Conferência para a solução de dois Estados: um momento excepcional

Conferência para a solução de dois Estados: um momento excepcional

NAÇÕES UNIDAS – Dignitários da comunidade internacional reúnem-se em Nova York para promover a solução de dois Estados — a coexistência de Israel e Palestina como Estados soberanos — como o único caminho para uma paz compartilhada e sustentável no Oriente Médio.

Líderes atuais e antigos de 145 países e grupos independentes discursarão na ONU para demonstrar seu apoio quase unânime à proposta e debater os passos necessários para torná-la realidade.

A conferência internacional de alto nível da ONU sobre a solução de dois Estados, copresidida pela França e pela Arábia Saudita, ocorre na sede das Nações Unidas em Nova York entre esta segunda-feira, 28, e quarta-feira, 30 de julho.

O evento inclui debates temáticos sobre questões como segurança regional e reconstrução de Gaza, além de declarações de Estados-membros e atores regionais.

Segundo representantes de The Elders (Os Anciãos), existe um espírito compartilhado de cooperação e consenso entre os Estados participantes para avançar na solução de dois Estados. Fundado por Nelson Mandela em 2007, o grupo é um conselho independente de líderes mundiais que atua em prol da paz, da justiça e de um futuro sustentável.

Membros do grupo, incluindo seu atual presidente e ex-presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, falaram com jornalistas na segunda-feira, 28, sobre este “momento interessante e excepcional para a ONU, para o Oriente Médio e para o mundo”, como destacou Santos.

“A posição dos Elders gerou, de certa forma, reações, especialmente do governo israelense. Isso dificultou um pouco nosso trabalho, mas persistimos”, declarou Santos. “Minha experiência me diz que todo conflito, mais cedo ou mais tarde, tem uma solução.”

Santos afirmou ainda que as “circunstâncias podem ser adequadas” para negociar a solução de dois Estados, dada a urgência da “tragédia humanitária” em Gaza, e expressou esperança de que isso “facilite um processo” rumo à paz e estabilidade de longo prazo na região.

“Este é um momento chave em que esperamos ver um compromisso real com a solução de dois Estados, em termos práticos e concretos”, declarou Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e ex-presidente de The Elders. Ela ressaltou que esta é uma oportunidade relevante com vista à Assembleia Geral da ONU em setembro.

Desde outubro de 2023, já foram registradas mais de 59 mil mortes em Gaza. Nas últimas semanas, relatórios da ONU e de parceiros humanitários alertaram sobre fome em massa e desnutrição aguda no território. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos 74 pessoas morreram de desnutrição, e uma em cada cinco crianças com menos de cinco anos sofre de desnutrição aguda.

Em Israel e na Palestina, também existem defensores da solução de dois Estados, com propostas próprias, segundo Zeid Ra’ad al Hussein, ex-alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Ele mencionou uma iniciativa conjunta de israelenses e palestinos que defendem o modelo “Dois Estados, Uma Pátria”, que propõe:

  • o fim da ocupação israelense dos territórios palestinos,
  • negociações cuidadosas sobre ajustes territoriais,
  • liberdade de movimento e residência para todos.

“A força dessa proposta está no fato de ser impulsionada por israelenses e palestinos, ativistas e juristas”, disse Al Hussein. “Queremos ver a solução de dois Estados como objetivo final, mas compreendida de forma prática sobre como realizá-la.”

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Israel e os Estados Unidos boicotaram a conferência, citando como motivos a situação dos reféns em Gaza e o impasse nas negociações de cessar-fogo, devido à recusa do Hamas em cooperar.

Robinson comentou sobre a crescente pressão internacional:

“Há um verdadeiro senso de urgência… E acho que isso não pode ser ignorado, nem mesmo pelos Estados Unidos, por mais poderosos que sejam. E, claro, não se pode ignorar especialmente a sensação generalizada de que está ocorrendo um genocídio.”

Ela sugeriu que os EUA poderiam usar sua influência para forçar Israel a se retirar da guerra e encerrar a campanha de fome em massa, o que poderia tensionar as relações com seu aliado histórico, caso Israel continue a desconsiderar as demandas norte-americanas e cresça a percepção de que os EUA estão se tornando cúmplices de um genocídio.

Além dos EUA, outros atores geopolíticos, especialmente membros da União Europeia (UE), também poderiam tomar medidas para encerrar os combates.

Robinson sugeriu que países responsáveis pela transferência de armas, como Reino Unido e França, poderiam suspender esses envios e evitar que as armas cheguem às mãos do Hamas ou das Forças de Defesa de Israel. Sanções adicionais também poderiam ser impostas.

A participação do Hamas nas negociações também gerou debate, e a França defende sua desmilitarização.

Santos comentou que a causa que impulsionou o Hamas poderia deixar de existir com um acordo de paz. Segundo ele, o grupo precisaria evoluir e se tornar uma força capaz de integrar a estrutura palestina, sem agir como um agente “desestabilizador ou sabotador”.

“Hamas é mais que uma causa. Para cada militante morto, surgem dois outros”, disse o ex-presidente colombiano, referindo-se ao que considera o “erro estratégico” de Israel ao declarar que destruiria o grupo. Na tentativa de fazê-lo, Israel pode estar comprometendo sua imagem diante da própria população, da comunidade judaica internacional e até dos EUA.

O avanço do apoio internacional à solução de dois Estados pode crescer à medida que mais países reconheçam o Estado da Palestina.

Antes da conferência, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que a França reconhecerá oficialmente o Estado Palestino em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU.

Isso é significativo porque, como destacou Robinson, a França será o primeiro membro do G7 a reconhecer a Palestina como Estado — um passo que pode gerar impulso adicional, caso outros países da UE sigam o exemplo.

The Elders expressaram esperança diante do entusiasmo e consenso global demonstrados na conferência até o momento. O avanço das negociações dependerá da participação voluntária de todas as partes e Estados.

Neste contexto, a atual crise humanitária em Gaza confere à conferência um senso de urgência para agir o quanto antes — por mais improvável que pareça nas circunstâncias atuais.

Na imagem, representantes do grupo The Elders (Os Anciãos), Juan Manuel Santos, Zeid Ra’ad Al-Hussein y Mary Robinson / Naureen Hossain / IPS

Este texto foi publicado originalmente pela Inter Press Service (IPS)

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