Moçambique: dois presidentes, uma nação dividida

Este é um artigo de opinião de Egídio Chaimite, pesquisador sênior no Instituto de Estudos Sociais e Econômicos de Moçambique.
Por Egídio Chaimite
MAPUTO – Não nos iludamos: Moçambique continua em crise, apesar da posse de Daniel Chapo como presidente e da formação de um novo parlamento. Embora as acusações generalizadas de fraude eleitoral em massa durante as eleições de 9 de outubro de 2024 tenham sido o estopim imediato dos distúrbios, os protestos revelaram problemas socioeconômicos e políticos profundamente enraizados.
Há uma grande frustração com o aumento do custo de vida, a crescente desigualdade, o desemprego persistente e a falta de serviços públicos de qualidade, desafios que têm definido a trajetória de desenvolvimento deste país da África Oriental na última década.
Essas pressões socioeconômicas alimentaram sentimentos de marginalização e desespero, especialmente entre os jovens e o grande grupo de pessoas que lutam para sobreviver.
Liderados por Venâncio Mondlane, o candidato oficialmente reconhecido como segundo colocado nas eleições presidenciais, os protestos ganharam força rapidamente, principalmente entre os jovens.
Os manifestantes rejeitaram explicitamente os resultados das eleições e expressaram seu descontentamento com os 49 anos de governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), desde que o país obteve sua independência de Portugal em 1975. Pediam e pedem o fim do que descrevem como um modelo de governo fracassado que perpetuou a estagnação econômica e a exclusão política.
Já se passaram mais de três meses de protestos. O número de mortos ultrapassa 300, com mais de 600 feridos e muitos ainda desaparecidos. Tanto as infraestruturas públicas quanto as privadas sofreram grandes danos.
No entanto, o impasse continua. As tentativas de diálogo fracassaram, deixando o país mergulhado em um estado de incerteza.
Dois presidentes, uma nação dividida
Moçambique enfrenta agora o desafio sem precedentes de dois aspirantes à presidência: Chapo, o chefe de Estado oficial, e Mondlane, o autoproclamado “presidente do povo”. Ambas as posses foram ofuscadas pela violência, o que reflete uma tendência mais geral na forma como a dissidência é administrada no país.
A longa história da Frelimo de utilizar as forças de segurança do Estado para promover sua própria agenda política é evidente na resposta constante e brutal da polícia aos protestos. Foram utilizados gás lacrimogêneo, balas reais e até invasões de domicílio, o que provocou mortes e ferimentos em civis não envolvidos.
Este uso excessivo da força passou em grande parte despercebido pelo presidente, seu predecessor Filipe Nyusi e altos cargos policiais, o que reforça a percepção de cumplicidade ou até mesmo de orquestração direta na repressão da oposição.
Mas a violência não é unilateral. Os manifestantes participaram de sabotagens e chegaram a lançar ataques contra delegacias de polícia, o que provocou a morte de policiais.
Em alguns bairros, os manifestantes chegaram a declarar que substituiriam completamente a Polícia da República de Moçambique (PRM) e formariam sua própria força policial, o que corroeu ainda mais a autoridade do aparato de segurança oficial.
Para piorar a situação, Mondlane anunciou recentemente uma controversa doutrina de retaliação: para cada manifestante morto pela polícia, um agente policial seria morto em troca. É “olho por olho”.
Em uma tentativa desafiadora de minar a autoridade de Chapo, Mondlane adotou um modelo de governo paralelo. Emitindo o que ele chama de “decretos presidenciais”, ele tem convocado à desobediência civil, incluindo boicotes a pedágios e demandas por redução de preços de bens essenciais, como água, energia e cimento.
Suas medidas populistas têm ressoado entre muitos apoiadores, mas sua aplicação frequentemente resulta em protestos e, às vezes, em violência.
Enquanto isso, a administração de Chapo, que ainda luta para formar seu governo, não abordou de forma significativa a crise em curso.
