A Operação Greenfield e a tentativa de destruir biografias limpas

A Operação Greenfield e a tentativa de destruir biografias limpas

Uma das ramificações da Lava Jato, Operação Greenfield trouxe um enorme prejuízo para o país e há fortes indicações de desvios associados à sua gênese e sua evolução. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil).

POR LUIZ PHILIPE P. TORELLY, GUILHERME N. DE LACERDA E NEWTON C. CUNHA
Artigo originalmente publicado no Congresso em Foco.

Em princípio pareciam meras ações de combate à corrupção e assim foram vistas pela mídia e por grande parcela da opinião pública. Tudo caminhou muito rápido. Da primeira operação, em março de 2014, à destituição da presidente Dilma em 31/08/2016, passaram-se pouco mais de dois anos. Até a prisão do presidente Lula foram mais de dois anos; depois, em pouco mais de um ano, em junho de 2019, vieram a público as conversas mantidas entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba.

A denominada operação Vaza Jato trouxe à luz as ilegalidades e crimes contra a liberdade, a economia e o estado de direito. Infelizmente, até a atualidade os perpetradores ainda não foram punidos.

Como alguns poucos conseguem promover tamanhos abalos na economia, destituir uma presidenta, prender a personalidade pública mais importante e influente do país, por duas vezes presidente da República, e ainda ajudar a eleger à Presidência um obscuro parlamentar, ex-capitão expulso do Exército?

A “Operação Greenfield” foi uma das ramificações da Lava Jato. Como seu braço em Brasília, ela se voltou para investigar os fundos de pensão, detentores na atualidade de um patrimônio de R$1,3 trilhão, equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB).

Preparada em articulação com segmentos da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e auditores de órgãos federais, em especial da Caixa Econômica Federal, a Greenfield deu seus primeiros passos em 2014, pari passu com a Lava Jato. De início, desencadeou-se uma avalanche de lançamento de multas descabidas, vistorias fora de rotina, interpretações técnicas impróprias. Um conjunto de denúncias, a maioria forjadas, e uma difusão de matérias midiáticas serviram de motivo para a abertura de uma CPI na Câmara dos Deputados em 2015, que caiu como uma luva para o então presidente da casa, Eduardo Cunha, aumentar a pressão sobre a presidenta legitimamente eleita. Ao final, a referida CPI concluiu seus trabalhos com um relatório repleto de ilações soltas e destituído de provas.

Há oito anos, no dia 5 de setembro de 2016 (cinco dias após o impeachment de Dilma Roussef), foi deflagrada a Greenfield, tendo como alvos dirigentes e empregados dos principais fundos de pensão, a saber: Previ, Petros, Funcef e Postalis. Eram também atingidos um rol de empresários e gestores que haviam feito negócios com essas entidades. Tudo dentro do mesmo script escandaloso da Lava Jato. Dezenas de pessoas foram presas ou conduzidas coercitivamente por forte e desproporcional aparato policial, invadindo residências e violando as garantias individuais de vítimas que nem imaginavam a existência de investigações. Tudo isso com amparo e ampla difusão dos meios de comunicação. Uma operação ruidosa, de cunho absolutamente político e midiático. Apenas na Funcef, os acusados eram responsabilizados por um déficit imaginário de R$18 bilhões! Um número abstrato, colocado de forma totalmente irresponsável.

Em sequência deram início à abertura de dezenas de ações de natureza criminal e civil, tanto na Previc quanto no Tribunal de Contas da União (TCU). Foram abertas nos fundos de pensão dezenas de sindicâncias internas rasas, com interpretações absurdas e julgamentos sumários enviados para a Polícia Federal (PF). Os acusados tiveram seus direitos de defesa cerceados de várias maneiras. Negando-lhes acesso a documentos, ao ressarcimento de honorários advocatícios e à possibilidade de depor nos inquéritos da Justiça Federal, do MPF e da Polícia Federal. Ficaram incomunicáveis entre si por seis anos, com retenção de bens e passaportes por vários anos. Como se não bastasse, tiveram seus bens bloqueados — situação que, pasmem, perdura até hoje. Uma perfeita guerra jurídica contra pessoas sem capacidade de reação, frente ao enorme número de processos e a retirada dos meios de legítimas de defesa. Uma prática de lawfare no sentido mais amplo do conceito: destruir carreiras e vidas sem qualquer direito à defesa.

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Transcorridos oito anos, nenhuma ação foi julgada! Nenhuma condenação! Em uma única ação houve início de instrução. Vários projetos dos fundos de pensão acusados de fraudulentos tiveram resultados altamente positivos. Outros, ligados à indústria do petróleo, foram arruinados pela saída da Petrobras, cumprindo determinação da Lava Jato e, em um caso específico, criaram um ambiente perfeito para duas das entidades de previdência complementar venderem suas participações em um investimento que tinha potencial enorme de valorização, como ficou comprovado nos anos seguintes.

Várias ações em 2ª instância já tiveram o trancamento, por fragilidades em suas estruturas e argumentos. Na Vara Criminal, somente com novo juiz a partir de 2023, surgiram sinais de que poderemos ter esperanças de julgamentos justos. Porém, até hoje persistem restrições extremas, injustificadas, como o bloqueio de bens de dezenas de pessoas, dentre as quais não há uma sequer que seja acusada de enriquecimento ilícito.

A condenação dos escolhidos para serem perseguidos já ocorreu. São oito anos de sofrimento. Foram tolhidas carreiras profissionais promissoras; destruíram-se relacionamentos, projetos pessoais, com impacto direto na saúde de pessoas de bem. Enfim, uma morte civil de dezenas de brasileiros, aniquilados sem mais nem menos.

Os acontecimentos, à medida do passar dos anos, mostram a existência de uma estratégia para desacreditar e criminalizar a gestão dos fundos e privatizar sua gestão, a exemplo do que já foi feito em outros países. Nessa tragédia, bilhões de reais foram perdidos, com destruição de valor de diversos empreendimentos que eram ou tinham tudo para serem exitosos. Foram milhares de empregos extintos; as indústrias naval, de engenharia e consultoria, de infraestrutura urbana, de energia e de petróleo tiveram danos gigantescos.

O mais estarrecedor é que o tempo passa e a concepção da mídia hegemônica mantém-se a mesma, como se nada tivesse acontecido. Até hoje insistem no discurso falso de que houve desvios por gestores que possuíam afinidades políticas, tendo como consequência o que chamam de “rombos” nas entidades. Uma mentira deslavada, que não resiste ao exame isento dos fatos. Tais vozes são incapazes de reconhecerem que a realidade não condiz com suas manifestações.

O ataque aos fundos de pensão, especialmente aqueles ligados a empresas públicas, não cessa. Recentemente, uma reunião do presidente Lula com gestores das maiores entidades foi novamente motivo de editoriais e críticas descaradas. É incrível: pode-se fazer reuniões com empresas daqui, do exterior, com bancos, com qualquer um, menos com gestores da previdência complementar. Os que criticam são os mesmos que comemoram os investimentos feitos por fundos de pensão de outros países, que aqui aportam recursos quando avaliam projetos promissores. É um contrassenso.

Essa é uma perversa faceta da realidade brasileira que se impõe como uma pós-verdade. O fato, real mas desprezado, é que a “Operação Greenfield” trouxe um enorme prejuízo para o país e há fortes indicações de desvios associados à sua gênese e sua evolução.

Luiz Philippe P Torelly, Guilherme N. de Lacerda e Newton C. Cunha são membros da Associação dos Ex-gestores de Fundos de Pensão e de Entidades de Autogestão em Saúde (Anapex).*

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