Caos comercial prejudica a todos, até mesmo a América Latina menos tributada

Caos comercial prejudica a todos, até mesmo a América Latina menos tributada

Na guerra tarifária que o presidente dos EUA, Donald Trump, lançou contra o mundo, quase toda a América Latina foi taxada em 10%, a menor taxa. Mas a região será impactada pelo choque na economia global. Imagem: Abe McNatt/Casa Branca

POR MARIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – Os benefícios que a América Latina teria com impostos mais baixos no terremoto tarifário imposto ao mundo pelo presidente dos EUA, Donald Trump, durante os primeiros 79 dias de seu atual governo, são mais do que incertos.

Pelo menos no Brasil, o presidente da Associação de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro, vê pouca oportunidade de aproveitar a diferença entre as tarifas adicionais anunciadas por Trump em 2 de abril, que chegaram a 10% para quase todos os países latino-americanos, e tarifas mais altas para outros grandes exportadores.

A China recebeu 34%, somando-se aos 20% das medidas anteriores, enquanto o Japão recebeu 24% e a União Europeia 20%, além de tarifas exorbitantes de 49% para o Camboja, 46% para o Vietnã e 37% para Bangladesh, e níveis semelhantes para alguns países africanos, como Lesoto e Botsuana.

Como o critério básico era um superávit no comércio de mercadorias com os Estados Unidos, os países de baixo consumo, devido às importações que limitavam a pobreza, sofriam as penalidades tarifárias mais severas. O comércio de serviços, onde os Estados Unidos têm um grande superávit, não foi incluído no mapa comercial belicoso de Trump.

“O que mais afeta o Brasil e outros países latino-americanos não são as tarifas impostas por Trump, mas seu impacto na economia global, com a queda dos preços das commodities e o crescimento econômico e a desorganização internacional”: Sandra Rios.

“Não há nada a comemorar” sobre essas discrepâncias, porque o Brasil continuará pouco competitivo com seus altos custos de produção, impostos, transporte ineficiente e energia, de acordo com Castro.

O país pode aumentar suas exportações de calçados para os Estados Unidos, mas esse é um caso isolado e limitado a alguns tipos mais sofisticados de calçados, observou ele em entrevista à IPS no Rio de Janeiro.

Fala-se também em aumento nas vendas de produtos primários, agrícolas e de mineração, substituindo as exportações dos EUA taxadas pela China na mesma alíquota de 34%.

Mas haverá redução da demanda e, portanto, dos preços, rebate Castro, que atua no comércio exterior desde 1969 e preside a AEB desde 2012.

O Porto do Pecém, no nordeste do Brasil, é dedicado à exportação e tem como objetivo se tornar um polo de comércio internacional devido à sua proximidade com a Europa e os Estados Unidos. Seu desenvolvimento futuro depende da expansão dos fluxos comerciais, agora ameaçada. Imagem: Mario Osava / IPS

Dúvidas atrapalham avaliações

Todas as previsões, até mesmo estudos, sobre os efeitos da guerra comercial desencadeada por Trump são “meras conjecturas”, porque as medidas não são definitivas e não há dados concretos. “Devemos esperar por melhores definições antes de negociar com os Estados Unidos”, disse ele.

“Todas as medidas anunciadas até agora são mais políticas do que econômicas”, argumentou.

“Na minha opinião, essas são ameaças políticas que visam negociar acordos a partir de uma posição vantajosa, permitindo que a economia dos Estados Unidos recupere sua posição de liderança, mas não acredito que isso será alcançado”, confirmou Pablo Ruiz, professor de economia de pós-graduação na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).

O México é o país latino-americano mais vulnerável às medidas comerciais dos EUA, já que quase 80% de suas exportações vão para seu vizinho do norte.

Por isso, ele preferiu negociar e não retaliar como o Canadá, o outro parceiro no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que entrou em vigor em 1994 e que o próprio Trump renegociou em 2018, durante seu primeiro mandato (2017-2021), quando passou a se chamar Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA).

Trump anunciou uma tarifa de 25% sobre as importações do México e do Canadá em 21 de janeiro, mas suspendeu seu efeito até 2 de abril. O Canadá decidiu reagir com tarifas no mesmo nível sobre veículos e peças automotivas dos EUA. Com seus dois parceiros continentais, Trump atua separadamente, sem os adicionar à “tarifa” universal.

Tudo está em negociação e “é possível que todo o USMCA seja revisado”, disse Ruiz à IPS na Cidade do México.

A presidente mexicana Claudia Sheinbaum lançou o Plano México em janeiro, que busca, entre outros objetivos, aliviar o protecionismo no principal parceiro comercial do México. Enquanto isso, continua negociando um acordo com os Estados Unidos, sem retaliar por enquanto, contra a imposição de tarifas de 25% sobre as exportações do país para seu vizinho do norte. Imagem: Presidência do México

Recessão no México

O ataque tarifário de Trump ao México afeta principalmente veículos e autopeças, que representam 30% das exportações nacionais; equipamentos de informática e dispositivos eletrônicos, que representam quase 20% das vendas externas; e os setores extrativos de petróleo e mineração, que respondem por mais de 10%, estimou.

