Micro-barragens provocam onda de sustentabilidade hídrica no Brasil

Micro-barragens provocam onda de sustentabilidade hídrica no Brasil

Por Mario Osava

SETE LAGOAS (MG) – Em alguns casos, parecem tentativas de copiar a superfície da Lua, já que as crateras se multiplicam nas pastagens. Mas, na verdade, são micro-barragens, as barraginhas, que se espalharam no Brasil como uma forma bem-sucedida de armazenar água e evitar a erosão do solo em áreas rurais.

O criador do projeto que incentiva esses buracos é Luciano Cordoval, um agrônomo que trabalha para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Sete Lagoas, um município de 227.000 habitantes no estado de Minas Gerais.

Ele recomenda que a barraginha tenha 16 metros de diâmetro e profundidade suficiente para conter 1,2 metro de água. Suas bordas de terra se elevam 80 centímetros acima do nível da água, com um vertedouro para o excesso. Na prática, essas dimensões variam muito.

O Projeto Barraginhas, promovido por Cordoval, da Embrapa em Sete Lagoas, que se dedica principalmente à pesquisa de milho e sorgo como uma das 43 unidades da empresa, esteve diretamente envolvido na construção de cerca de 300 mil micro-barragens, estima o agrônomo.

Mas o inovador acredita que, no total, elas chegam a dois milhões em todo o país, já que muitas instituições, empresas e municípios adotaram a inovação, reconhecida como uma tecnologia social, e a difundiram por iniciativa própria.

Contribui para isso a intensa atividade de treinamento de Cordoval, que chama os disseminadores de suas barraginhas, que se destacam em várias regiões do Brasil, de seus “clones”. O agrônomo também promove intercâmbios entre municípios, nos quais grupos que já construíram muitas fazendas com micro-barragens repassam seus conhecimentos.

Essas micro-barragens são adequadas para terrenos com baixa declividade. A Embrapa recomenda não construí-las em terrenos com declividade superior a 15%.

Para encostas mais íngremes, Cordoval sugere outra forma de reter a água, que ele chamou de “curvas de nível com cochinhos”, ou seja, valas que seguem as curvas de nível, mas são interrompidas por uma sucessão de tanques de água na forma de calhas, que no Brasil são chamadas de cochos de água.

Grandes proprietários de terras e pequenos agricultores reconhecem os benefícios dessas formas de retenção de água da chuva. Em muitos casos, a falta de água desapareceu, as nascentes foram revitalizadas e, com elas, os pequenos cursos d’água.

Veja Também:  Começa a primeira fase do cessar-fogo entre Israel e Palestina

Antonio Alvarenga, proprietário de 400 hectares em Sete Lagoas, é um caso exemplar de pioneirismo. Ele construiu suas primeiras 28 micro-barragens com o apoio da Cordoval em 1995, dois anos antes do lançamento formal do Projeto Barraginhas da Embrapa.

Ele continuou a construí-las e estima ter acrescentado “mais de 100” às 28 iniciais. A exploração de terras degradadas e secas foi totalmente modificada. A recuperação do lençol freático lhe permitiu ter uma lagoa “artificial” de 42.000 metros quadrados e quadruplicar o número de cabeças de gado em sua propriedade.

A água retida nas micro-barragens alimenta o lençol freático que viabiliza as lagoas e recupera os poços que são a fonte de água potável para milhões de famílias rurais no Brasil. Isso é comprovado por fotos que mostram que o nível da água nos poços subiu um pouco após a construção das barraginhas.

O sucesso das micro-barragens é especialmente evidente em terras degradadas, que, segundo estimativas, ultrapassam 90 milhões de hectares no Brasil, principalmente devido à pecuária extensiva.

O objetivo é restaurar a umidade em uma grande parte do país, afetada pelo desmatamento, expansão agrícola e outras atividades humanas.

As mudanças climáticas agravam a escassez de água em um território mais amplo, especialmente no Semiárido, que cobre 100 milhões de hectares no interior da região Nordeste, e no Cerrado, a região semelhante à savana do Brasil, que se estende por mais de 200 milhões de hectares.

Além das micro-barragens, as valas de contorno e outras formas de captação de água da chuva reduzem a erosão que empobrece o solo e assoreia os rios no Brasil.

Um tipo de barraginhas, geralmente de tamanho menor, que também prolifera no Brasil, são construídas ao longo das estradas como forma de evitar a erosão.

Este texto foi publicado originalmente pela Inter Press Service (IPS)

Na imagem, exemplos de micro-barragens / Crédito: Luciano Cordoval

Tagged: , ,