Em um evento recente, Ana Rita Sithole, uma figura importante dentro da Frelimo, descartou a possibilidade de um acordo político com Mondlane, enviando um sinal claro de que pelo menos uma facção dentro do partido não está disposta a dialogar, prolongando assim o impasse e minando qualquer perspectiva de restabelecer a paz.
Essa postura de linha dura só aprofunda a divisão política, lançando uma sombra sobre o já frágil futuro de Moçambique.
Escalada e autoritarismo ou estabilidade e diálogo?
O futuro incerto de Moçambique é dominado por dois cenários possíveis: um de escalada e outro de reconciliação e retorno à estabilidade. O potencial de diálogo surge como o fator decisivo que separa essas duas trajetórias. No entanto, os avanços na promoção desse diálogo têm sido, até agora, decepcionantemente limitados.
No primeiro cenário, a instabilidade se agrava à medida que ambos os lados fortalecem suas posições. Nesse cenário, Mondlane continua convocando a desobediência civil, protestos e mobilização em massa, corroendo ainda mais a capacidade de Chapo de governar efetivamente.
Diante da crescente pressão, Chapo poderia seguir o caminho repressivo de seu predecessor, Nyusi, dependendo cada vez mais de operações policiais e das forças de segurança do Estado para afirmar controle.
Embora essas medidas possam visar restaurar a ordem, elas correm o risco de exacerbar ainda mais as tensões. Cada ato de repressão poderia provocar maior resistência por parte dos apoiadores da oposição, levando a um perigoso ciclo de violência e ao aumento dos distúrbios.
A perseguição política poderia se intensificar, mirando figuras proeminentes da oposição, jornalistas e ativistas. Em um cenário extremo, isso poderia até resultar no assassinato ou prisão de líderes-chave da oposição, como o próprio Mondlane, o que geraria maior indignação entre seus apoiadores e aprofundaria as divisões sociais.
No segundo cenário, o diálogo e a reconciliação prevalecem. Nesse caso, Chapo e Mondlane concordariam em negociar, mesmo que relutantemente. Eles poderiam buscar uma solução intermediária, como a formação de um governo de unidade nacional ou a realização de novas eleições. No entanto, nenhum dos lados admitiu publicamente a existência de negociações em andamento.
Para que esse cenário tenha sucesso, Chapo, como presidente da República, deve tomar medidas decisivas e aproveitar sua posição de liderança para criar consenso em prol do país.
Ao mesmo tempo, Mondlane deve demonstrar abertura para uma solução negociada do conflito e reconsiderar sua lista de demandas, especialmente porque sua luta pela “verdade eleitoral” parece difícil de vencer após o tribunal constitucional ter processado as denúncias e determinado oficialmente os resultados finais.
Embora mais grave agora, o atual impasse em Moçambique reflete as tensões que se seguiram às eleições de 2009.
Como naquela época, há relutância em engajar-se em um diálogo significativo. Infelizmente, aquele impasse anterior acabou resultando em confrontos armados entre a Renamo, o maior partido de oposição na época, e o governo da Frelimo.
Para evitar que a história se repita, os líderes devem fazer mais do que gestos simbólicos; a situação exige um compromisso autêntico e inclusivo que amplifique as vozes de todos, incluindo líderes da oposição e da sociedade civil.
Apenas substituindo divisões enraizadas por diálogo sincero o país poderá se libertar de seu ciclo de conflitos e trabalhar por um futuro estável e democrático.
Egídio Chaimite é pesquisador sênior no Instituto de Estudos Sociais e Econômicos (IESE) de Moçambique, especializado em governança, eleições, direitos humanos e movimentos sociais. Com numerosas publicações e experiência em design, implementação e avaliação de programas, ele também ensina gestão eleitoral e políticas públicas nas principais universidades de Moçambique.
*Imagem em destaque: Moçambique vive semanas de violência pós-eleitoral. Foto: Emídio Jozine/ONU
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz

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