Conflito no Sudão: ou você morre, ou perde tudo

Conflito no Sudão: ou você morre, ou perde tudo

Família se protege de ataques no Sudão do Sul. Foto: ONU/Eric Kanalstein

Comitê Internacional de Resgate estima que 334.000 pessoas foram deslocadas no interior do Sudão, e cerca de 65.000 pessoas cruzaram as fronteiras como refugiados.

POR HISHAM ALLAM

EL CAIRO – No primeiro dia do feriado muçulmano do Fim do Jejum, que encerra o Ramadã, Saber Nasr, um egípcio de 20 anos, passou mal e teve febre alta em Cartum, capital sudanesa.

Sabre, que havia se mudado do Egito para o vizinho Sudão, para seguir o sonho de se tornar dentista, depois de suas notas no ensino médio terem-no impedido de se matricular em uma universidade egípcia, não conseguiu encontrar atendimento médico apesar de sua febre ter atingido perigosos 40 graus.

Um de seus amigos, Ahmed, tentou buscar ajuda nos hospitais próximos de Cartum, a capital, mas todos estavam fechados. O pai de Sabre, Nasr Sayed (na foto ao lado, com seus outros dois filhos), acompanhou a situação pelo telefone e impotente pediu a Ahmed que continuasse ajudando seu filho.

Como não encontrou transporte, Ahmed carregou seu amigo durante três quilômetros atrás de atendimento médico. Por desgraça, eles voltaram para casa sem atendimento e Saber faleceu horas depois.

Ele era um dos 5.000 jovens egípcios que estudavam no Sudão, ao que se somam 10.000 trabalhadores do país na nação africana, que dividem a fronteira de 1.273 quilômetros de longitude.

Saber e Ahmed foram pegos de surpresa, como a maioria da população, pela eclosão do sangrento conflito entre o exército sudanês e as paramilitares Forças de Apoio Rápido (FAR), em 15 de abril. Ambos os grupos participaram juntos da derrubada do governo civil em 2021.

A tensão entre o exército e o FAR chegou ao ápice através de um acordo negociado internacionalmente para devolver o país ao governo civil, quando o FAR se negou a unir-se ao exército sudanês.

Ao fracassar os intentos de cessar-fogo, o conflito continua nas ruas de Cartum, provocando uma crise humanitária. O Comitê Internacional de Resgate estima que 334.000 pessoas se deslocaram dentro do país, e calcula que cerca de 65.000 cruzaram as fronteiras como refugiados.

No Cairo, Nasr Sayed, pai de Sabre, afirmou à IPS que Ahmed foi um herói por arriscar a vida para ajudar o amigo. Quando saiu às ruas pela primeira vez para comprar remédio para Sabre, ele foi detido e golpeado pelos milicianos da FAR, que lhe roubaram o dinheiro e o celular. Isso, porém, não o impediu de tentar salvar o seu amigo.

Sayed tentou contato com a embaixada egípcia para obter medicamentos para o filho antes dele falecer e, também depois para que o ajudassem a transportar o corpo para o Egito, ou até mesmo ajudá-lo a entrar no Sudão. Tudo em vão.

Em 31 de abril, o Ministério de Assuntos Exteriores do Egito anunciou que 6399 compatriotas foram evacuados por via aérea ou terrestre. Também afirmou que as Forças Armadas Egípcias partiram em 27 missões para evacuar os cidadãos atingidos pela nova onda do conflito armado no país.

Mohamad el Gharawi, agregado administrativo adjunto na embaixada egípcia em Cartum, foi assassinado quando se dirigiu à sede da embaixada para monitorar a evacuação de egípcios no Sudão, informou o Ministério de Assuntos Exteriores do Egito em 24 de abril.

Você pode ler aqui a versão em inglês deste artigo.

Ahmed Saber Ahmed, construtor de uns 40 anos, transferiu-se para Kalakla, ao sul de Cartum em 2008 para trabalhar no setor da construção. Ele e sua família permanecem na cidade e se tornaram alvo de inúmeros saques. O bairro onde vivem é foco da guerra. Ele culpa as fugas da prisão durante o conflito.

