ONU destaca desafios do Chile no acesso universal à saúde e pede ações
Por Corresponde da IPS
SANTIAGO – O Chile tem a responsabilidade de alinhar sua Constituição com as normas internacionais de direitos humanos, garantindo assim o direito à saúde para todos os seus cidadãos. A afirmação foi feita por Tlaleng Mofokeng, relatora especial das Nações Unidas sobre o direito à saúde, após a conclusão de sua visita oficial ao país nesta quarta-feira, 4 de dezembro.
Segundo Mofokeng, “os grupos poderosos que representam interesses no setor da saúde com fins lucrativos tendem a atuar sem as necessárias garantias de direitos humanos no Chile.” Ela destacou a preocupação expressa por muitos, de que, no Chile, a saúde não é tratada como um direito, mas como um negócio. “O Chile precisa priorizar o financiamento da saúde e garantir uma distribuição equitativa dos recursos”, afirmou.
Mofokeng também reconheceu os esforços do governo para enfrentar desafios como a saúde mental, saúde sexual e reprodutiva, além das desigualdades no sistema de saúde público e privado. A especialista destacou que o governo tem a obrigação de assegurar igualdade de acesso aos serviços de saúde oferecidos por prestadores privados.
Sua visita e declarações ocorreram em meio a um crescente número de queixas de cidadãos sobre as seguradoras de saúde privadas do país, conhecidas como Isapres (institutos de saúde previsional). Essas seguradoras, que atendem cerca de 3,5 milhões de afiliados, foram obrigadas por uma lei sancionada em maio a devolver valores cobrados em excesso, totalizando cerca de 1,4 bilhões de dólares. No entanto, a lei concede até 13 anos para a devolução, o que gerou insatisfação entre os beneficiários.
Outro problema abordado por Mofokeng foi a longa espera por atendimentos médicos, com milhões de pessoas aguardando por diagnósticos, exames e tratamentos. “Médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde relataram cargas de trabalho excessivas e níveis de estresse insustentáveis, agravados pela frustração dos pacientes com os atrasos”, disse a especialista, que atua por mandato do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Mofokeng também pediu ao Congresso chileno que revise a restritiva lei do aborto, que permite a interrupção voluntária da gravidez apenas em três situações: risco para a vida da mãe, inviabilidade do feto ou gravidez resultante de estupro. Além disso, a lei permite que profissionais de saúde exerçam objeção de consciência, o que pode tornar os serviços de aborto inacessíveis em hospitais e centros de saúde que se declarem como “objetores de consciência”.
A relatora elogiou avanços recentes, como a ratificação da Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho sobre violência no trabalho e a criação da Lei Karin, que promove ambientes de trabalho saudáveis.
Durante sua visita, Mofokeng conheceu o hospital La Posta Central, o maior centro de urgências traumatológicas da capital chilena, e o Hospital Makewe, em Temuco, no sul do país. Este último é administrado pela comunidade indígena mapuche e combina a medicina ocidental com práticas de cura tradicionais. “Ouvimos histórias de pacientes cuja saúde física e espiritual melhorou graças aos conhecimentos tradicionais, que são fundamentais para o processo de cura e que a medicina ocidental complementa”, afirmou Mofokeng.
A saúde mental foi um tema central durante toda a visita. Mofokeng mencionou o aumento da demanda por serviços devido ao trauma intergeracional causado pela ditadura militar de 1973-1990, à militarização das terras indígenas e às lesões decorrentes do levante social de 2019. Por fim, a relatora concluiu que, em sua opinião, “o Chile pode superar o trauma de seu passado e alcançar um futuro de prosperidade e recuperação da dignidade para todo o seu povo.”
*Imagem em destaque: Vista do hospital Makewe, em Temuco, no sul do Chile, que combina a medicina ocidental com a tradicional mapuche (Jesús Antona/MIL)
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz
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