Brasil enfrenta simbiose entre redes sociais e extrema-direita

Brasil enfrenta simbiose entre redes sociais e  extrema-direita

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (de chapéu) reuniu ministros e assessores em Brasília no dia 10 de janeiro para discutir respostas à decisão do Meta de encerrar a verificação de dados e outras medidas que reduzem a moderação em suas plataformas digitais. O governo brasileiro buscou esclarecimentos sobre o efeito da nova política no Brasil. Imagem: Ricardo Stuckert/PR.

POR MARIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – A ascensão global da extrema-direita ocorre depois que as redes sociais praticamente se universalizaram com o telefone celular, neste século, não por coincidência, mas por uma relação simbiótica entre os dois processos.

A decisão da Meta, empresa proprietária das plataformas digitais Instagram, Facebook, Whatsapp e Threads, de acabar com a verificação de dados nos Estados Unidos e reduzir a moderação de conteúdo no mundo, expõe essa simbiose e desafia os países que estão tentando regular as redes sociais, como o Brasil, onde a desinformação se tornou crítica.

O governo esquerdista do Partido dos Trabalhadores do Brasil está buscando esclarecer os efeitos da derrubada do Meta no país, por enquanto sem alterações na verificação, mas sujeito a um afrouxamento geral do bloqueio automático de discurso de ódio e menções ofensivas, por exemplo, a homossexuais e transgêneros.

As plataformas da Meta prometem remover conteúdo que promova “violações graves”, como terrorismo, exploração sexual infantil, drogas, fraude, agressão e incentivos ao suicídio ou automutilação.

Mas deixa a cargo da avaliação dos próprios usuários a denúncia de “violações de baixo nível”, sem definir ou especificar claramente seus casos.

“Esse é um problema econômico e geopolítico global, um cenário em que as chamadas corporações de ‘big tech’, com seus monopólios, têm mais poder do que os governos”: Flavia Lefevre.

“Será mais complicado do que o caso da rede X”, prevê Flavia Lefevre, advogada especializada em direito da comunicação e assessora do instituto não governamental Nupef (Núcleo de Pesquisa, Estudos e Formação).

Ela se refere à suspensão das operações da X no Brasil de 30 de agosto a 8 de outubro de 2024.

O Supremo Tribunal Federal a puniu porque seu proprietário, Elon Musk, se recusou a nomear um representante no país e a cumprir a legislação local. Ela só voltou a atuar em seu maior mercado latino-americano quando cumpriu as exigências.

Milhões de pessoas dependem da Meta

As plataformas da Meta têm 130 milhões de usuários no Brasil, e 80 milhões dependem do Instagram e do Whatsapp para ter acesso à internet quando ficam sem crédito em seus celulares, disse Lefevre à IPS de São Paulo.

Neste país de 212 milhões de habitantes, 60% dos que acessam a internet o fazem por telefone celular, e uma grande parte, geralmente pobre, é assinante de um serviço telefônico pré-pago para uma determinada quantidade de uso.

Quando o saldo se esgota, o acesso é bloqueado pelas operadoras telefônicas até que um novo pagamento seja feito, mas não por algumas redes digitais, explicou ele.

Essa realidade significa que a suspensão das atividades da Meta, se houver confronto, não parece ser uma opção razoável.

“Temos que buscar outras saídas, como multas, um ajuste de conduta que pode ser negociado pelo Ministério Público ou pela Secretaria Nacional do Consumidor”, disse o advogado do Nupef, um instituto que promove o uso seguro das tecnologias de informação e comunicação.

O Brasil está tentando aprovar uma legislação para regulamentar as atividades das redes digitais, mas um projeto de lei aprovado no Senado está parado na Câmara dos Deputados devido à oposição da extrema-direita e de seus aliados, que preferem a ausência de regras ao que definem como restrições à “liberdade de expressão”.

Algumas das regras do projeto de lei rejeitado incluem a colocação de sinais quando uma publicação é promovida, ou seja, ganha disseminação estimulada, relatórios periódicos das plataformas sobre como elas lidam com o fluxo de informações e critérios para remoção e suspensão de usuários.

O ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, cuja gestão econômica, é vítima frequente de informações falsas nas redes sociais. Ele teve que revogar uma medida de 30 de dezembro de 2024 para monitorar o sistema de pagamentos brasileiro Pix e coibir a evasão fiscal diante de falsos rumores de que as transações por meio da plataforma seriam tributadas. Imagem: Marcelo Camargo / Agência Brasil.

Já existem leis

Mas o Brasil tem meios legais para impor limites e punir violações das plataformas, o Marco Legal da Internet, o Código do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e também o Código Penal para crimes que ameaçam a vida de pessoas ou afetam a economia, por exemplo.

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Um caso exemplar é a onda de mentiras que forçou o governo brasileiro a revogar uma medida adotada em 30 de dezembro, que obrigaria todas as instituições financeiras a informar ao Banco Central o uso do Pix, um mecanismo de pagamento, além de um limite mensal, de 5.000 reais (830 dólares) para pessoas físicas e o triplo para empresas.

O objetivo era obter dados para coibir a evasão fiscal, mas a extrema-direita inundou as redes sociais com a informação de que o governo impôs um imposto sobre o Pix, criado em 2020, que rapidamente se popularizou.

O pânico gerado levou a uma redução de 15% em suas operações na primeira quinzena do ano.

Em 15 de janeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a suspensão da medida, sua futura substituição por um decreto esclarecedor e processos criminais contra os autores das mentiras que constituem crimes contra a economia popular.

As campanhas de desinformação da ultra direita contribuem para a crise de confiança e credibilidade que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já está sofrendo, principalmente devido às incertezas fiscais geradas por sua tendência de expandir os gastos públicos.

Há uma falta de determinação na aplicação das leis existentes. Mas uma específica, que regulamente e estabeleça as responsabilidades das redes sociais, facilitaria a contenção das mentiras e dos discursos de ódio que saturam o ambiente das mídias sociais.

A Europa avançou nessa direção. “Mas esse é um problema econômico e geopolítico global, um cenário em que as chamadas corporações de ‘big tech’, com seus monopólios, têm mais poder do que os governos”, e uma solução de fato teria que corrigir isso, argumentou Lefevre.

Em sua opinião, “essas empresas têm lados, elas agem não apenas por interesse econômico, mas também por interesse político”, suas plataformas digitais são de natureza extremista de direita.

O novo secretário presidencial de comunicação social do Brasil, Sidônio Palmeira, especialista em propaganda eleitoral, foi empossado em um evento em Brasília no dia 14 de janeiro. Sua nomeação é uma tentativa de melhorar a imagem do governo, mesmo diante da frequência cada vez maior de notícias falsas. Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil.


Tecnologias neutras?

Natalia Viana, diretora-executiva da agência de jornalismo investigativo Pública, não vê da mesma forma.

“A tecnologia das plataformas não é de esquerda nem de direita, como toda tecnologia. São as decisões tomadas para que elas sirvam apenas ao propósito de gerar mais e mais lucros, sejam cada vez mais viciantes, que nos levaram ao estado atual”, disse ela, também de São Paulo.

A Internet e as redes sociais eram diferentes até a oferta pública inicial de ações do Facebook em 2012, argumentou ele. O modelo de negócios escolhido, no qual os lucros são obtidos pela captura da atenção das pessoas por mais tempo, gerou distorções que seriam evitáveis em outras opções, como serviços baseados em assinaturas, disse ele.

Seriam alternativas menos lucrativas, não fariam de seus proprietários bilionários classificados entre os homens mais ricos do planeta, reconheceu.

As plataformas também incorporaram algoritmos que aumentam ou diminuem a disseminação do conteúdo, considerando as interações geradas e não sua qualidade ou o interesse dos usuários, observou ele.

No caso da Pública, suas publicações no Facebook atingiam 30% de seus leitores, mas isso caiu para 4% quando o algoritmo mudou e para quase nada depois que Mark Zuckerberg, executivo-chefe da Meta, decidiu eliminar o jornalismo da rede social, exemplificou Viana.

O modelo de negócios das plataformas digitais “depende de informações falsas e discurso criminoso”, escreveu Viana em um comentário regular enviado aos leitores da Pública. “Um debate saudável, baseado na realidade e civilizado” a levaria à falência, admitiu ele.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

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