ONU enfrenta ações e reações de uma Casa Branca hostil

POR THALIF DEEN
NAÇÕES UNIDAS – O governo de Donald Trump, que reconquistou a Casa Branca em 20 de janeiro após um hiato de quatro anos, atacou duramente milhares de imigrantes em situação irregular e centenas de supostos inimigos, desencadeando uma série de ordens executivas sobre órgãos militares e federais.
Mas no caos político resultante, Trump também não poupou as Nações Unidas.
Espera-se que o órgão mundial fique chocado e visivelmente enfraquecido, pois enfrenta uma série de ameaças, incluindo cortes no financiamento dos EUA, a retirada de agências como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e possivelmente o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), bem como o abandono de tratados internacionais, como o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Um sinal do que está por vir foi dado pela nova embaixadora dos EUA na ONU, Elise Stefanik, que foi citada como tendo dito: “Na ONU, os americanos veem uma instituição corrupta, desatualizada e paralisada, mais comprometida com a burocracia, o processo e as sutilezas diplomáticas do que com os princípios fundamentais de paz, segurança e cooperação internacional estabelecidos em sua Carta”.
A ex-presidente da Conferência Republicana da Câmara também se comprometeu a retirar o apoio à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (Unrwa).
Como resultado, espera-se que a ONU enfrente uma Casa Branca excepcionalmente hostil nos próximos quatro anos, mesmo com os EUA continuando a atrasar suas contribuições financeiras para a agência.
Sobre o financiamento vacilante dos EUA, o porta-voz adjunto da agência, Farhan Haq, lembrou que o maior contribuinte da ONU deve US$ 1,5 bilhão ao orçamento regular da organização.
Mas se a dívida com o orçamento regular for somada à dívida com o orçamento de manutenção da paz e com os tribunais internacionais, o valor total devido à ONU pelos EUA é de US$ 2,8 bilhões.
Quando perguntado se a ONU pode obter esse dinheiro no governo Trump, ele disse apenas: “Conseguimos o dinheiro para as despesas da ONU em todos os vários governos do passado”.
Joseph Chamie, demógrafo consultor e ex-diretor da Divisão de População da ONU, disse à IPS que está claro para quase todos os observadores que o governo Trump pretende reformular as relações entre os EUA e a ONU.
Ele observou que é de se esperar que o presidente Trump e as pessoas próximas a ele pressionem por reformas e usem fundos dos EUA em suas tentativas de alcançar os objetivos desejados. Espera-se que as reformas exigidas pelo governo Trump sejam mudanças marcantes em relação às administrações anteriores dos EUA.
“É de se esperar que o presidente Trump aja de forma mais rápida e agressiva do que durante seu primeiro mandato presidencial”, entre 2017 e 2021, disse ele.
Quanto à cooperação multilateral, ele acrescentou, é provável que ela ocorra somente quando for percebida como alinhada aos interesses do novo governo.
“Sobre os comentários, observações e declarações oficiais do governo Trump, recomendo que prestem atenção às palavras de John Adams, o segundo presidente dos Estados Unidos”, disse Chamie.
Adams comentou com astúcia: “Os fatos são teimosos; e quaisquer que sejam nossos desejos, nossas inclinações ou os ditames de nossas paixões, eles não podem alterar o estado dos fatos e das evidências.
Em resumo, os fatos, as evidências e as realidades referentes ao sistema da ONU e suas operações não podem ser alterados pelos desejos de Trump e seu governo, antecipou Chamie.
Stephen Zunes, professor de Política e Estudos Internacionais da Universidade de São Francisco, que escreveu extensivamente sobre a política da ONU, disse à IPS que a presidência de Trump apresentará desafios sem precedentes para as Nações Unidas e as normas legais internacionais que ela deve defender.
“Nenhum líder de grande potência desde a fundação da ONU em 1945 expressou tanto desdém pelos princípios fundamentais do direito internacional”, antecipou.
No entanto, é preciso lembrar que os EUA já estavam minando esses princípios em administrações anteriores, observou ele.
