A extrema-direita cresce dividida nas eleições municipais no Brasil
São Paulo vive as eleições mais violentas em 40 anos, com a extrema-direita liderando a disputa pela prefeitura. Com acusações agressivas e confrontos, o atual prefeito tenta reeleição, enquanto a esquerda busca reação
RIO DE JANEIRO – São Paulo, a cidade mais populosa da América Latina, com 11,9 milhões de habitantes que se elevam a mais de 22 milhões com sua área metropolitana, vive as eleições mais violentas das últimas quatro décadas, nas quais a extrema-direita é favorita para a prefeitura, embora com poder compartilhado, como em muitos dos 5.569 municípios do Brasil.
As eleições ocorrerão em 6 de outubro em todos os municípios, com 155,9 milhões de eleitores habilitados. Nos 103 municípios que têm mais de 200 mil eleitores, haverá segundo turno em 27 de outubro, se nenhum candidato obtiver maioria absoluta dos votos válidos.
A maior cidade brasileira, cuja disputa é a que mais influencia o futuro político do país, reflete a tendência nacional esperada, de uma maioria de prefeitos eleitos por partidos do chamado “Centrão”, em geral conservadores, apesar do nome, e em busca dos eleitores mais de direita.
É assim que o prefeito de São Paulo que tenta a reeleição, Ricardo Nunes, afiliado ao centrista Movimento Democrático Brasileiro (MDB), se aliou à extrema-direita liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele é o favorito com 27% das intenções de voto, de acordo com a pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em 19 de setembro.
Mas a surpresa foi a aparição de um candidato “bolsonarista”, Pablo Marçal, um empresário que se autodenomina “influenciador digital” e oferece cursos para empreendedores. Ele se destacou entre os três preferidos dos eleitores paulistanos depois de iniciada a campanha eleitoral em 16 de agosto.
O candidato de extrema-direita Pablo Marçal, durante entrevista à TV Globo em 26 de agosto, quando subia nas pesquisas, antes das agressões verbais a outros postulantes nos cinco debates públicos durante a campanha eleitoral em São Paulo, que culminará nas eleições de 6 de outubro. RS/FotosPúblicas
Gritaria e agressão
Com acusações agressivas contra seus adversários, desde vício em cocaína até assédio sexual e violência doméstica, Marçal acabou como vítima de uma agressão. Outro candidato, José Luiz Datena, o golpeou com uma cadeira durante um debate em uma emissora de TV, a TV Cultura de São Paulo, em 15 de setembro.
Datena, um apresentador de telejornais policiais sensacionalistas e candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), irritou-se diante da menção ao assédio sexual de que foi absolvido e das desistências em disputas eleitorais anteriores nas quais foi aspirante, um dado insistentemente lembrado por Marçal.
Os cinco debates promovidos por emissoras de televisão e sites de notícias degeneraram em ofensas, acusações não comprovadas e, às vezes, gritaria entre os seis principais candidatos à prefeitura de São Paulo, impossibilitando uma discussão sobre os problemas da cidade e os planos de governo.
A crise climática foi um tema marginal, embora a cidade tenha enfrentado inundações, apagões devido à destruição de sua rede elétrica durante tempestades, calor extremo e poluição atmosférica gerada por incêndios florestais e agrícolas em setembro.
Marçal, candidato pelo minúsculo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), tem um extenso histórico criminal. Ele não cumpriu a pena de quatro anos de prisão por roubo, como membro de uma quadrilha que desviava dinheiro de contas bancárias, crime que prescreveu. Além disso, responde a vários processos por lavagem de dinheiro e crimes eleitorais.
Por esses crimes, sua eleição como deputado federal em 2022 foi anulada, apesar da boa votação que obteve, com 243.029 votos. Além disso, dirigentes de seu partido são acusados de cumplicidade com o narcotráfico.
Tantos crimes e relações suspeitas foram alvo de contra-ataques de seus adversários. No entanto, Marçal conseguiu se tornar um dos três candidatos favoritos, com 22% das intenções de voto no início de setembro. Agora, caiu para 19%.
Ilusão de um novo Bolsonaro
Mas seu sucesso inicial abalou a aposta de Bolsonaro na reeleição do prefeito. “Ele não é o candidato dos meus sonhos”, declarou o ex-presidente, em meio a elogios a Marçal. No entanto, manteve seu apoio a Nunes.
Analistas chegaram a especular sobre uma divisão no “bolsonarismo”, com Marçal disputando a liderança como sucessor de Bolsonaro, até mesmo como candidato presidencial em 2026. Mas a avaliação precipitada sobre o que parecia ser uma estrela cadente da extrema-direita se desfez.
