Liberdade de imprensa atinge mínimo histórico global, aponta RSF

Liberdade de imprensa atinge mínimo histórico global, aponta RSF

Por Ed Holt

BRATISLAVA – A liberdade de imprensa no mundo todo enfrenta um momento crítico, alertam ativistas, após um importante índice que mede o estado da liberdade de imprensa global atingir um mínimo sem precedentes.

Na última edição do índice anual de liberdade de imprensa, elaborado pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e publicado nesta sexta-feira, 2 de maio, a pontuação média de todos os países avaliados caiu abaixo dos 55 pontos, entrando na categoria de “situação difícil” pela primeira vez na história do índice.

O relatório coincide com a celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa neste sábado, 3 de maio, estabelecido em 1993 para lembrar a importância da liberdade de expressão e da imprensa livre como pilares da democracia e dos direitos humanos em todo o planeta.

O relatório da RSF mostra que mais de seis em cada dez países (de um total de 112) viram sua pontuação global diminuir no índice, enquanto as condições para exercer o jornalismo são classificadas pela primeira vez como ruins em metade dos países do mundo e satisfatórias em menos de um em cada quatro.

Em 42 países, que abrigam mais da metade da população mundial (56,7%), a situação é “muito grave”, segundo o grupo. Nestas regiões, a liberdade de imprensa é praticamente inexistente e o exercício do jornalismo é particularmente perigoso.

A RSF afirma que, embora a liberdade de imprensa venha registrando uma tendência de queda global há algum tempo, as pontuações do último índice representam um novo patamar preocupante.

“Nosso índice vem alertando sobre isso há dez anos: a trajetória da liberdade de imprensa tem sido descendente, mas agora chegamos a um novo mínimo”, disse ao IPS a diretora da RSF no Reino Unido, Fiona O’Brien.

Ela detalhou que “60% dos países viram suas pontuações (no índice) cair no ano passado e o ambiente para a liberdade dos meios de comunicação globalmente piorou”.

“Estamos em um momento crítico para a liberdade de imprensa em todo o mundo”, lamentou.

Nos últimos anos, especialistas e ativistas têm alertado sobre as crescentes ameaças à liberdade de imprensa em um contexto de ascensão de regimes autoritários que buscam silenciar a dissidência, bem como das crescentes pressões econômicas que afetam a capacidade de funcionamento dos meios de comunicação independentes.

O índice da RSF é elaborado a partir de cinco indicadores diferentes: contexto político, marco jurídico, contexto econômico, contexto sociocultural e segurança, que são combinados para obter uma pontuação global.

Segundo o relatório, este ano a pontuação global do índice foi prejudicada pelos resultados do índice econômico.

Afirma-se que a pressão econômica é um fator frequentemente subestimado, mas importante, que enfraquece gravemente os meios de comunicação em muitos países.

Esta pressão se deve em grande parte à concentração da propriedade, à pressão dos anunciantes e financiadores, e aos subsídios públicos restritos, inexistentes ou distribuídos de forma não transparente.

A RSF adverte que isso está deixando muitos veículos de comunicação presos entre preservar sua independência editorial e garantir sua sobrevivência econômica.

“A pressão sobre a sustentabilidade dos meios de comunicação está mais grave do que nunca”, declarou O’Brien.

Os efeitos dessa pressão econômica têm sido severos. Os dados coletados para o índice indicam que em 160 dos 180 países avaliados (88,9%), os meios de comunicação conseguem estabilidade financeira com dificuldade ou não a conseguem de modo algum.

Enquanto isso, veículos de comunicação estão fechando devido às dificuldades econômicas em quase um terço dos países do mundo.

Embora as dificuldades da economia dos meios de comunicação em alguns países tenham sido agravadas pela instabilidade política, pela falta geral de recursos e pela guerra, os veículos de outros países ricos e aparentemente mais estáveis também enfrentam importantes pressões econômicas.

A RSF aponta que, nos Estados Unidos, a maioria dos jornalistas e especialistas em mídia relatou ao grupo que os veículos de comunicação lutam pela viabilidade econômica.

Paralelamente, os meios de comunicação independentes que sobrevivem em grande parte ou exclusivamente de financiamento estrangeiro estão sob pressão crescente.

