Legislação anti-LGBTQI na Europa restringe a liberdade de expressão e a democracia – relatório

POR ED HOLT – IPS
BRATISLAVA, 4 de março de 2025 (IPS) – As comunidades LGBTQI da Europa e da Ásia Central sendo “instrumentalizadas” pelos governos como parte de um ataque mais amplo aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, alertaram ativistas de direitos humanos.
Na semana passada, ao lançar o mais recente relatório anual sobre a situação dos direitos humanos das pessoas LGBTQI na Europa e na Ásia Central, o grupo de defesa dos direitos humanos ILGA Europe soou o alerta de que a legislação contra as pessoas LGBTQI está sendo usada para restringir a liberdade de expressão, a sociedade civil e a realização de eleições justas.
“Vemos repetidamente que os governos que introduzem políticas anti-LGBTI também reprimem a sociedade civil, a liberdade de expressão e o Estado de direito. É por isso que essas leis não são apenas uma ameaça para as pessoas LGBTI, mas para a democracia em seu conjunto”, afirmou à IPS Katrin Hugendubel, Diretora da ILGA-Europa para a Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTI.
Grupos de defesa dos direitos das pessoas LGBTQI em muitos países europeus têm relatado um aumento constante do discurso de ódio anti-LGBTQI por parte dos líderes políticos da região e, por consequência, mais incidentes de ataques violentos contra membros da comunidade.
Esta situação surge em paralelo com um crescente autoritarismo na Europa e na Ásia Central, nomeadamente, mas não exclusivamente, nos países do antigo bloco do Leste.
Os políticos têm utilizado cada vez mais abertamente discursos de ódio para marginalizar e servir de bode expiatório as pessoas LGBTQI. Com a introdução de legislação anti-LGBTQI na Rússia em 2013, outros países introduziram leis semelhantes. São leis que implicam frequentes restrições à representação positiva das relações e da comunidade LGBTQI, à divulgação de informação sobre questões LGBTQI e, em alguns casos, a proibição total de qualquer manifestação de apoio às pessoas LGBTQI ou a sua “ideologia”.
Ao mesmo tempo, essa legislação tem sido frequentemente precedida ou seguida por introdução de leis, aparentemente não relacionadas, que reprimem a sociedade civil e outros grupos considerados potencialmente dissidentes dos governos no poder.
A ILGA e outros analisam que isto não é coincidência. A legislação anti-LGBTQI está sendo frequentemente utilizada como campo de ensaio para restrições a outras liberdades fundamentais. Os mesmos governos que promovem leis anti-LGBTI estão atacando acadêmicos, reprimindo jornalistas, visando artigos e minando eleições justas, afirma a ILGA.
Na Roménia, o sentimento anti-LGBTQI tem sido aproveitado nas eleições presidenciais para alimentar a retórica nacionalista, distrair do retrocesso democrático e angariar apoio para candidatos de extrema-direita e pró-russos.
A legislação húngara anti-LGBTQI tem sido acompanhada por uma repressão mais ampla da liberdade acadêmica e do pluralismo dos meios de comunicação social, enquanto na Eslováquia, a retórica anti-LGBTQI vem visando as liberdades artísticas, com o Ministro da Cultura do país a demitir dirigentes de importantes instituições culturais por suspoto ativismo político.
De acordo com a nova lei anti-LGBTQI da Geórgia, as reuniões públicas que promovem as relações entre pessoas do mesmo sexo são criminalizadas, lançando ainda mais as bases para a supressão das vozes da oposição. “Esta é uma crise existencial para a democracia”, afirmou Hugendubel.
Nos países com histórico de piores repressões contra a comunidade LGBTQI – e sob os regimes mais autocráticos – a ligação entre a estigmatização extrema das pessoas LGBTQI e a repressão mais alargada da liberdade é muito clara, alertam os ativistas.
Durante muitos anos, a Bielorrússia classificou-se entre os piores países da região em matéria de direitos LGBTQI no mapa arco-íris da ILGA – na versão mais recente, ocupa o país ocupa o 44º lugar entre 48 países.
A repressão contra a comunidade é severa, com restrições à associação, reunião e expressão – até a participação em eventos online pode ser visto como atividade extremista. Os indivíduos da comunidade são frequentemente visados pela polícia secreta que se infiltra nas comunidades, usando chantagem e ameaças para forçar os indivíduos a revelarem identidades de outras pessoas LGBTQI em diferentes regiões, contaram defensores dos direitos à IPS.
Entretanto, os meios de comunicação social controlados pelo Estado alimentam a homofobia, retratando as pessoas LGBTQI como uma ameaça estrangeira ligada à influência ocidental e ao extremismo. As autoridades classificam as reuniões LGBTQI e as discussões em linha como ameaças à segurança, tornando perigosas até as atividades nas redes sociais.
Dar as mãos em público, publicar conteúdos relacionados com a comunidade LGBTQI ou partilhar uma selfie transgénero pode levar à detenção, à inclusão em listas negras e ao assédio policial, contam os ativistas.
No ano passado, na Geórgia, por exemplo, foi introduzida legislação anti-LGBTQI e uma lei sobre “agentes estrangeiros”. Esta última exige que alguns grupos da sociedade civil que recebem fundos do exterior se registrem como “organizações que prosseguem os interesses de uma potência estrangeira” e se submetam a restrições e obrigações de funcionamento onerosas e muitas vezes liquidatórias.
