Por que é tão difícil mudar? Percepções do Relatório de Desenvolvimento Humano de 2024 sobre o Chile

Por Javier Bronfman
Como muitos países de renda média do mundo, o Chile se encontra em um momento crítico. O país fez progressos significativos nas últimas décadas em termos de crescimento econômico e redução da pobreza, mas ainda restam muitos desafios estruturais.
O Relatório de Desenvolvimento Humano do Chile de 2024 destaca alguns dos problemas mais urgentes que o país enfrenta atualmente, respondendo a uma pergunta fundamental: Por que é tão difícil mudar? No centro dessa questão estão fatores institucionais, culturais e socioeconômicos que dificultaram a implementação de reformas significativas.
Dificuldades institucionais
O cenário político e legislativo do Chile tem se tornado cada vez mais fragmentado, criando um impasse que impede a aprovação de reformas muito necessárias. O relatório enfatiza como a estrutura institucional do país e, especialmente, como os partidos políticos e o sistema eleitoral fomentam uma cultura de vingança que promoveu um bloqueio constante da legislação e das reformas necessárias.
O sistema político do Chile, caracterizado por um sistema multipartidário com facções altamente polarizadas, tem enfrentado cada vez mais dificuldades para encontrar pontos em comum e chegar a acordos. O impasse legislativo surge quando os partidos não conseguem colaborar, levando à paralisação das políticas.
Esse impasse institucional é exacerbado pela exigência de supermaiorias para aprovar reformas importantes, especialmente emendas constitucionais, o que torna extremamente desafiador abordar questões profundamente enraizadas como educação, reforma previdenciária ou acesso à saúde.
Embora haja consenso sobre quais reformas são necessárias, observamos uma cultura predominante de vingança que acaba bloqueando a maior parte dos esforços de reforma política. O discurso político tem se tornado cada vez mais contraditório, tornando quase impossível a cooperação entre as divisões políticas.
Em vez de se concentrar em questões de política, a energia política é frequentemente gasta em ataques de caráter e em minar a oposição. Como resultado, o público se torna cada vez mais cínico e a confiança no processo político diminui.
A incapacidade de promover uma cultura de diálogo e respeito mútuo entre os atores políticos impede qualquer mudança significativa de longo prazo. Os políticos ficam presos em batalhas de curto prazo que perpetuam um ciclo de vingança, polarizando ainda mais a sociedade e tornando as reformas estruturais ainda mais difíceis de serem realizadas, enquanto as pessoas esperam que as coisas mudem.
Dificuldades em conciliar crescimento e desigualdade: falta de perspectivas futuras
O relatório também identifica uma crescente crise do futuro, uma profunda sensação entre muitos chilenos, especialmente entre os jovens, de que o futuro é incerto e precário.
Essa “crise do futuro” é caracterizada pela falta de oportunidades claras de progresso, seja em termos de mobilidade social, perspectivas de carreira ou qualidade de vida em geral.
Em uma sociedade onde a desigualdade persiste, muitos jovens sentem que os caminhos tradicionais para o sucesso, como educação e emprego, não garantem mais um futuro melhor. O aumento do custo de vida, combinado com a dificuldade de encontrar empregos seguros e bem remunerados, contribui para um sentimento de desesperança.
Essa crise não é apenas econômica; é também emocional e psicológica, pois cada vez mais chilenos se sentem desconectados da ideia de progresso e desenvolvimento pessoal.
Esse sentimento de um “futuro perdido” também é agravado pela ameaça existencial da mudança climática, que está atingindo o Chile de forma particularmente dura. De secas severas a incêndios florestais devastadores, as crises ambientais corroem ainda mais qualquer senso de estabilidade, reforçando a sensação de que o futuro é incerto e cheio de riscos.
Um caminho a seguir
O Relatório de Desenvolvimento Humano do Chile de 2024 oferece uma análise preocupante do motivo pelo qual a mudança é tão difícil no Chile atualmente. Bloqueios institucionais, uma cultura de retaliação na política, desigualdade social e uma crise generalizada de perspectivas futuras convergem para criar um cenário desafiador para a reforma.
No entanto, apesar dessas dificuldades, o relatório também aponta para o potencial de novos caminhos a seguir. A construção de uma sociedade mais inclusiva e voltada para o futuro exige uma mudança na cultura política, bem como modelos econômicos que priorizem a igualdade e a sustentabilidade.
Os desafios são assustadores, mas não são intransponíveis. Ao promover uma maior cooperação política, abordar as ineficiências institucionais e criar uma visão compartilhada de um futuro mais equitativo, o Chile tem a oportunidade de romper essas barreiras.
Isso só será possível se o atual sistema político e eleitoral for reformado para um sistema que promova o diálogo e os compromissos de longo prazo. Felizmente, a maioria dos setores políticos concorda com as reformas necessárias, mas resta saber se eles conseguirão chegar a um acordo nacional.
Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Este texto foi publicado originalmente pela Inter Press Service
Na imagem, a bandeira do Chile e paisagem do país / Reprodução

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