Por exemplo, mesmo sob o comando do antecessor de Trump, o democrata Joe Biden (2021-2025), os EUA reconheceram a anexação ilegal das Colinas de Golã por Israel e a anexação ilegal do Saara Ocidental pelo Marrocos, ambas tomadas por força militar em contravenção às resoluções unânimes do Conselho de Segurança da ONU.
A hostilidade contra as agências da ONU também não é nova, enfatizou Zunes.
Biden, com o apoio de uma grande maioria bipartidária no Congresso legislativo, eliminou o financiamento do país para a UNRWA. As administrações anteriores retiraram os EUA do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (OHCHR) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Eles também ameaçaram retirar o financiamento de qualquer agência da ONU que admita o Estado da Palestina como membro.
“Além disso, nos últimos 55 anos, os Estados Unidos vetaram muito mais resoluções do Conselho de Segurança da ONU do que qualquer outro país”, lembrou o acadêmico.
A diferença entre Trump e os presidentes anteriores é a oposição flagrante do magnata republicano ao sistema da ONU como um todo e à ideia de qualquer restrição legal às ações dos Estados Unidos ou de seus aliados.
Apesar de seus frequentes padrões duplos, as administrações anteriores dos EUA pelo menos falaram da boca para fora sobre o que Biden chamou de “ordem internacional baseada em regras”. Trump, no entanto, não o faz.
Considerando o desdém de Trump pelas leis nacionais – tendo sido acusado de 78 crimes e condenado por 34 até o momento – não é de surpreender que ele também tenha tão pouca consideração pelas leis internacionais, disse Zunes.
Sobre a saída do Acordo de Paris, que repete o que Trump já fez em sua presidência anterior, o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, disse que os Estados Unidos notificaram o secretário-geral, em sua capacidade de depositário, de sua retirada em 27 de janeiro deste ano do tratado acordado em dezembro de 2015.
Os Estados Unidos assinaram o Acordo de Paris em 22 de abril de 2016 e expressaram seu consentimento em se vincular ao Acordo por meio de sua aceitação em 3 de setembro de 2016. Posteriormente, retirou-se do Acordo a partir de 4 de novembro de 2020, antes de aceitá-lo novamente em 19 de fevereiro de 2021.
De acordo com o Artigo 28, parágrafo 2 do Acordo de Paris, a retirada dos EUA entrará em vigor em 27 de janeiro de 2026.
“Reafirmamos nosso compromisso com o Acordo de Paris e nosso apoio a todos os esforços efetivos para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius”, disse Dujarric.
Sobre as duras críticas à ONU nas audiências de confirmação do Senado dos indicados por Trump para seu governo, Haq disse: “Eu não entraria em nenhum tipo de refutação ponto a ponto, mas obviamente está claro o trabalho que as Nações Unidas e suas agências fazem.”
“Está claro o papel importante que desempenhamos em vários campos, seja nos esforços de manutenção da paz em todo o mundo, seja na ajuda humanitária, seja na assistência econômica fornecida pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e outros, seja no apoio ao meio ambiente e ao planejamento populacional”, acrescentou.
Há um mundo de atividades, disse Haq, que a ONU promove.
“Subjacente a tudo isso está o fato fundamental de que o maior sucesso das Nações Unidas é garantir que todas as nações do mundo tenham um lugar confiável e pacífico onde possam negociar umas com as outras e lidar coletivamente com todos os possíveis conflitos, todas as possíveis questões transversais”, resumiu.
Artigo originalmente publicado na IPS.
Foto: O presidente Donald Trump discursa na 75ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro de 2020. Imagem: Rick Bajornas / ONU
Thalif Deen, chefe do escritório das Nações Unidas da IPS e diretor regional da América do Norte, cobre a ONU desde o final dos anos 1970. Ex-subeditor de notícias do Sri Lanka Daily News, ele também foi redator editorial sênior do The Standard, com sede em Hong Kong. Ex-oficial de informação do Secretariado da ONU e ex-membro da delegação do Sri Lanka nas sessões da Assembleia Geral da ONU, Thalif é atualmente editor-chefe da revista Terra Viva United Nations – IPS.