O congelamento do financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), determinado pelo governo de Donald Trump após seu retorno à Casa Branca em janeiro, mergulhou centenas de veículos de comunicação de diferentes países do mundo na incerteza econômica ou forçou outros a fechar.

Isso foi especialmente grave na Ucrânia, onde nove em cada dez veículos recebem ajuda internacional e a Usaid é o principal doador.

“Os cortes americanos tiveram um efeito profundo no país”, disse ao IPS Jeanne Cavalier, responsável pelo Leste Europeu e Ásia Central da RSF. “Os meios independentes são vitais em qualquer país em guerra. É um verdadeiro golpe para a liberdade de imprensa no país”, precisou.

Cavalier considerou que, de fato, o drástico corte no financiamento americano “representa uma ameaça existencial para a liberdade de imprensa em todos os países com governos autoritários sob a influência da Rússia”.

E isso acontece, destacou, quando particularmente os meios de comunicação no exílio prestam um serviço vital às pessoas que vivem sob esses regimes.

Um exemplo é o que acontece com o veículo de comunicação Meduza, uma das organizações de mídia russas no exílio mais destacadas. Embora mais da metade de seu financiamento venha de microfinanciamento, até o início deste ano uma parte de seus fundos vinha de subsídios americanos.

A RSF afirmou que o impacto combinado do corte e os problemas financeiros anteriores representavam um desafio importante para seu funcionamento. Consequentemente, o veículo foi obrigado a reduzir seu quadro em 15% e a cortar salários.

Em declarações ao IPS quando tiveram que tomar essas medidas, Katerina Abramova, diretora de comunicação da Meduza, afirmou que esses cortes influenciariam a diversidade de seus conteúdos.

No entanto, após a publicação do índice da RSF, ela afirmou que o grupo conseguiu continuar com seu trabalho, embora tenha reconhecido que “agora é ainda mais difícil”.

“Nosso principal objetivo é manter a qualidade de nossas reportagens e continuar informando de dentro da Rússia”, garantiu agora ao IPS.

No entanto, mostrou-se preocupada com o futuro de outras organizações semelhantes à Meduza, dado o deterioramento da liberdade de imprensa e da saúde econômica dos meios de comunicação independentes em todo o mundo.

“Espero que não se perca completamente a informação independente em países onde a liberdade de expressão se tornou ilegal. Mas sei que muitas redações independentes estão sofrendo e estão à beira do fechamento”, disse ao IPS.

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Abramova lembrou que “quando você está no exílio, encontra-se em uma posição vulnerável, por isso essas redações enfrentam os desafios mais difíceis”.

“Também me preocupa que os cortes da Usaid possam ser vistos como um bom sinal para muitos regimes autoritários pelo mundo. Eles poderiam dizer: vejam, os Estados Unidos também não gostam mais dos jornalistas. Seria como uma validação do que estão fazendo com os meios independentes (em seus próprios países)”, acrescentou.

Enquanto isso, outras organizações também têm dado o alerta sobre as crescentes ameaças à liberdade de imprensa, inclusive em países considerados entre as democracias mais sólidas do mundo.

No índice da RSF, a região da União Europeia (UE) e dos Bálcãs obteve a pontuação global mais alta, e sua diferença com o resto do mundo continuou aumentando.

Mas um relatório publicado no final de abril pelo grupo União pelas Liberdades Civis na Europa (Liberties) destacou como alguns governos da UE estavam atacando a liberdade de imprensa e enfraquecendo os meios de comunicação independentes.

Esse relatório, baseado no trabalho de 43 grupos de direitos humanos de 21 países, adverte que a liberdade de imprensa está se deteriorando em todo o bloco.

Afirma que “os mercados de mídia da UE se caracterizam por uma alta concentração da propriedade dos meios, cujos proprietários permanecem ocultos por trás de obrigações de transparência inadequadas, a contínua erosão da independência dos meios de comunicação de serviço público, as crescentes ameaças e intimidações contra os jornalistas e as restrições à liberdade de expressão e ao acesso à informação”.

Para o Liberties, “as conclusões deste relatório deveriam colocar os responsáveis da UE em alerta máximo: a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação estão sendo atacados em toda a UE e, em alguns casos, encontram-se em uma luta existencial contra governos abertamente antidemocráticos”.

A organização também alertou que “a legislação da UE para reforçar a liberdade dos meios de comunicação está sendo recebida com hostilidade, o que torna os esforços de aplicação em 2025 e além decisivos para proteger os meios de comunicação livres e plurais dos quais depende a democracia europeia”.

