Cúpula no Brasil de um BRICS prejudicado por guerras e ausências

Primeira reunião dos representantes dos mandatários do BRICS. O encontro deu início às reuniões prévias da 17ª cúpula do grupo, que este ano é presidida pelo Brasil e será realizada no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho. Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil.
POR MARIO OSAVA
RIO DE JANEIRO – A ausência de vários presidentes, especialmente do chinês Xi Jinping, e as tensões geradas pelas guerras na Ucrânia e no Irã obscurecem a cúpula anual do grupo BRICS, que será realizada na cidade brasileira do Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho.
“Não acredito que será um fracasso”, avaliou Ana Garcia, pesquisadora do Brics Policy Center/Centro de Estudos e Pesquisas Brics e professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
O Brics, acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, primeiros membros plenos do grupo, apesar de sua “heterogeneidade, divergências e tensões internas, manteve-se mesmo quando despertou pouca atenção da imprensa internacional entre 2015 e 2023, e isso gera sua força”, argumentou.
Nascido em sua primeira cúpula, na cidade russa de Ecaterimburgo, em 2009, quando era apenas BRIC, o grupo intergovernamental incorporou a África do Sul em 2011 e se expandiu com outros cinco membros no início de 2024 – Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã – aos quais se juntou a Indonésia em janeiro de 2025.
Além disso, há 10 países com status de Estados parceiros, entre os quais os latino-americanos Bolívia e Cuba. Bielorrússia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã completam o quadro.
“Hoje, o Brics se tornou uma coalizão com um papel geopolítico mais importante, seja pela guerra na Ucrânia, seja pela crescente contenção que a China sofre por ação dos Estados Unidos e da Europa, e também pela incorporação de países do Oriente Médio, produtores de petróleo, ao grupo”, Ana Garcia.
Essa ampliação do Brics, “como espaço de cooperação e diálogo, atraiu novamente a atenção e surgiram novos candidatos interessados em aderir.
Mas, além de Jinping, também o presidente russo, Vladimir Putin, o iraniano, Masoud Pezeshkian, e o egípcio, Abdel Fattah al Sisi, não comparecerão à 17ª cúpula do Brics no Rio de Janeiro. Putin porque tem uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil é signatário, e Pezeshkian devido ao conflito com Israel e os Estados Unidos.
Às tensões bélicas somam-se as ameaças de retaliações, especialmente tarifárias, do presidente americano, Donald Trump, diretamente aos países do Brics se adotarem medidas para substituir o dólar em suas transações financeiras e comerciais.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em Pequim, em 13 de maio de 2025, no início de sua visita de Estado à China, quando foi recebido por seu homólogo Xi Jinping, que pela primeira vez estará ausente de uma cúpula do BRICS, que será realizada no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho. Outras ausências antecipadas são as dos governantes da Rússia e do Egito. Imagem: Ricardo Stuckert / Presidência do Brasil.
Desdolarização, tema russo e não brasileiro
Esse é um tema da Rússia, anfitriã da cúpula anterior, realizada na cidade de Kazan em outubro de 2024, quando avançou propostas de uso de moedas locais, cooperação entre bancos centrais, um sistema de compensação de moedas e criação de uma bolsa de grãos, para facilitar o comércio agrícola entre os membros do Brics.
O Brasil tenta amenizar essas questões de “desdolarização”, primeiro porque não há consenso em seu governo, com “tensões permanentes entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda sobre o uso de moedas locais”, disse Garcia à IPS. Esse tema não está na agenda da cúpula no Brasil, ressaltou.
O país anfitrião tem reservas cambiais volumosas em dólares, cerca de US$ 340 bilhões, uma proteção contra a volatilidade do mercado e as especulações.
“Diante de tanta incerteza, é natural que o Brasil e outros membros do Brics não possam nem queiram se desfazer de suas reservas em dólares. A Rússia e o Irã, que sofrem sanções internacionais e dificuldades no acesso ao mercado financeiro, buscam avançar na agenda da desdolarização, que é complexa e não consensual no grupo”, explicou a pesquisadora.
Além disso, em relação às ações de Trump, o governo brasileiro optou pela negociação, evitando o confronto tanto no comércio, diante das tarifas adicionais impostas pelos Estados Unidos, quanto na questão da deportação de migrantes brasileiros, para evitar “problemas mais graves”.

