O dinheiro pode mudar o mundo?

Por Alfonso Fernández de Castro
A 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4) está programada para ocorrer de 30 de junho a 3 de julho de 2025 em Sevilha, na Espanha. A conferência abordará questões novas e emergentes, bem como a necessidade urgente de implementar plenamente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e apoiar a reforma da arquitetura financeira internacional. O FfD4 avaliará o progresso alcançado na implementação do Consenso de Monterrey, da Declaração de Doha e da Agenda de Ação de Adis Abeba. Mudar o financiamento para o desenvolvimento sustentável não é apenas uma opção – é o caminho para fechar as lacunas e construir um futuro resiliente. O Uruguai mostra que, com visão, política pública e inovação financeira, isso pode ser feito.
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MONTEVIDÉU (IPS) – Embora as manchetes geralmente se concentrem em crises, desigualdade ou instabilidade, raramente destacam uma das ferramentas mais poderosas para a transformação: o financiamento do desenvolvimento. O dinheiro pode mudar o mundo? Sim – se mobilizado com visão estratégica, sustentabilidade e equidade.
De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a lacuna de investimento para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030 ultrapassa US$ 4 trilhões por ano. No entanto, os ativos financeiros globais totalizam US$ 486 trilhões, de acordo com o Conselho de Estabilidade Financeira.
O que impede que até mesmo uma pequena fração desses fundos flua para a sustentabilidade? Essa lacuna representa não apenas um desafio financeiro, mas também uma oportunidade de repensar o funcionamento do sistema econômico e reorientá-lo para um crescimento mais equitativo e resiliente.
Embora várias barreiras possam limitar os fluxos de capital – como estruturas regulatórias subdesenvolvidas, falta de incentivos apropriados, subsídios que não promovem práticas sustentáveis, padrões pouco claros e riscos percebidos -, enfrentá-las com uma perspectiva de ecossistema pode liberar todo o potencial do financiamento para o desenvolvimento.
Redirecionar os fluxos financeiros para as prioridades sociais e ambientais é mais urgente do que nunca. Cada dólar investido com foco nos ODSs pode reduzir a pobreza, impulsionar a inovação e proteger os ecossistemas.
O objetivo é claro: construir um sistema financeiro eficaz, inclusivo e responsável, capaz de responder aos principais desafios globais. Para atingir esse objetivo, muitos países estão implementando estruturas de financiamento que alinham recursos nacionais e internacionais com metas sociais e ambientais.
Essas estratégias mobilizam investimentos que geram um impacto real na vida das pessoas e na saúde do planeta: possibilitando transições de energia, reduzindo a pobreza e promovendo a inovação em setores-chave.
Em nível global, maximizar o impacto da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA) continua sendo essencial. Em 2024, para cada dólar gasto em financiamento básico, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ajudou a mobilizar mais de US$ 500 em investimentos públicos e privados para os ODSs. Desde 2022, isso totalizou mais de US$ 870 bilhões em financiamento resiliente ao clima.
A próxima Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), em Sevilha, é uma oportunidade fundamental para fortalecer uma arquitetura financeira global que apoie investimentos alinhados aos ODS, ajude a aliviar o ônus da dívida dos países mais vulneráveis e promova a mobilização de recursos domésticos por meio de redes colaborativas de governos, investidores e organizações filantrópicas.
Os esforços também se concentram na criação de ecossistemas de investimentos sustentáveis por meio de canais alinhados aos ODS, mecanismos de redução de riscos, inovação financeira e sistemas que direcionam os investimentos para atividades sustentáveis com estruturas sólidas de divulgação e rastreamento de impacto.
Uruguai: Inovação financeira com impacto
No Uruguai, o impulso para um mercado financeiro sustentável visa acelerar o progresso dos ODS e posicionar o país como um centro regional. Essa agenda é coordenada pela Mesa Redonda de Finanças Sustentáveis, uma plataforma interinstitucional liderada pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF) e pelo Banco Central do Uruguai (BCU), com o forte compromisso e apoio do PNUD, juntamente com parceiros do setor bancário e financeiro, para enfrentar os desafios do financiamento do desenvolvimento.
Um marco importante foi a emissão do Sovereign Sustainability Linked-Bond (SSLB) em 2022. Sua Estrutura de Referência foi desenvolvida por cinco ministérios com o apoio técnico do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do PNUD. O título vinculou os custos de financiamento a metas ambientais, com verificação externa pelo PNUD.
Sua primeira emissão, que atraiu US$ 1,5 bilhão em demanda, estabeleceu um precedente regional para o financiamento sustentável e marcou uma contribuição significativa para os bens públicos globais.
Em 2024, o Uruguai também lançou seu primeiro Título de Impacto Social (SIB) voltado para a educação dual – um instrumento que vincula retornos financeiros a resultados mensuráveis em inclusão e empregabilidade. Desenvolvido com a participação de organizações da sociedade civil, instituições públicas e investidores, ele tem como objetivo financiar projetos educacionais que promovam a integração da força de trabalho dos jovens.
O risco do greenwashing: mais transparência, menos promessas vazias
O crescimento das finanças sustentáveis traz alguns riscos. Um dos mais proeminentes é o greenwashing, ou seja, a projeção de um falso compromisso ambiental ou social sem ações ou resultados verificáveis. Para evitar isso, é essencial gerenciar o impacto de forma objetiva, com padrões claros de transparência e mecanismos de verificação independentes.
O Uruguai, com sua sólida estrutura financeira e títulos vinculados ao desempenho, exemplifica como uma abordagem transparente e baseada em resultados pode combater efetivamente o greenwashing e garantir que cada dólar investido produza um impacto real.
Financiar o futuro significa medir o impacto real de cada decisão. Somente assim a Agenda 2030 poderá se tornar realidade.
O dinheiro não tem um propósito intrínseco; seu impacto depende de nossas escolhas. Podemos usá-lo para alimentar a desigualdade – ou como um motor para construir um mundo mais justo, resiliente e sustentável.
Este texto foi publicado inicialmente pela Inter Press Service (IPS)
Imagem da cidade de Sevilha / Reprodução

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