Sua agressividade desenfreada e o “cadeiraço” que sofreu, ao que parece, em vez de atrair simpatia, afastaram os eleitores. Seu índice de rejeição nas pesquisas do Instituto Datafolha subiu de 30% para 47% desde o início da campanha eleitoral.
As mulheres, que representam 53% dos 9,3 milhões de eleitores de São Paulo, o rejeitam com mais força. Apenas 12% o apoiaram na última pesquisa, enquanto ele alcança 28% entre os homens.
A intenção de voto dos “bolsonaristas” se dividiu entre Nunes e Marçal, mas com um aumento no apoio ao primeiro. Essa tendência é atribuída ao apoio decidido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, uma criatura política de Bolsonaro, de cujo governo (2019-2022) foi ministro da Infraestrutura.
Confirmado o favoritismo do prefeito atual, Freitas seria o grande vencedor e se consolidaria como o provável candidato do “bolsonarismo” à presidência do Brasil em 2026, já que Bolsonaro está inabilitado para concorrer.
Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral o tornou inelegível até 2030 por abuso de poder político, ao usar seu cargo de presidente em julho de 2022 para reunir embaixadores estrangeiros em Brasília e lhes dizer que o sistema eleitoral brasileiro não era confiável.
Guilherme Boulos, candidato do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em campanha pelas ruas de São Paulo em 7 de setembro. As pesquisas o colocam em segundo lugar nas intenções de voto, o que o levaria ao segundo turno em 27 de outubro, mas o favorito é Ricardo Nunes, o prefeito que tenta a reeleição com o apoio do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro. Leandro Paiva
Polarização
As eleições em São Paulo opõem as duas forças que dominam a política brasileira desde 2018: o “bolsonarismo” e a esquerda, liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu Partido dos Trabalhadores (PT). Por isso, seu resultado terá forte influência nos rumos nacionais.
O candidato da esquerda, Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e apoiado pelo PT, registra 26% das intenções de voto na pesquisa, empatado com Nunes (27%), considerando a margem de erro de três pontos percentuais.
Mas nas simulações de segundo turno feitas pelo Instituto Datafolha, ele perderia para Nunes por 53% a 37% dos votos. Uma virada é pouco provável, já que Boulos tem menos apoio nas periferias da cidade, em contraste com seu esquerdismo e seu passado como ativista do movimento por moradia para os pobres.
São Paulo reflete uma tendência eleitoral do país. Já foi governado três vezes pelo PT desde 1989, mas teve governos cada vez mais à direita nas últimas décadas.
O PT, hegemônico na esquerda desde sua fundação em 1980, elegeu apenas 183 prefeitos em 2020, contra 638 em 2012, quando teve seu melhor desempenho. Agora, com Lula na presidência, o partido tenta recuperar parte das perdas, com 1.385 candidatos a prefeituras em todo o país, 9,6% a mais do que em 2020.
O Partido Liberal (PL), de Bolsonaro, liderou com 349 prefeitos eleitos em 2020 e tem a meta de alcançar 1.500 nas eleições de outubro. Antes, era um dos partidos “nanicos” na política brasileira.
A miríade de 29 partidos permite abrigar a variedade de interesses políticos neste país de 212,5 milhões de habitantes e 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Mas também é caótica, com poucos partidos tendo uma identidade ideológica definida.
A maioria aceita membros por conveniências momentâneas e se concentra no chamado “Centrão”, cujos votos no Congresso dependem de favores e interesses temporários.
Os “bolsonaristas” estão dispersos em vários desses partidos, incluindo quase todos os 12 partidos que compõem o atual governo, presidido por Lula. A falsa “coalizão” governamental não garante uma maioria parlamentar.
As eleições municipais influenciarão principalmente a composição do Congresso em 2026. O temor é que aumente a bancada de extrema-direita, que arrasta o “Centrão” para aprovar medidas prejudiciais ao meio ambiente, aos direitos das minorias e das mulheres.
*Imagem em destaque: José Luiz Datena, candidato à prefeitura de São Paulo, ataca com uma cadeira seu adversário de extrema-direita Pablo Marçal, durante debate na TV Cultura em 15 de setembro, em resposta às constantes provocações do agredido, que sofreu ferimentos leves no tórax e no punho. A cena simboliza a agressividade e tensão que a extrema-direita trouxe à política brasileira, refletidas na campanha para as eleições municipais. TV Cultura/FotosPúblicas
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz
É correspondente da IPS desde 1978, e está à frente da editoria Brasil desde 1980. Cobriu eventos e processos em todas as partes do país e ultimamente tem se dedicado a acompanhando os efeitos de grandes projetos de segurança, infraestrutura que refletem opções de desenvolvimento e integração na América Latina.