«Minha família e eu estamos presos aqui e tratando de administrar as nossas vidas com o que podemos comprar ao dobro dos preços (habituais)», disse Ahmed à IPS de Cartum. «O dinheiro que temos está congelado no banco, que está fechado desde o começo da guerra”, explicou, além disso o aplicativo da agência bancária, que ele utiliza, não funciona.

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«Estamos cercados de veículos blindados de um lado e de depósito de armas por outro, há poucos quilómetros estão os armazéns centrais de reserva e outros depósitos de munições das Forças Armadas Sudanesas, assim, não podemos sair, nem nos movermos para buscar recursos, tampouco podemos chegar aos pontos de evacuação anunciados pelas autoridades egípcias”, explicou.

Ele acrescentou que tem três filhos, incluindo um bebê de seis meses que depende de leite artificial para se alimentar. “Todas as farmácias estavam fechadas desde o início do conflito, então não consigo comprar leite”, detalhou.

“Quando me programei ir aos pontos de evacuação, descobri que os condutores exigiam tarifas de até 300 dólares por pessoa. Nem sequer tenho 1.500 dólares para salvar a minha família”, disse desesperado.

«Estamos presos, sem dinheiro, indefesos, isolados e esperando pacientemente nosso destino”, afirmou Ahmed por telefone.

Muhyiddin Mukhtar, um jovem sudanês, decidiu se oferecer como voluntário no Hospital do Sul de El Fasher após presenciar dezenas de vizinhos serem assassinados por homens armados em motocicletas.

Mukhtar afirma que sua família decidiu ficar porque a marcha seria difícil e perigosa, sem falar dos elevados custos que sua família não tem como pagar.

«Se decidíssemos partir, o lugar mais perto de nós seria Chad, e custa 200 dólares por pessoa para chegar à fronteira”, contou Mukhtar. «Um amigo próximo chegou ao Egito com a família, e sofreu muita exploração por parte dos condutores. Cada pessoa teve de pagar 600 dólares para chegar à fronteira da passagem de Arqin», no norte sudanês.

Munir Dhaifallah, motorista de ônibus que vem transportando as pessoas até a fronteira do Egito desde o começo do conflito.

Após o estalido dos combates nas zonas fronteiriças, Iman Aseel se viu obrigado a fugir de sua casa em Cartum.

“Quando a situação piorou, minha irmã, minha tia e eu discutimos a fuga para o Egito”, explicou Iman. “Não nos pedem permissão para entrar no Egito, porque minha tia tem três filhos, mas o marido dela precisou ir até até a fronteira de Halfa para conseguir a permissão.”

Segundo Eman, que viajava no trem desde Asuán, a 800 quilômetros no sul do Cairo, seu transporte até a fronteira custou 1,4 milhões de libras sudanesas (2.335 dólares) que ele não tinha. “Assim que o marido da minha tia se viu obrigado a vender grande parte do que tinha e suas plantações a baixo preço para conseguir o dinheiro o quanto antes”, disse.

«Nós saímos com a roupa do corpo”, disse Iman, 18, “e assim que a situação se estabilizar, nós voltaremos imediatamente para a nossa terra natal”, afirmou com convicção.

Munir Dhaifallah, condutor de ônibus que transporta pessoas do Sudão para o Egito, levou Iman e sua família para Asuán.

Segundo ele, alguns proprietários de ônibus se aproveitam da situação e sobre consideravelmente seus preços devido ao risco e aos altos preços do combustível.

A família de Munir negou ter abandonado Kordofán del Norte, um árido estado localizado no centro do Sudão. «Era nosso destino, segundo minha mãe. Se estamos destinados a morrer, seria melhor que morrêssemos e nos enterrassem e nossa pátria”, afirmou.

Munir costuma dirigir por 24 horas, depois descansa por dois dias antes de retornar ao mesmo trajeto.

Os preços começaram a cair nestes primeiros dias de maio, segundo Munir, porque muitas pessoas já partiram e os estrangeiros foram evacuados. “Deixando só os pobres”, afirmou. (T: MF / ED: EG)


Artigo publicado originalmente na Inter Press Service

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