O naufrágio da Humanidade

O naufrágio da Humanidade

POR CELSO JAPIASSU

Eles estão esquecidos, os refugiados. Saíram das primeiras páginas porque outras tragédias como a que está em andamento em Gaza, sob os olhares do mundo, além de outras guerras e conflitos, tomaram seu lugar.

Mas não faz muito tempo que das setecentas pessoas confinadas e amontoadas em uma pequena traineira quase todas morreram afogadas. Sempre no Mediterrâneo, o mar que se transformou no grande cemitério de um continente que se recusa a acolher os fugitivos das guerras e da miséria do Oriente e da África. Eles embarcam principalmente na Líbia, um país que já foi destruído pela criminosa intervenção da OTAN em 2011. Embarcam pelas mãos de traficantes de seres humanos para tentar asilo na Europa.

Dois mil e quinze foi o mais cruel dos anos. Os governos da União Europeia presenciaram o maior deslocamento de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial. Naquele ano, mais de um milhão e meio de fugitivos do caos no Oriente Médio chegaram em busca de proteção e quase 4 mil pessoas morreram afogadas na travessia em barcos precários, lotados de adultos e crianças em desespero. Explorados por traficantes de seres humanos, proibidos de entrar em vários países, foram depois de muita pressão acolhidos pela União Europeia. No ano passado, mais de 2.200 pessoas morreram ou desapareceram no Mediterrâneo. Este número inclui crianças e adolescentes. Em 2025, até o mês de maio, ainda não há informações oficiais, mas estima-se em mais de mil os mortos até agora. E ainda não começou a estação das tempestades.

A Europa pagou internamente pela forçada solidariedade. Os partidos de direita e, principalmente, os de extrema direita, fizeram uso político do que chamaram de “invasão” dos imigrantes para assustarem a classe média que já se defrontava com uma crise econômica. Diziam estar em defesa de uma Europa cristã ameaçada pela invasão muçulmana. E a Europa viu crescerem, como se fosse a repetição de um passado sombrio, os movimentos e os partidos de natureza neofascista e neonazista, que vêm a ser de igual teor no que apresentam como programa: ódio aos imigrantes, radical nacionalismo, euroceticismo, “democracia iliberal”, restrições à liberdade de imprensa e limitação das liberdades em nome do interesse nacional. Viu-se o crescimento de partidos como o Alternativa para a Alemanha, o francês Rassemblement National, a italiana Liga e o português Chega, além do fortalecimento de regimes como o de Viktor Orbán na Hungria e outros contrafortes do fascismo a exemplo da Eslovênia, Polônia, República Checa, Bulgária e Áustria.

A intervenção americana no Afeganistão resultou em mais de 18 milhões de pessoas a precisar de ajuda humanitária, com necessidade de comida e água potável, sem falar de educação e cuidados de saúde, segundo o International Rescue Committee. São números que certamente aumentarão à medida em que não diminui a escalada de violência. O medo, a repressão das mulheres e a violação dos direitos vão fazer com que para um número cada vez maior de pessoas não reste alternativa a não ser empreender a fuga e procurar asilo em outro país.

A FUGA

Se até há pouco a crise dos refugiados teve origem nos fugitivos da guerra na Síria, o genocídio praticado por Israel em Gaza e uma nova crise no Afeganistão fazem aumentar o número de que fogem e tentam chegar à Europa. O mundo assiste ao replay dos barcos precários e superlotados tentando a travessia do Mediterrâneo. Nos números anunciados não estão contabilizados os que escaparam até agora enfrentando as difíceis condições das fronteiras do Paquistão e do Irã.

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Refugiado em Portugal, Mohammad Yusuf Taheri deu seu depoimento ao jornal Público:

-“Quando as pessoas saem do seu país, não é fácil chegar à Europa. Vendem tudo o que têm para pagar a viagem, mas de 200 que saem, talvez cheguem 50. Os que têm sorte. Os outros morrem pelo caminho de fome, frio, na fronteira iraniana, na fronteira turca, nos barcos”.

A Turquia tem em seu território mais de cinco milhões de refugiados desde a guerra da Síria e seu presidente Recep Tayyp Erdogan disse à União Europeia que seu país não continuará a servir de muro de contenção. O que deseja Erdogan é negociar a política em relação aos refugiados em favor da aprovação da Turquia como país membro da União Europeia. As negociações nesse sentido estão paralisadas desde 2016, depois que a UE denunciou a Turquia por violar direitos humanos e desrespeitar o Estado de direito.

A POLARIZAÇÃO

Na Alemanha, o professor Edgar Grande, diretor do Centro de Investigação da Sociedade Civil, no Centro de Ciências Sociais de Berlim, manifesta sua preocupação e diz que o tema dos refugiados foi um dos fatores que colocaram o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) no centro da política, reacendendo a polarização no país.

“Os acontecimentos no Oriente Médio receberam muita atenção das pessoas. É um desastre, não só para a Alemanha, como também para o governo alemão. O problema foi desvalorizado e, como consequência, temos milhares de pessoas em perigo, disse o professor. Acrescentou que a situação geral não é apenas um desastre político, mas também um desastre humanitário.

O primeiro governo a anunciar que não ia acolher refugiados foi o da Áustria, logo em seguida à proposta da Comissão Europeia de criar rotas e canais legais para refugiados poderem receber proteção nos países da União Europeia.

Os países governados pela extrema direita – como a Hungria, Polônia e seus congêneres – adotam sempre a posição que tiveram durante a crise de 2015: fecharão suas fronteiras aos refugiados.


Famílias recebem suprimentos em campo de refugiados em Suruc, sudeste da Turquia (European Union/ECHO/Caroline Gluck)

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