Ciclo da água está se tornando cada vez mais irregular e extremo

Ciclo da água está se tornando cada vez mais irregular e extremo

GENEBRA — Desde chuvas intensas até secas prolongadas, o ciclo da água torna-se cada vez mais irregular e extremo em todo o mundo, e tanto o excesso quanto a escassez impactam de modo prejudicial a sociedade e a economia, advertiu um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgado nesta quinta-feira, 18.

Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, observou que “os recursos hídricos mundiais estão submetidos a uma pressão crescente, e os perigos relacionados com a água, cada vez mais frequentes e devastadores, têm um efeito cada vez maior sobre nossas vidas e nossos meios de subsistência”.

Dois terços das bacias hidrográficas do planeta apresentaram valores superiores ou inferiores ao normal, um desequilíbrio registrado pelo sexto ano consecutivo.

A bacia do Amazonas e outras partes da América do Sul, assim como o sul da África, foram afetadas por episódios de seca grave em 2024, enquanto, na África central, ocidental e oriental, e em partes da Ásia e Europa central, registraram-se condições mais úmidas do que o normal.

Além disso, observou-se uma perda generalizada de massa glacial em todas as regiões pelo terceiro ano consecutivo.

Na América Latina advertiram-se impactos particularmente graves, começando pela seca histórica na Amazônia, que afetou 59% do território brasileiro em 2023–2024, deixou 1,2 milhão de pessoas com problemas de água, e reduziu o nível do rio Negro em Manaus (norte, junto ao Amazonas) ao seu mínimo histórico.

Por contraste, também no Brasil houve inundações sem precedentes. Em maio, chuvas extremas no estado Rio Grande do Sul, fronteiriço com Argentina e Uruguai, provocaram a pior enchente em 80 anos, com 183 mortes e 2,4 milhões de pessoas afetadas.

Ao persistirem as secas na região, os grandes rios Paraná, São Francisco e Orinoco registraram vazões muito abaixo do normal. Seis de cada 10 rios no mundo mostraram vazões fora do normal, seja muito baixas ou muito altas.

A região também mostrou geleiras em retrocesso: a Colômbia perdeu cinco por cento de sua massa glacial entre 2022 e 2024. Sua geleira Conejeras, no nevado Santa Isabel, na cordilheira central dos Andes, desapareceu por completo em 2024.

Em todo o mundo perdeu-se uma massa glacial estimada em 450 gigatoneladas, que equivale a um enorme bloco de gelo de sete quilômetros de altura, sete de largura e sete de profundidade, ou um volume de água suficiente para encher 180 milhões de piscinas olímpicas.

O que ocorreu? Mudaram as condições climáticas: 2024 foi o ano mais quente desde que existem registros e começou com um episódio de El Niño (ventos quentes sobre o oceano Pacífico equatorial central e oriental) que afetou as principais bacias hidrográficas.

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Isso contribuiu para as secas que ocorreram no norte da América do Sul, na bacia do Amazonas e no sul da África, e para as precipitações superiores à média nas zonas central e ocidental da África, e na bacia do lago africano Victoria.

Também no Cazaquistão, no sul da Rússia, Europa central, no Paquistão, norte da Índia, no sul do Irã e no nordeste da China.

Em quase todos os 75 lagos principais de todo o mundo, que foram objeto de análise, alcançaram-se temperaturas superiores ou muito superiores ao normal em julho, o que afetou a qualidade de suas águas.

As tendências em matéria de afluência aos reservatórios, águas subterrâneas, umidade do solo, e evapotranspiração, revelaram a existência de contrastes regionais.

Enquanto se observaram recargas nas zonas mais úmidas, por exemplo em partes da Europa e da Índia, em algumas partes da África, América e Austrália persistiram os déficits.

A extração excessiva de água subterrânea continua sendo um problema em algumas zonas, posto que reduz a disponibilidade futura de água para as comunidades e os ecossistemas, e aumenta a pressão sobre os recursos hídricos mundiais.

Somente 38% dos poços (de uma amostra de 37.406 de 47 países que forneceram dados sobre águas subterrâneas) apresentaram níveis normais; o restante registrou abundância excessiva ou escassez de água.

Calcula a OMM que 3,6 bilhões de pessoas (dos 8,2 bilhões de habitantes do planeta) carecem de acesso adequado à água ao menos durante um mês ao ano, cifra que previsivelmente aumentará até superar os 5 bilhões até 2050.

O mundo continua assim longe de alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6, relativo à obtenção de água limpa e saneamento para todos.

Saulo disse que diante dos registros do último ano “é mais importante que nunca dispor de informação confiável e com base científica, já que não se pode administrar o que não se mede”.

(+) Imagem em destaque: Porto Alegre, sul do Brasil — Um homem percorre de bote inflável as ruas inundadas por fortes chuvas, enquanto no norte do país os rios se reduziam a mínimos históricos devido a seca sem precedentes. Crédito: Diálogo Earth

(++) Publicado originalmente em IPS — Inter Press Service

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