sob ataque

A eleição foi o ponto culminante de uma polêmica reengenharia constitucional promovida pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador e adotada por sua sucessora, a presidente Claudia Sheinbaum.

O partido governista Movimento de Regeneração Nacional (Morena) promoveu a mudança como uma medida democrática ousada para eliminar a corrupção, aumentar a transparência e tornar os juízes responsáveis perante o povo e não perante as elites políticas ou econômicas. Mas essa narrativa mascarou uma realidade mais preocupante. A reforma judicial foi a peça final de um ataque sistemático às instituições que controlavam o poder executivo durante a presidência de López Obrador. Entre 2018 e 2024, o Instituto Nacional Eleitoral enfrentou repetidos cortes orçamentários e ataques legislativos. O Instituto Nacional de Acesso à Informação Pública foi eliminado no final de 2024, deixando a supervisão do acesso à informação pública nas mãos de uma secretaria dependente do executivo.

O judiciário se tornou o principal alvo depois que a Suprema Corte repetidamente derrubou as principais propostas legislativas de López Obrador por considerá-las inconstitucionais. O presidente respondeu com críticas públicas agressivas, acusando os juízes de corrupção e cortando o orçamento do judiciário. Quando a Suprema Corte invalidou sua tentativa de colocar a Guarda Nacional civil sob comando militar, López Obrador declarou que o judiciário precisava ser democratizado.

Após a vitória esmagadora de Sheinbaum em junho de 2024, quando ela venceu com quase 60% e Morena garantiu uma supermaioria no Congresso, o governo cessante introduziu emendas constitucionais como parte do “Plano C”, tendo como peça central as eleições judiciais. Apesar dos protestos de funcionários do judiciário, estudantes e grupos de oposição, o projeto de lei foi aprovado em setembro.

O novo sistema substituiu as nomeações com base no mérito por um processo em que os candidatos são pré-selecionados por Comitês de Avaliação controlados pelos poderes executivo, legislativo e judiciário antes de serem submetidos a eleições populares. Os mandatos judiciais foram encurtados e alinhados aos ciclos políticos, enquanto os salários judiciais agora estão vinculados aos do presidente, dando efetivamente ao executivo o controle sobre a remuneração judicial, violando os padrões internacionais que exigem financiamento judicial estável e politicamente independente.

Outro desenvolvimento preocupante é o novo Tribunal Disciplinar Judicial, cujos cinco membros eleitos pelo povo têm amplos poderes para investigar e sancionar funcionários do judiciário por meio de decisões finais e irrecorríveis. Esse tribunal ameaça se tornar uma ferramenta de intimidação política contra juízes que decidem contra os interesses do governo, prejudicando fundamentalmente a independência judicial.

Efeito corrosivo sobre os direitos

No fim das contas, as eleições judiciais tiveram um comparecimento de apenas 13% dos eleitores, anos-luz dos 61% que votaram na última eleição geral. Isso sugeriu uma desconexão pública generalizada do processo, questionando a legitimidade democrática que seus proponentes alegavam buscar. A complexidade de escolher entre tantos candidatos desconhecidos parece ter desencorajado muitos eleitores.

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É preocupante o fato de que dezenas de candidatos foram identificados como tendo possíveis vínculos com cartéis de drogas, inclusive o ex-advogado de defesa do famoso chefão das drogas Joaquín “El Chapo” Guzmán, que foi eleito no estado de Chihuahua. A vulnerabilidade à infiltração criminosa é particularmente alarmante devido ao contexto do México, onde a violência política atingiu níveis sem precedentes – com pelo menos 32 candidatos e 24 funcionários públicos assassinados durante a campanha de 2024 – e onde as organizações criminosas exercem controle governamental de fato em muitos territórios.

A comunidade internacional reagiu com condenação. O Laboratório de Impacto do Estado de Direito da Faculdade de Direito de Stanford juntou-se à Ordem dos Advogados do México para apresentar um amicus curiae – amigo da corte – perante a Suprema Corte mexicana, contestando a constitucionalidade da reforma. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos expressou “grave preocupação” com a independência judicial, o acesso à justiça e o Estado de Direito. Essas preocupações foram reiteradas pelo Relator Especial das Nações Unidas sobre a independência de juízes e advogados e pela International Bar Association.

As eleições judiciais provavelmente terão um efeito corrosivo sobre a democracia e os direitos humanos. Ao tornar os juízes responsáveis por maiorias populares em vez de princípios constitucionais, o novo sistema provavelmente enfraquecerá a proteção de grupos excluídos, incluindo mulheres, migrantes e comunidades indígenas que dependem da intervenção judicial para proteção contra a discriminação.

As primeiras análises sugerem que os juízes alinhados com o partido governista tiveram um bom desempenho nas eleições, o que pode dar ao Morena uma influência sem precedentes sobre a tomada de decisões judiciais. Do ponto de vista do governo, as eleições parecem ter alcançado seu objetivo político subjacente: consolidar o controle em todos os ramos do governo. Isso elimina os mecanismos de prestação de contas necessários para evitar a deriva autoritária.

A experiência do México destaca a perigosa tensão entre o populismo e a democracia constitucional. Com menos barreiras institucionais remanescentes para impedir uma maior concentração de poder, as instituições democráticas do país enfrentam agora seu maior teste. Para o resto do mundo, o México oferece uma história de advertência sobre como as reivindicações populistas de legitimidade democrática podem minar sistematicamente as bases institucionais das quais a democracia depende.

*Inés M. Pousadela é especialista sênior em pesquisa da CIVICUS**, codiretora e redatora da CIVICUS Lens e coautora do Relatório sobre o Estado da Sociedade Civil.

**A CIVICUS é uma organização internacional sem fins lucrativos voltada para os direitos civis e a ação cidadã. Foi fundada em 1993 e tem sede em Joanesburgo, África do Sul.

Na imagem, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, vota na eleição para o Judiciário em 1.o de junho / Reprodução

Este texto foi publicado originalmente pela Inter Press Service (IPS)

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