Para onde foi a pobreza?

Para onde foi a pobreza?

Por Michelle Muschett e Sabina Alkire*

NOVA YORK / OXFORD, REINO UNIDO – A polarização política, a emergência climática, o crime organizado, a migração e o baixo crescimento econômico dominam atualmente o debate público na América Latina e no Caribe (ALC), e isso é compreensível. No entanto, há um desafio estrutural significativo ao desenvolvimento humano e à própria democracia que, juntamente com as desigualdades, está na raiz dessas crises: a pobreza.

Hoje, 181 milhões de pessoas, 29% da população da região, vivem na pobreza monetária, e 33 milhões sofrem de pobreza multidimensional aguda (considerando apenas os países com dados disponíveis). Avançar em direção a uma ALC próspera e resiliente requer colocar a pobreza em todas as suas formas e dimensões de volta ao centro do debate público e abordar novas respostas por meio de políticas públicas.

Nas últimas décadas, a região reduziu significativamente a pobreza aproveitando o crescimento econômico impulsionado pelo boom das commodities e a introdução de políticas públicas inovadoras focadas na solução desse problema, como transferências de renda condicionadas — esquemas em que dinheiro é dado a famílias em situação de pobreza em troca de investimentos específicos em desenvolvimento humano, como garantir a frequência escolar ou a participação em campanhas de vacinação.

No entanto, essa tendência começou a se reverter dois anos antes da pandemia.

Revitalizar a agenda de redução da pobreza exige retomar essa capacidade inovadora e a vontade política. Já fizemos isso no passado, devemos fazê-lo novamente, e é possível. A proposta recente do Brasil ao G20 para promover uma Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza é um excelente passo nessa direção.

Para isso, será essencial compreender e medir melhor as múltiplas formas e dimensões da pobreza, garantir uma coordenação interinstitucional eficaz para o desenho e a implementação de políticas, e aprimorar o direcionamento e a alocação de recursos por meio de novos instrumentos de planejamento. Dado o contexto de baixo crescimento econômico e espaço fiscal limitado, a eficiência é fundamental para acelerar conquistas significativas.

Garantir que as pessoas em situação de pobreza tenham as capacidades e oportunidades para viver a vida que desejam requer ferramentas que capturem suas realidades e experiências, incluindo as múltiplas privações que as afetam em diferentes dimensões do bem-estar e que vão além da falta de renda.

Não ter acesso à educação, à água ou à saúde, entre outros, são privações significativas que podem ou não estar correlacionadas com a renda — uma pessoa pode ter renda suficiente para não ser considerada pobre e ainda assim não ter acesso à saúde porque não há hospital próximo à sua comunidade.

O Índice de Pobreza Multidimensional Global (MPI), lançado pelo PNUD e pela OPHI em 2010, complementa a medição e a análise da pobreza monetária extrema com informações sobre a situação das pessoas em múltiplas dimensões socioeconômicas.

O MPI foi adotado por países ao redor do mundo como uma medida oficial de pobreza, complementando as medidas baseadas na renda e focando nas prioridades de cada país, transformando-as em ferramentas eficazes de políticas públicas que permitem uma identificação mais precisa de quem e onde estão os pobres, e como isso varia por idade, gênero, território e etnia.

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A América Latina tem sido pioneira na adoção de MPIs nacionais, com 12 países e duas grandes cidades — Cidade do México e Bogotá — e pode mais uma vez ser uma referência na redução da pobreza. O sucesso das transferências de renda condicionadas no passado representou um salto quantitativo na utilidade dos dados sobre pobreza monetária.

É hora de replicar esse sucesso desenvolvendo novas políticas transformadoras que tenham o mesmo efeito sobre a utilidade dos dados multidimensionais, aproveitando as possibilidades de planejamento, articulação de políticas e monitoramento proporcionadas pelas ricas informações obtidas do uso complementar de ambas as medidas.

Em Honduras, por exemplo, dados multidimensionais foram usados para identificar melhor a população com as maiores vulnerabilidades como resultado da Covid-19 e para orientar de forma mais precisa os apoios financeiros.

Por outro lado, uma articulação clara entre outras políticas nacionais e as metas de redução da pobreza também será crucial para alcançar um impacto maior. Políticas como as relacionadas à produtividade, energia ou mudança climática são frequentemente definidas de maneira setorial, apesar de seu potencial para acelerar a redução da pobreza.

Esses vínculos precisam ser formalizados. Também é importante convidar atores além do setor público a incorporar essas análises e ações para acelerar a redução da pobreza como parte de suas estratégias de desenvolvimento. Por exemplo, a associação de produtores de gás natural da Colômbia (Naturgas) criou um índice de municípios estratégicos.

Isso incorpora explicitamente uma dimensão de equidade por meio de variáveis relacionadas à pobreza, ao lado de variáveis de negócios geralmente utilizadas por empresas privadas em seus processos de tomada de decisão. Esse índice gera incentivos para investir em áreas de maior pobreza, respeitando a busca natural de lucro dessas empresas.

Se quisermos retomar o caminho em direção à erradicação da pobreza em todas as suas dimensões, devemos colocar a pobreza e a desigualdade de volta à agenda pública, promovendo espaços de diálogo, colaboração e consenso em torno de políticas públicas inovadoras e transformadoras que nos permitam avançar em direção a sociedades mais iguais e inclusivas.

Só assim estaremos no caminho para alcançar o desenvolvimento sustentável na ALC. Não podemos mais esperar e devemos dar o salto necessário na inovação pública para um bem-estar e desenvolvimento humano que não deixem ninguém para trás.

Michelle Muschett é diretora do Escritório Regional para a América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

*Sabina Alkire é diretora da Iniciativa Oxford de Pobreza e Desenvolvimento Humano (OPHI) da Universidade de Oxford.

Foto: Reprodução

Este texto foi publicado originalmente pela Inter Press Service (IPS)

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