Europa xenofóbica

Europa xenofóbica

A xenofobia se manifesta como hostilidade, preconceito ou discriminação contra indivíduos ou grupos vistos como forasteiros ou estranhos à comunidade local.

POR CELSO JAPIASSU

O crescimento da extrema-direita na Europa tem trazido consigo o aumento da xenofobia em praticamente todos os países, como Portugal, França, Alemanha, Áustria, Hungria e Holanda. Os partidos populistas de direita cultivam o medo e a rejeição aos imigrantes. Suas pautas anti-imigração procuram mobilizar eleitores com discursos xenófobos. Nas eleições parlamentares europeias de 2024, a extrema direita obteve resultados históricos e refletiram o aumento do sentimento anti-imigrante do seu eleitorado.

Nos dicionários, xenofobia é o medo, a aversão ou a profunda antipatia em relação ao que é considerado estrangeiro ou diferente, especialmente em relação a pessoas de outras nacionalidades, culturas ou origens. O termo deriva das palavras gregas xénos (estrangeiro, estranho) e phóbos (medo, aversão). Significa, portanto, “medo do estrangeiro” ou “medo do diferente.”

A xenofobia se manifesta como hostilidade, preconceito ou discriminação contra indivíduos ou grupos vistos como forasteiros ou estranhos à comunidade local. Manifesta-se a partir de estereótipos, desconhecimento do outro e à crença de superioridade da própria cultura, levando a comportamentos de exclusão, segregação e, em casos extremos, violência. Não se limita apenas à aversão a pessoas de outros países. Pode ocorrer dentro de um mesmo país, contra pessoas de regiões, etnias ou culturas diferentes. Em alguns países é tipificada como crime.

 O discurso xenófobo não tem se limitado aos partidos radicais. Partidos tradicionais têm adotado a mesma retórica para não perder votos. A mídia tradicional reforça estereótipos negativos sobre estrangeiros e minorias, contribuindo para o clima de intolerância.

Crescimento

A crise migratória que atingiu a Europa a partir de 2015 trouxe à tona situações dramáticas de xenofobia, racismo e intolerância. Milhares de refugiados, principalmente vindos da Síria, do Afeganistão e de países africanos, enfrentaram condições desumanas em campos superlotados, como em Idomeni, na Grécia. O acampamento de Idomeni chegou a abrigar cerca de 14 mil pessoas vivendo sob chuva, lama, ventos e temperaturas negativas, sendo comparado a campos de concentração nazistas pelo próprio ministro do Interior grego. Essas condições, somadas ao discurso de ódio e à rejeição de muitos países europeus, evidenciaram o drama da xenofobia em larga escala.

Na Alemanha, as denúncias de crimes de ódio relacionados a racismo e xenofobia aumentaram 813% entre 2019 e 2023. O registro saltou de 1,6 mil para 15 mil casos. Em Portugal, as denúncias de xenofobia contra brasileiros cresceram 505% entre 2017 e 2021, e houve um aumento de 38% nos crimes de ódio em 2023.

Imigrantes e refugiados, principalmente os de origem árabe, africana, asiática e do Leste Europeu, ciganos, muçulmanos, judeus, pessoas negras, e a comunidade LGBTQ+ estão entre os grupos mais afetados por diferentes formas de xenofobia e discriminação.

O conflito entre Israel e Hamas provocou um “alarmante aumento” de ódio contra judeus e muçulmanos, segundo os relatórios de organizações internacionais. O aumento da migração devido a guerras, crises humanitárias e desigualdades econômicas também intensificou sentimentos xenófobos em muitas sociedades da Europa.

O aumento dos casos levou a União Europeia a elaborar planos e diretivas para combater o racismo e a xenofobia, como o Plano de Ação Antirracismo 2020-2025 e novas leis de combate à discriminação. No entanto, organizações como a Agência dos Direitos Fundamentais da UE (FRA) alertam que a intolerância está crescendo e que os esforços ainda não são suficientes para reverter a tendência.

Em Portugal, houve expressivo crescimento de denúncias de xenofobia, especialmente contra brasileiros, que é a maior comunidade de imigrantes do país, com mais de 500 mil residentes. Entre 2017 e 2021, as queixas cresceram 505%. Em 2021, foram registradas 109 denúncias, aumento de 142% em relação a 2018.

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Os casos incluem agressões verbais (“volta para sua terra”), dificuldades em alugar imóveis, conseguir emprego ou acessar serviços públicos, além de discriminação explícita no cotidiano. Em 2024, grupos de extrema-direita organizaram manifestações contra imigrantes, especialmente muçulmanos, e houve alerta presidencial sobre o risco de normalização da xenofobia.

O Conselho da Europa alertou para um “aumento acentuado” do discurso e dos crimes de ódio em Portugal, especialmente contra migrantes não europeus, ciganos e pessoas negras. Relatos incluem abusos racistas por parte de forças policiais e a banalização do discurso de ódio, muitas vezes motivados por narrativas políticas anti-imigração.

Protestos

A Hungria é considerada um dos países mais xenófobos da Europa. Segundo o Pew Research Center, 72% dos húngaros têm visão negativa dos muçulmanos. É a maior taxa entre os países pesquisados. O aumento da xenofobia está ligado ao governo de Viktor Orbán e à ascensão do partido de extrema-direita Jobbik, com políticas e discursos anti-imigração desde 2010. O boom xenófobo intensificou-se em 2015, com a crise dos refugiados e a construção de barreiras físicas nas fronteiras.

Cidades como Leipzig e Dresden, na Alemanha, têm registrado o crescimento de movimentos nacionalistas juvenis que culpam imigrantes pelo aumento do custo de vida, especialmente dos aluguéis. Manifestações têm ocorrido com discursos contra a presença “excessiva” de estrangeiros, alimentadas por partidos populistas de direita. Com o avanço do partido de extrema-direita AfD, brasileiros relatam constrangimentos, xingamentos e recusas de atendimento em serviços públicos. Há relatos de brasileiros impedidos de abrir contas bancárias ou de serem atendidos em hospitais por não falarem alemão. Entre 2019 e 2023, os registros de crimes de ódio, incluindo xenofobia, aumentaram 813% na Alemanha

Na Irlanda ocorreram protestos contra centros de acolhimento para refugiados, com o argumento de que “não há mais espaço” no país. A retórica anti-imigração tem ganhado força entre jovens afetados pela crise imobiliária e o desemprego.

Apesar de a Polónia ter acolhido mais de 1,5 milhão de refugiados ucranianos, há relatos de abusos e xenofobia, incluindo manifestações nacionalistas com gritos de “isto é a Polónia” e “não à imigração”. Refugiados ucranianos relatam serem chamados para “voltar para a Ucrânia” e enfrentam discriminação no trabalho e em ambientes escolares.

Na Suécia, há crescimento de ataques verbais e físicos contra muçulmanos e africanos e o Partido Democratas da Suécia associa imigração à criminalidade, enquanto na Grécia há hostilidade contra imigrantes em campos de refugiados e nas ruas além de relatos de violência policial e discriminação institucionalizada.

 Na Espanha, trabalhadores agrícolas africanos enfrentam abusos e hostilidade.   O Partido Vox, de extrema direita, promove retórica anti-imigração contra muçulmanos e latino-americanos.

Na Suíça, movimentos pedem restrições à imigração de países não europeus. Há casos de discriminação contra brasileiros e africanos em ambientes de trabalho e moradia.


Resgate de imigrantes pelo Serviço Naval Irlandês, durante Operação Tritão, em junho de 2015 (Foto: Serviço Naval Irlandês/ Wikipedia)

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