No entanto, é precisamente esta legislação que, segundo os especialistas, oferece esperanças de que se possa enfrentar algumas das ameaças à liberdade dos meios de comunicação.

Essa legislação inclui a Lei Europeia de Liberdade dos Meios de Comunicação (EMFA), projetada para garantir a proteção dos jornalistas e das fontes, a independência dos órgãos reguladores e a total transparência da propriedade, e a Diretiva Anti-SLAPP (ações judiciais estratégicas contra a participação pública), destinada a proteger jornalistas e defensores dos direitos humanos de processos judiciais abusivos.

“No nível dos diferentes países da UE, existem alguns problemas. Nos casos em que houve recentemente uma mudança de governo que se afasta do autoritarismo, registraram-se alguns avanços positivos, por exemplo, na Polônia. Mas em outros países, como a Eslováquia, estamos vendo o contrário”, disse ao IPS Eva Simon, responsável por incidência política do Liberties.

No entanto, acrescentou, “no nível da UE, vemos perspectivas positivas para a liberdade dos meios de comunicação na nova legislação”.

Ela lembrou que a Lei de Mídia da UE entrará em vigor em breve e a diretiva contra as ações judiciais estratégicas contra a participação pública (SLAPP) entrará em vigor no próximo ano.

“A UE tem o poder de intervir nos países onde existem problemas persistentes e temos grandes esperanças de que a UE use seus poderes para fazer cumprir a Lei Europeia de Liberdade dos Meios de Comunicação”, garantiu Simon.

Ela ressaltou que “a UE dispõe de mais ferramentas do que nunca para garantir a liberdade dos meios de comunicação nos Estados-membros”.

Por sua vez, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) publicou na quarta-feira, 30 de abril, outro relatório que condena como, desde o início do segundo mandato de Trump em janeiro, a liberdade de imprensa tem sido alvo de ataques.

O relatório alertou que a liberdade de imprensa já não é um fato nos Estados Unidos, já que os jornalistas e as redações enfrentam pressões cada vez maiores que ameaçam tanto sua capacidade de informar livremente quanto o direito do público à informação.

O documento destacou que o governo americano tomou em seus primeiros três meses no poder “medidas sem precedentes para minar de forma permanente a liberdade de imprensa”.

Cita entre essas medidas a restrição do acesso a alguns meios de comunicação, o uso cada vez maior de órgãos governamentais e reguladores contra os meios de comunicação e o lançamento de ataques seletivos contra jornalistas e redações.

Em um comunicado, a diretora executiva do CPJ, Jodie Ginsberg, afirmou: “Este é um momento decisivo para os meios de comunicação americanos e o direito do público a estar informado”.

Ela acrescentou que “seja em nível federal ou estadual, as investigações, audiências e ataques verbais criam um ambiente em que a capacidade dos meios de comunicação de testemunhar a atuação do governo já está restrita”.

Muitos especialistas em mídia afirmam que as ameaças atuais à liberdade de imprensa nos Estados Unidos estão entre as mais preocupantes do mundo.

“Há um ataque frontal à liberdade de imprensa nos Estados Unidos. Se olharmos para as pontuações dos Estados Unidos [no índice], o indicador social caiu enormemente, o que demonstra que dentro do país a imprensa opera em um ambiente hostil. A situação econômica também se deteriorou, o que dificulta as coisas para eles”, disse O’Brien, da RSF.

Mas além disso, ela destacou, “muita gente vê os Estados Unidos como um bastião da liberdade de imprensa, com a Primeira Emenda de sua Constituição, e o que está acontecendo lá com os meios de comunicação independentes é um presente absoluto para os governantes autoritários de todo o mundo”.

Se o resto do mundo ficar de braços cruzados, observar o que acontece e permitir que se restrinja e se ataque a liberdade de imprensa sem fazer nada, argumentou, outros regimes verão isso e pensarão: “Ah, então está certo fazer isso”.

“Os líderes mundiais devem defender agora a liberdade de imprensa. O jornalismo independente é fundamental para as sociedades democráticas”, enfatizou.

*Imagem em destaque: Predominância do vermelho no mapa indica o lamentável estado da liberdade de imprensa no mundo em 2025. RSF

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service

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