Um estudo realizado por Eduardo Moreno, ex-aluno de Ruiz na UNAM e coautor com três colegas da Universidade de Macerata, na Itália, estimou que as tarifas impostas por Trump reduziriam o produto interno bruto (PIB) do México em 1,74% e o dos Estados Unidos em 0,21%.

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O artigo dos quatro pesquisadores, que será publicado em breve pela UNAM, destaca que o efeito proporcional é maior no México, mas o oposto em termos reais, já que o PIB dos EUA é 15 vezes maior que o do México.

“O México está altamente integrado à economia dos EUA, tanto comercialmente, financeiramente e trabalhisticamente”, e não pode negociar outros acordos de livre comércio, com a China, por exemplo, porque “o USMCA, muito menos Trump, não permite”, reconheceu Ruiz.

O comércio com os Estados Unidos garante ao México um superávit significativo, chegando a US$ 171,809 bilhões em 2024, com exportações totalizando US$ 506 bilhões, 82% do total nacional.

Com base nesses dados, se tarifas forem aplicadas, provavelmente haverá uma recessão econômica no México, admitiu o professor de economia.

No longo prazo, a alternativa é acelerar o chamado Plano México, lançado em janeiro pela presidente Claudia Sheinbaum, para estimular setores que produzem para o mercado interno, “sem apoio há décadas”, embora representem 85% dos empregos nacionais, observou.

06.12.2024 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Cúpula de Presidentes dos Estados Partes do MERCOSUL e dos Estados Associados Edifício MERCOSUL – Montevidéu, Uruguai Foto: Ricardo Stuckert / PR

Crise reaviva a integração

“O que mais afeta o Brasil e outros países latino-americanos não são as tarifas impostas por Trump, mas seu impacto na economia global, com a queda dos preços das commodities e do crescimento econômico e a turbulência internacional”, disse a economista Sandra Rios, especialista em integração econômica.

“A integração regional deveria ser o caminho a seguir, mas a América Latina é altamente fragmentada politicamente, com instabilidade em países como Peru, Equador e Bolívia, divisão entre dois gigantes, Brasil e Argentina, e falta de liderança”, lamentou o diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento , sediado no Rio de Janeiro.

Diante desse cenário, a opção mais viável e promissora seria uma maior integração entre Brasil e México, que já avançaram significativamente em acordos no setor automotivo, mas com preferências tarifárias ainda limitadas a cerca de 800 produtos de um universo de 9.000, observou em entrevista à IPS.

Pelo menos o acordo de livre comércio entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul, composto por Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai) e a União Europeia, negociado desde o início do século, parece estar finalmente em sua fase final.

Os riscos gerados pela guerra comercial desencadeada por Trump surgem como um estímulo adicional e “uma grande oportunidade” para finalizar o acordo, argumentou Rios.

Mas, por enquanto, reina a incerteza, uma espiral exacerbada pela decisão de Trump na terça-feira, 8 de abril, de responder à retaliação da China com uma tarifa adicional de 50%, elevando a tarifa sobre o principal rival comercial da China para um valor sem precedentes de 104% [que, na escalada ao longo da semana, chegou a 145% na sexta-feira, 11 de abril].

“Isso poderia paralisar o comércio mundial”, declarou Castro. “Um empresário que tem que lidar com cadeias produtivas internacionais não consegue tomar decisões em meio a tanta incerteza”, observou Rios.

No Brasil, além das dificuldades para exportar para os Estados Unidos, há o temor de uma nova invasão de bens industriais da China, que nas últimas décadas ocupou grande parte do mercado interno, em detrimento das empresas nacionais.

A balança comercial do Brasil é superavitária, graças a commodities como petróleo, soja e minério de ferro. Em 2024, o país alcançou um superávit de US$ 74,552 bilhões, com exportações totais de US$ 337,03 bilhões.

Os Estados Unidos ficam atrás apenas da China entre os maiores importadores de produtos brasileiros. Petróleo, aço e máquinas estão entre os produtos mais exportados para o vasto mercado do Norte, o que é importante para o Brasil porque ele compra produtos manufaturados, ao contrário da China, que compra quase exclusivamente produtos primários, como soja, petróleo e minério de ferro.

Um detalhe do “aumento de tarifas” de Trump na América Latina é que ele não fez distinção entre governos aliados e opositores. Seus dois amigos mais próximos na região, o argentino Javier Milei e o salvadorenho Nayib Bukele, tiveram suas vendas para os Estados Unidos taxadas na mesma alíquota de 10% que todos os outros.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

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