O Museu de Arte Moderna, no centro do Rio de Janeiro, sediará a 17ª cúpula do Brics, no domingo, 6, e na segunda-feira, 7 de julho. Imagem: Halley Pacheco de Oliveira / Wikimedia
Não antiocidental
Porta-vozes do governo afirmam que o Brics não é um grupo de oposição ao Ocidente e que o Brasil retoma a agenda reformista que impulsionou a abertura do grupo, cuja intenção inicial não era de mudanças, de “criação de uma nova ordem multipolar, mas de obter mais voz e participação na ordem existente, em um momento de crise financeira internacional”, segundo Garcia.
A sigla BRIC surgiu de um estudo de Jim O’Neil, economista do banco americano Goldman Sachs, em 2001, para definir quatro países com grande população e economias em rápido crescimento que representavam uma parte crescente do produto mundial.
A crise financeira de 2008, originada no mercado imobiliário dos Estados Unidos, estimulou o surgimento do grupo, como um fórum de cooperação internacional de economias emergentes e de pressão por medidas como o aumento de suas cotas no Fundo Monetário Internacional, dominado pelos Estados Unidos e outros países industrializados.
“Hoje, o Brics se tornou uma coalizão com um papel geopolítico mais importante, seja pela guerra na Ucrânia, seja pela crescente contenção que a China sofre por ação dos Estados Unidos e da Europa, e também pela incorporação de países do Oriente Médio, produtores de petróleo, ao grupo”, observou Garcia.
Isso se tornou “estratégico” para o Brasil, que, no entanto, tende a reduzir as expectativas de sua presidência do Brics, ao marcar para julho a cúpula deste ano. Faltam poucos meses para as negociações das resoluções e declarações finais da reunião. A presidência é anual, de janeiro a dezembro, período em que o país tem que organizar a cúpula.
O Brasil optou por julho porque tem marcada para novembro a 30ª Conferência das Partes (COP30) sobre mudanças climáticas, em Belém, capital amazônica no norte do país.
O governo, especialmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, precisa se dividir em sucessivas cúpulas internacionais. Em 2024, o Brasil presidiu e sediou a cúpula do Grupo dos 20 (G20), das maiores economias industriais e emergentes, e exatamente nesta quinta-feira, 3 de julho, assumiu a presidência do Mercado Comum do Sul (Mercosul).
É apenas uma presidência semestral, mas pode ser decisiva porque se espera a conclusão do acordo de livre comércio entre o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, mais a Bolívia) e a União Europeia nos próximos meses.

A ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi a primeira presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco do Brics, com sede na cidade chinesa de Xangai. Este ano, ela foi reeleita para mais cinco anos, o que prolongará seu mandato até 2030. Imagem: Fotos Públicas.
América Latina isolada
Além disso, o Brasil sofre um certo isolamento no Brics, já que é o único membro latino-americano pleno. O governo brasileiro propôs a incorporação da Argentina em 2023, quando Alberto Fernández ainda era seu presidente. A vitória eleitoral de Javier Milei, da extrema direita, antichinês e pró-Estados Unidos, abortou a proposta.
Uma possibilidade é que a Colômbia se torne um futuro membro pleno. Ela já faz parte do Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado banco do Brics, mas também depende do resultado das eleições presidenciais de maio de 2026, quando o esquerdista Gustavo Preto tentará se reeleger.
O Chile poderia ser outro candidato, mas também terá eleições em novembro de 2025 e o atual presidente, o também esquerdista Gabriel Boric, adotou uma posição claramente favorável à Ucrânia invadida desde 2022 e possivelmente será vetado pela invasora Rússia.
O Brics carece de definições institucionais, como regras claras para a incorporação de novos membros, se todas as decisões continuarão sendo tomadas por consenso, o que é difícil entre países tão diversos, observou Garcia.
A institucionalidade do grupo está sendo construída à medida que avança e ainda exige muita discussão e tempo para amadurecer.
Nesta cúpula do Rio de Janeiro, serão adicionados temas como a facilitação do comércio, que é mais consensual do que a substituição do dólar, segundo a pesquisadora.
“O comércio dentro do Brics é absolutamente centrado na China, reproduzindo a divisão internacional do trabalho. Os outros países exportam produtos primários, minerais ou agrícolas, para a China e importam bens de alta tecnologia. O intercâmbio entre esses países poderia se beneficiar de programas bem elaborados”, destacou.
Uma intensificação desse comércio bilateral e multilateral no grupo poderia levar ao uso de moedas locais, acrescentou.
Um estudo do Conselho Empresarial do Brics, que representa o setor privado dos países membros, revelou que 24 barreiras não tarifárias freiam o comércio dentro do grupo, informou o jornal Valor Econômico em 3 de julho.
O estudo será divulgado durante o Fórum Empresarial do Brics, um dos encontros paralelos à cúpula, no sábado, 5 de julho, o único grande encontro paralelo ao encontro dos governantes, que acontecerá no Museu de Arte Moderna, no centro da cidade carioca.
Outros temas importantes na agenda da cúpula são as mudanças climáticas, relacionadas à COP30, e a digitalização, que abrange a governança digital e a inteligência artificial, o que aumenta a necessidade de regulamentar as chamadas big techs ou grandes empresas de tecnologia, proprietárias das redes sociais, que colocam em risco a soberania digital.
Também se espera avançar na cooperação na área da saúde, com o trabalho realizado pelo grupo de trabalho sobre esse tema. O Brasil tem interesse em lançar uma Aliança Global sobre doenças socialmente negligenciadas, tropicais, que não são atendidas pelas multinacionais farmacêuticas com medicamentos e vacinas.
Um acordo nessa área deve ser um dos resultados concretos da cúpula do Rio.
A transição energética, tema central da conferência climática de Belém, é outro tema do Brics, apesar das contradições no grupo, agora composto por vários grandes exportadores de petróleo, como Rússia, Arábia Saudita e Irã.
Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

É correspondente da IPS desde 1978, e está à frente da editoria Brasil desde 1980. Cobriu eventos e processos em todas as partes do país e ultimamente tem se dedicado a acompanhando os efeitos de grandes projetos de segurança, infraestrutura que refletem opções de desenvolvimento e integração na América Latina.