Bombardeio ao Irã revela compulsão dos EUA pela guerra

Bombardeio ao Irã revela compulsão dos EUA pela guerra

Por Norman Solomon

SAN FRANCISCO, Estados Unidos – Há 20 anos, em junho de 2005, conversei com um iraniano que vendia roupas íntimas no Grande Bazar de Teerã. “As pessoas do mundo todo querem paz”, ele me disse, “mas os governos não permitem”.

Lembrei dessa conversa na noite de sábado (21), depois que o governo americano atacou instalações nucleares no Irã. Nos dias anteriores ao ataque, as pesquisas mostravam claramente que a maioria dos americanos não queria que o país atacasse o Irã.

“Apenas 16% dos americanos acredita que o exército americano deveria intervir no conflito entre Israel e Irã”, informaram os pesquisadores da YouGov. “60% afirmam que não deveria e 24% não têm certeza”.

Mas, na prática, a democracia não tem influência sobre o controle que o estado de guerra exerce sobre o corpo político. Essa realidade explica por que os Estados Unidos não conseguem abandonar seu vício em guerra.

É por isso que a busca profunda pela paz e a democracia autêntica estão tão estreitamente entrelaçadas.

No sábado à noite, o presidente Donald Trump fez um discurso que transbordava a lei do mais forte em escala mundial: “Ou haverá paz ou haverá uma tragédia para o Irã muito maior do que a que presenciamos nos últimos oito dias”.

Mais do que nunca, Estados Unidos e Israel são parceiros declarados no que o Tribunal de Nuremberg de 1946 chamou de “crime internacional supremo”: “o planejamento, preparação, início ou execução de uma guerra de agressão”.

Naturalmente, os autores do crime internacional supremo estão ansiosos para se cobrir de elogios mútuos. Como Trump afirmou em seu discurso: “Quero agradecer e parabenizar o primeiro-ministro Bibi Netanyahu. Trabalhamos em equipe como talvez nenhuma equipe tenha trabalhado antes”. Trump acrescentou: “Quero agradecer ao exército israelense pelo trabalho maravilhoso que realizou”.

Uma verdade assustadora é que o exército israelense funciona, de fato, como parte da maquinaria militar geral dos Estados Unidos. As forças armadas de cada país têm estruturas de comando diferentes e, às vezes, discordam em questões táticas.

Mas no Oriente Médio, de Gaza e Irã ao Líbano e Síria, “cooperação” não é suficiente para descrever o quão unidos eles trabalham com um objetivo comum.

Após mais de 20 meses de cerco israelense a Gaza, com armamento fornecido pelos Estados Unidos, o genocídio continua como um projeto conjunto entre ambos os países.

É um projeto que teria sido literalmente impossível de manter sem as armas e bombas que o governo americano continua fornecendo às Forças de Defesa de Israel, cujo nome parece saído das distopias de George Orwell.

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A mesma aliança entre Estados Unidos e Israel que tem cometido genocídio contra os palestinos em Gaza também permitiu a escalada do terror e da limpeza étnica no estilo Ku Klux Klan contra o povo palestino na Cisjordânia.

A arrogância etnocêntrica e o racismo que sustentam o apoio americano a esses crimes são antigos e se intensificaram com os eventos recentes.

A mesma aliança agora aterroriza a sociedade iraniana pelo ar.

Como vemos nas últimas horas, a cultura política e midiática dos Estados Unidos se inclina fortemente para a glorificação do uso do poder aéreo destrutivo incomparável do país.

Como se estivesse acima de tudo. A presunção do excepcionalismo americano assume que “nós” temos a base moral santificada para agir no mundo com uma mensagem básica de fato impulsionada pelo poder militar: façam o que dizemos, não o que fazemos.

Enquanto tudo isso acontece, é fácil ouvir a palavra “surreal”. Mas uma palavra muito mais adequada é “real”.

“As pessoas que fecham os olhos para a realidade simplesmente convidam sua própria destruição”, escreveu James Baldwin, “e qualquer um que insista em permanecer em estado de inocência muito depois dessa inocência ter morrido se torna um monstro”.

Agora, a população dos Estados Unidos tem uma oportunidade histórica em tempo real: fazer tudo o que for possível para empreender ações não violentas que exijam do governo americano o fim de seu papel monstruoso no Oriente Médio.

Norman Solomon é diretor nacional da organização americana RootsAction e diretor executivo do Institute for Public Accuracy (Instituto para a Precisão Pública). A edição de seu último livro, “War Made Invisible: How America Hides the Human Toll of Its Military Machine” (A guerra invisível: como os Estados Unidos ocultam o custo humano de sua máquina militar), inclui um epílogo sobre a guerra de Gaza.

Norman Solomon é diretor nacional da RootsAction e diretor executivo do Instituto para a Precisão Pública

*Imagem em destaque: O secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou-se “profundamente alarmado” no domingo (22) com o bombardeio dos Estados Unidos contra centrais nucleares do Irã. Ele considerou o ataque “uma escalada perigosa em uma região já no limite, e uma ameaça direta à paz e segurança internacionais” (Evan Schneider/ONU).

*Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service

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