Mais de 100 palestinos morrem em busca de comida em Gaza

Por Correspondente da IPS
GENEBRA – Pelo menos 27 palestinos morreram baleados nesta terça-feira (3), somando 102 em apenas três dias, quando tentavam desesperadamente acessar um centro de distribuição de comida administrado por Israel e Estados Unidos no sul da Faixa de Gaza, informaram fontes locais e das Nações Unidas.
“Os ataques letais contra civis desesperados que tentam acessar a pequena quantidade de ajuda alimentar em Gaza são inadmissíveis”, declarou nesta cidade suíça o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, após receber relatórios das mortes.
Aos palestinos “foi apresentada a pior das escolhas: morrer de fome ou arriscar ser assassinados enquanto tentam acessar os escassos alimentos distribuídos através do mecanismo militarizado de assistência humanitária de Israel”, afirmou Türk.
“Este sistema militarizado coloca vidas em perigo e viola as normas internacionais sobre distribuição de ajuda, como as Nações Unidas têm alertado repetidamente”, ressaltou o responsável.
Na véspera, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “é inaceitável que os palestinos tenham que arriscar suas vidas por comida. Israel tem a responsabilidade de permitir e facilitar o acesso da ajuda humanitária”, e exigiu investigação independente dos ataques contra civis.
As agências humanitárias da ONU sustentam que é inviável o mecanismo militarizado criado por Tel Aviv e Washington para levar assistência – a Fundação Humanitária de Gaza – e que, em seu lugar, Israel deve abrir as passagens fronteiriças para que entre a ajuda em alimentos, medicamentos e insumos indispensáveis.
Türk explicou que “a obstrução deliberada do acesso da população civil a alimentos e outros suprimentos básicos de socorro pode constituir crime de guerra”.
“A ameaça de fome, junto com 20 meses de matança de civis e destruição em larga escala, os repetidos deslocamentos forçados e a retórica intolerável e desumanizante também constituem elementos dos crimes mais graves segundo o direito internacional”, destacou.
Da mesma forma, acrescentou Türk, também o são “as ameaças dos dirigentes israelenses de esvaziar a Faixa de sua população”, próxima aos 2,3 milhões de habitantes em um território de 365 quilômetros quadrados.
As Forças de Defesa de Israel reconheceram em comunicado que seus soldados “realizaram disparos de advertência quando identificaram vários suspeitos que se dirigiam em sua direção, desviando-se das rotas de acesso designadas” e, ao não conseguir que se retirassem, “dispararam mais perto de alguns suspeitos”.
A vice-ministra israelense de Relações Exteriores, Sharren Haskel, reconheceu que as tropas israelenses abriram fogo contra palestinos que esperavam para pegar comida, embora tenham “disparado longe e porque se sentiram ameaçadas”.
Israel realiza uma ofensiva militar em grande escala na Faixa desde que eclodiu o atual conflito em 7 de outubro de 2023, quando a milícia islamista Hamas atacou o sul israelense com saldo de quase 1.200 pessoas mortas e 250 tomadas como reféns.
A resposta israelense custou a morte de mais de 54 mil pessoas – milhares de mulheres e crianças -, feriu mais de 120 mil e colocou mais de meio milhão de gazenses à beira da fome, razão pela qual as agências da ONU insistem que seja permitido o acesso seguro e urgente dos caminhões com ajuda humanitária.
A maior parte das habitações e demais construções civis em Gaza, assim como a infraestrutura de serviços – desde água e alimentos até saúde e comunicações – foi destruída, e centenas de milhares de pessoas devem se deslocar continuamente em busca de abrigo sob a constante ameaça dos bombardeios.
Enquanto mantém o bloqueio às agências da ONU, Israel permitiu a entrega de alimentos em alguns pontos do sul da Faixa através da fundação que estabeleceu em acordo com os Estados Unidos, para onde acorrem milhares de palestinos desesperados por alimentos, com o trágico saldo de mortos e feridos.
As agências da ONU alertaram e reiteraram que esse mecanismo apoiado por Tel Aviv e Washington não é seguro e descumpre princípios básicos do direito internacional quanto à ajuda: humanidade, imparcialidade, neutralidade e independência.
Türk lembrou que em 2024 a Corte Internacional de Justiça emitiu ordens vinculantes para que Israel garanta, em cooperação com a ONU, a prestação sem obstáculos dos serviços básicos e da assistência humanitária que necessitam os habitantes de Gaza.
*Imagem em destaque: Crianças e mulheres aguardam diante de um centro de distribuição de ajuda das Nações Unidas em Khan Yunis, sul de Gaza, em maio. A assistência da ONU está bloqueada e em seu lugar Israel e Estados Unidos mantêm um programa com alguns centros de distribuição de comida onde, durante três dias, ocorreram incidentes mortais após tropas israelenses abrirem fogo contra gazenses desesperados por alimentos. Crédito: Eyad El Baba / Unicef
*Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service

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