A única colônia que resta na África continua sua luta pela independência

NAÇÕES UNIDAS, 27 de outubro (IPS) — O continente africano foi monopolizado durante muito tempo pelos governantes coloniais europeus, sendo a França o país com maior número de colônias, com mais de 35 territórios, seguida da Grã-Bretanha, com 32.
A era passada do domínio colonial no continente, “que em seu dia foi dividido e governado por potências europeias ávidas de glória imperial”, chegou praticamente ao seu fim, ou quase.
Atualmente, todos eles são membros da União Africana (UA), integrada por 55 nações.
Descrito como um território não autônomo do noroeste da África que luta pela descolonização, o Saara Ocidental é o último território colonial africano que ainda não conseguiu a independência e é conhecido como “a última colônia da África”.
Com uma população estimada de cerca de 600 mil habitantes, é o território menos povoado da África e o segundo menos povoado do mundo, composto principalmente por planícies desérticas.
Antiga colônia espanhola, foi anexado pelo Marrocos em 1975. Desde então, tem sido objeto de uma longa disputa territorial entre o Marrocos e seu povo originário saaraui, liderado pela Frente Polisario.
Em 30 de outubro, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) tem previsto votar um projeto de resolução sobre o futuro da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (Minurso).
Segundo um relatório publicado, os Estados Unidos distribuíram um projeto de resolução que apoia o plano de autonomia do Marrocos de 2007 para o Saara Ocidental como base para uma solução mutuamente aceitável.
O rascunho, que apoia a ampliação do mandato da missão da ONU, pede que se iniciem as negociações sem condições prévias baseadas na proposta do Marrocos, enquadrando-a como a “solução mais factível” para uma “autonomia genuína dentro do Estado marroquino” e uma resolução duradoura.
Stephen Zunes, professor de Política e Estudos Internacionais da Universidade de São Francisco e coautor de “Saara Ocidental: Guerra, nacionalismo e conflito não resolvido”, declarou à IPS que a proposta de autonomia se baseia na suposição de que o Saara Ocidental faz parte do Marrocos, uma afirmação que foi rejeitada há muito tempo pelas Nações Unidas, pela Corte Internacional de Justiça, pela União Africana e por um amplo consenso da opinião jurídica internacional.
O Saara Ocidental, assinalou, é um Estado-membro de pleno direito da União Africana, e as Nações Unidas o reconhecem como território não autônomo.
“Aceitar o plano de autonomia do Marrocos significaria que, pela primeira vez desde a fundação das Nações Unidas e a ratificação da Carta das Nações Unidas há oitenta anos, a comunidade internacional respaldaria a expansão do território de um país pela força militar, estabelecendo assim um precedente muito perigoso e desestabilizador, com graves implicações para as zonas da Ucrânia ocupadas pela Rússia, assim como para os territórios ocupados por Israel”, detalhou Zunes.
Se o povo do Saara Ocidental aceitasse um acordo de autonomia em lugar da independência, como resultado de um referendo livre e justo, argumentou, isso constituiria um ato legítimo de autodeterminação.
Porém, o Marrocos declarou explicitamente que sua proposta de autonomia “descarta, por definição, a possibilidade de que se apresente a opção da independência” ao povo do Saara Ocidental, cuja grande maioria — segundo observadores internacionais bem informados — está a favor da independência total.
Em 24 de outubro, o representante da Frente Polisario perante as Nações Unidas e coordenador com a Minurso, Sidi Mohamed Omar, enviou uma carta ao embaixador Vassily Nebenzia da Rússia, atual presidente do Conselho de Segurança, na qual destacava a posição da Frente Polisario sobre o projeto de resolução dos Estados Unidos.
“A Frente Polisario destaca que o projeto de resolução, que reflete a posição nacional do redator, supõe um desvio muito perigoso e sem precedentes não só dos princípios do direito internacional que sustentam o Saara Ocidental como questão de descolonização, mas também da base sobre a qual o Conselho de Segurança tem abordado o Saara Ocidental”, diz a missiva.
Acrescenta que “também contém elementos que atacam os fundamentos do processo de paz das Nações Unidas no Saara Ocidental e constituem uma grave violação do estatuto internacional do território”.
Atuando em virtude dos capítulos pertinentes da Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança estabeleceu de maneira firme e consensuada a base da solução e o processo que conduz a ela, a saber, negociações sob os auspícios do secretário-geral, sem condições prévias e de boa-fé, com vistas a alcançar uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável.
Essa solução deve permitir a livre determinação do povo do Saara Ocidental no contexto de arranjos compatíveis com os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas, segundo se indica na carta.
Tal como confirmou a Corte Internacional de Justiça, a soberania sobre o Saara Ocidental pertence exclusivamente ao povo saaraui, que tem um direito inalienável, não negociável e imprescritível à livre determinação, que deve ser exercido livre e democraticamente sob os auspícios das Nações Unidas.