Esta situação surge num contexto de crescente repressão da dissidência – os protestos diários de milhares de pessoas que há meses acontecem no país têm sido marcados por violentas repressões da polícia contra os manifestantes – por parte do governo, que regressou ao poder em outubro passado, depois da vitória em eleições que o Parlamento Europeu e muitos outros países consideraram não serem livres, nem justas.
Representantes de organizações de defesa dos direitos humanos relataram à IPS o aumento da violência e do discurso de ódio contra os membros da comunidade e, ao mesmo tempo, a crescente restrição das liberdades civis. Um ativista que falou à IPS sob condição de anonimato disse que as pessoas LGBTQI, bem como grande parte da sociedade civil e o público em geral, enfrentam agora uma “crise totalitária”.
Outro país onde a comunidade LGBTQI tem sido cada vez mais vilipendiada nos últimos anos é a Eslováquia.
No período que antecedeu as eleições de 2023, políticos de direita e populistas, incluindo membros do partido Smer, que acabou deganhar as eleições e passou a liderar o atual governo de coligação no poder, utilizaram repetidamente a retórica anti-LGBTQI nas suas campanhas.
Desde então, os partidos da coligação governamental propuseram uma legislação específica anti-LGBTQI, que incluiria medidas para excluir os temas LGBTQI da educação sexual.
Ao mesmo tempo, eles tentaram introduzir uma “lei dos agentes estrangeiros”. Em países onde tais leis foram introduzidas, como a Rússia, isto teve um efeito devastador na sociedade civil, fechando efetivamente vastas faixas de organizações em defesa de direitos.
No seu relatório, a ILGA afirma que essas leis tentam minar a legitimidade dos grupos da sociedade civil, restringir o financiamento e sufocar o ativismo em matéria de direitos humanos, acabando por corroer os direitos fundamentais.
Robert Furiel, diretor do grupo eslovaco de defesa dos direitos LGBTQI Saplinq, disse à IPS que os ataques do governo às pessoas LGBTQI são diferentes agora do que no passado.
“A anterior legislação anti-LGBTI+ era mais isolada, visando especificamente as pessoas queer sem atacar um espetro mais alargado de organizações da sociedade civil. No entanto, os ataques sob o quarto governo do [líder do partido Smer e atual Primeiro-Ministro] Robert Fico estão sendo levadas a cabo. Embora as organizações LGBTI+ tenham sido alvo de ataques, outras organizações da sociedade civil, geralmente de defesa dos direitos humanos ou de combate à corrupção, também o foram”, afirmou.
Nem a proposta de legislação anti-LGBTQI, nem a “lei dos agentes estrangeiros” foram aprovadas na Eslováquia. Mas a retórica contra as pessoas LGBTQI e a sociedade civil, por parte de muitos políticos do governo continua, assim como as propostas legislativas restritivas, incluindo, recentemente, apelos controversos de políticos do governo para alterar a Constituição do país, de modo a reconhecer explicitamente apenas dois sexos – masculino e feminino.
“Nos últimos anos, assistimos a várias propostas legislativas perigosas. Embora tivessem poucas hipóteses de sucesso em si mesmas, aumentaram a toxicidade do debate público sobre as pessoas LGBTI+, especificamente as pessoas transgénero e as famílias arco-íris”, afirmou Furiel.
A ILGA chamou a atenção para as terríveis consequências dos ataques contra as pessoas LGBTQI – os crimes de ódio atingiram níveis recorde, alimentados por uma normalização do discurso de ódio por parte de líderes políticos e religiosos, e as barreiras aos cuidados de saúde para as pessoas trans surgiram em todo o continente em meio ao “fomento do medo”, mesmo em Estados da Europa Ocidental vistos como tradicionalmente progressistas.
Embora a ILGA sublinhe que, recentemente, registaram-se algumas vitórias jurídicas importantes na defesa dos direitos das pessoas LGBTQI, ainda não foi feito o suficiente para garantir que os governos, especialmente os da UE, cumpram as suas obrigações em matéria de direitos.
“As decisões judiciais em toda a Europa mostram que as leis que protegem os direitos das pessoas LGBTI estão em vigor e podem ser aplicadas. No entanto, as vitórias legais nem sempre se traduzem numa igualdade vivida, e muitas pessoas ainda enfrentam discriminação e violência. Alguns governos estão desafiando abertamente esses acordos ou não estão aplicando-os. É importante que comunidades e aliados continuem a insistir em proteções mais fortes e na sua aplicação”, afirmou Hugendubel.
“Os políticos, tanto a nível europeu como nacional, têm de agir de forma decisiva para contrariar os ataques crescentes que estamos assistindo contra pilares da democracia. A normalização da retórica anti-LGBTI não é apenas uma ameaça a uma comunidade – é agora um ataque direto comprovado aos princípios democráticos que sustentam as nossas sociedades”, complementou.
Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

FOTO DE CAPA: Um protesto antigovernamental na capital eslovaca, Bratislava, em fevereiro. Os membros dos partidos da coligação governamental têm atacado repetidamente a comunidade LGBTQI no país, enquanto os críticos têm acusado o governo de tentar restringir o trabalho dos grupos da sociedade civil. Crédito: Ed Holt/IPS

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