Portanto, qualquer enfoque que estabeleça um marco prefixado para as negociações ou predetermine seu resultado, limite o livre exercício por parte do povo saaraui de seu direito à autodeterminação ou imponha uma solução contra sua vontade é totalmente inaceitável para a Frente Polisario, segundo a carta de seu representante.
De acordo com um relatório do Conselho de Segurança de outubro de 2025, uma questão imediata para o Conselho é renovar o mandato da Minurso e considerar quais mudanças, se houver, são necessárias no mandato da missão.
A questão subjacente segue sendo como facilitar uma solução viável e duradoura para o prolongado estancamento sobre o estatuto do Saara Ocidental.
Duas posições fundamentalmente divergentes dificultaram a resolução do conflito.
Por um lado, a reivindicação da Frente Polisario do direito do povo saaraui à autodeterminação, que foi reconhecida pela Corte Internacional de Justiça em sua opinião consultiva de 16 de outubro de 1975 e respaldada por vários Estados-membros.
Numerosas resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, como a resolução A/RES/34/37, afirmaram o “direito inalienável do povo do Saara Ocidental” à autodeterminação e à independência.
O Conselho também pediu uma “solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável que permita a autodeterminação do povo do Saara Ocidental”.
Por outra parte, o Marrocos reivindica a soberania sobre o território, e seu Plano de Autonomia recebeu o apoio de um número cada vez maior de Estados-membros nos últimos anos. Em 2007, o Conselho aprovou a resolução 1754, que, em seus parágrafos preambulares, tomou nota da proposta do Marrocos e acolheu com satisfação os esforços do Marrocos, que considerou sérios e críveis, para fazer avançar o processo rumo a uma solução.
O processo de paz segue enfrentando importantes obstáculos. As hostilidades persistiram com uma intensidade baixa a média, sem chegar a uma confrontação em grande escala. Além disso, o Marrocos controla mais de três quartos do território do Saara Ocidental e realizou importantes investimentos na região, incluindo um projeto portuário de US$ 1,2 bilhão em Dajla.
Além disso, atualmente os colonos de origem marroquina representam quase dois terços dos aproximadamente meio milhão de residentes do Saara Ocidental, em uma estratégia do governo de Rabat para limitar o domínio dos saarauis do território.
Ampliando a informação, Zunes afirmou: “Mesmo se for adotada uma atitude desdenhosa em relação ao direito internacional, também existem uma série de preocupações práticas a respeito da proposta marroquina”.
Acrescentou que “uma delas é que o histórico de respeito à autonomia regional por parte dos Estados autoritários centralizados é bastante pobre, como no caso da Eritreia e Kosovo, que só obtiveram a independência após uma longa e sangrenta luta, e mais recentemente em Hong Kong”.
Baseando-se no costume do Marrocos de descumprir suas promessas à comunidade internacional em relação ao referendo sobre o Saara Ocidental exigido pela ONU e as obrigações derivadas do acordo de cessar-fogo de 1991, afirmou que há poucos motivos para confiar que o Marrocos cumpra suas promessas de conceder uma autonomia genuína ao Saara Ocidental.
“Uma leitura atenta da proposta levanta dúvidas sobre o grau de autonomia que se oferece realmente. Questões importantes como o controle dos recursos naturais do Saara Ocidental e a aplicação da lei (além das jurisdições locais) seguem sendo ambíguas”, considerou Zunes.
Além disso, assinalou, a proposta parece indicar que todas as competências não atribuídas especificamente à região autônoma seguiriam nas mãos do Marrocos.
De fato, o autocrático rei do Marrocos está investido em última instância de autoridade absoluta em virtude do artigo 19 da Constituição marroquina.
Por isso, a insistência da proposta de autonomia em que o Estado marroquino “manterá seus poderes nos âmbitos reais, especialmente no que se refere à defesa, às relações exteriores e às prerrogativas constitucionais e religiosas de Sua Majestade o Rei”, parece outorgar ao monarca autocrático uma considerável margem de interpretação.
(+) Imagem em destaque: efetivos da missão da Minurso no Saara Ocidental. Crédito: Reprodução/Martine Perret/IPS
(++) Publicado originalmente em IPS — Inter Press Service
Thalif Deen, chefe do escritório das Nações Unidas da IPS e diretor regional da América do Norte, cobre a ONU desde o final dos anos 1970. Ex-subeditor de notícias do Sri Lanka Daily News, ele também foi redator editorial sênior do The Standard, com sede em Hong Kong. Ex-oficial de informação do Secretariado da ONU e ex-membro da delegação do Sri Lanka nas sessões da Assembleia Geral da ONU, Thalif é atualmente editor-chefe da revista Terra Viva United Nations – IPS.
